Economista é uma referência no pensamento desenvolvimentista e trabalhou no BNDES e na Cepal. Esteve presente na luta contra a ditadura militar e na construção da democracia
Em entrevista recente, Maria da Conceição Tavares se dizia confiante no futuro do Brasil: 'Eu não desisto desse país' - Fernando Frazão/Agência Brasil
A economista, professora da Unicamp e ex-deputada federal pelo Partidos dos Trabalhadores (PT), Maria da Conceição Tavares morreu neste sábado (8). Reconhecida por sua contribuição na luta contra o liberalismo econômico, é considerada uma referência no pensamento desenvolvimentista e teve passagens importantes pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal).
Nascida em Anadia, em Portugal, em 1930, Tavares era filha de mãe católica e pai anarquista, que abrigou refugiados da Guerra Civil Espanhola, durante a ditadura de Antônio Salazar.
Formada em Matemática em 1953, veio para o Brasil em fevereiro de 1954, casada com o engenheiro Pedro José Serra Soares e grávida de sua filha Laura. Em 1957, naturalizou-se brasileira.
No Brasil, formou-se em economia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Perseguida pela ditadura, foi presa em 1974 e levada ao DOI-Codi. E nos anos 1980 filiou ao PMDB, em que foi assessora econômica até 1989, além de se tornar professora da Unicamp e da UFRJ.
Em 1994, filia-se ao PT, partido pelo qual se elege deputada federal, tonando-se uma das mais críticas vozes contra a implementação do Plano Real. E também contra o Teto de Gastos, aprovado em 2016.
Mais recentemente, Maria da Conceição Tavares ficou popular nas redes sociais com publicações de vídeos de aulas e entrevistas.
Entre seus livros, estão: Acumulação de capital e industrialização no Brasil; Ciclo e crise: o movimento recente da industrialização brasileira; (Des)ajuste global e modernização conservadora; Destruição Não Criadora, Memórias de um mandato popular contra a recessão, o desemprego e a globalização subordinada; e Desenvolvimento e Igualdade.
Em entrevista publicada pela revista Margem Esquerda, no final de abril, Tavares dizia manter as esperanças e não desistir do Brasil.
“Apesar da idade avançada e da saúde, o importante é nunca se entregar. Não entrego nada. ‘Só me entrego na morte / De parabelo na mão’. Para além de lições e contribuições econômicas, o importante é deixar um sentimento de otimismo e esperança para inspirar as gerações futuras. Eu não desisto deste país. Apesar de todas as desgraças de hoje, eu continuo achando que o Brasil é o país do futuro. O Brasil tem futuro!”, afirmou.
Repercussão
Nas redes sociais, o presidente Lula, parlamentares, militantes e artistas lamentaram a morte da economista.
Edição: Rodrigo Gomes
Maria da Conceição Tavares
Anadia (Portugal), 1930
Por Equipo Latinoamericana
Diplomada em matemática na Universidade de Lisboa, em 1953, Maria da Conceição de Almeida Tavares migrou para o Brasil em 1954 para escapar da repressão do regime fascista português. Durante o governo de Juscelino Kubitschek, requereu a nacionalidade brasileira e matriculou-se no curso de economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde se graduou em 1960. Foi professora de várias gerações de economistas no atual Instituto de Economia da UFRJ e no Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp).
Maria da Conceição foi uma das criadoras da pós-graduação em economia no Brasil. Exerceu atividades de pesquisa em instituições como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL). Sua obra foi muito influenciada pelos grandes economistas da CEPAL e do BNDES, como Raúl Prebisch, Celso Furtado e Aníbal Pinto. Seus escritos demonstram a preocupação permanente em pensar a América Latina.
Um dos ensaios mais importantes de Maria da Conceição, “Auge e declínio do processo de substituição de importações”, publicado em 1972, foi marco no estudo do processo de industrialização do Brasil e tornou-se clássico na literatura especializada. Seus livros e suas dezenas de artigos sobre a economia brasileira fizeram dela uma das principais estudiosas do desenvolvimento nacional, e são leitura obrigatória para os pesquisadores da economia brasileira.
A militância em defesa da democracia e contra a política econômica da ditadura militar brasileira levou Maria da Conceição a exilar-se no Chile. Quando retornou, militou no Movimento Democrático Brasileiro, antecessor do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB). Seu prestígio acadêmico contribuiu para sua eleição na Câmara Federal, pelo Partido dos Trabalhadores (PT) do Rio de Janeiro, em 1994. No Parlamento, durante a legislatura de 1995 a 1999, destacou-se como crítica da política econômica implantada pelo governo de Fernando Henrique Cardoso, chamando a atenção dos colegas parlamentares para os riscos da política cambial e da destruição do patrimônio público nacional.
Entre seus principais livros, destacam-se: Da substituição de importações ao capitalismo financeiro (1972), Acumulação de capital e industrialização no Brasil (1986), A economia política da crise (1982), (Des)ajuste global e modernização conservadora, com José Luís Fiori (1993), e Poder e dinheiro, também com José Luís Fiori (1997).
Conceição Tavares: economistas apontam legado para repensar Brasil
Entrevistados fazem perfil teórico, político e docente da intelectual
Publicado em 09/06/2024 - 11:33 Por Gilberto Costa - Repórter da Agência Brasil - Brasília
Maria da Conceição Tavares, morreu nesse sábado (8) aos 94 anos, permanecerá como pensadora fundamental para entender o Brasil, a partir de meados do século passado quando vem morar no país.
Mulher com compromisso político e extenso conhecimento sobre filosofia, história e realidade nacional, era uma intelectual combativa e professora exigente. Ao mesmo tempo era pessoa delicada e afetuosa com seus alunos e com seus colegas – mesmo de quem discordasse.
O perfil da principal economista brasileira, de origem lusitana e naturalizada brasileira em 1957, foi desenhado por colegas e ex-alunos de Tavares ouvidos pela Agência Brasil.
“Ela era amiga dos amigos. Uma pessoa calorosa e muito inteligente”, recorda-se o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, professor titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e colega de trabalho Maria Conceição Tavares por 20 anos naquela universidade.
De acordo com Belluzzo, a economista “sempre foi inquieta e discutia com muita intensidade.” Nos debates, usava a divergência para suplantar as controvérsias. “No final, dava um salto. Discordava para avançar no conhecimento.”
Nota 10
Conhecer, assim como ensinar, foi um propósito de vida de Conceição Tavares. Matemática formada pela Universidade de Lisboa chegou ao Brasil em 1954. Três anos depois, matriculou-se no curso de Economia da Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde foi aluna de Otávio Gouveia de Bulhões e de Roberto Campos, dois economistas que comandaram anos depois, no início da ditadura civil-miliar, os ministérios da Fazenda e do Planejamento, respectivamente.
Segundo Maria da Conceição Tavares, apesar de discordar dos dois professores, ganhou “10” de ambos. Bulhões a deixava “dizer o que quisesse”; e Roberto Campos, que “a chateava nas aulas por causa da inflação, prezava muito a inteligência analítica”, disse a economista em depoimento publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) quando fez 80 anos, em 2010.
Outro ex-ministro da Fazenda durante a ditadura, e economista de matiz liberal, Mário Henrique Simonsen, também a respeitava. Em novembro de 1974, quando Conceição Tavares foi presa pelo Departamento de Ordem Política e Social (Dops) em quartel do Exército no bairro da Tijuca, zona norte do Rio, Simonsen pediu diretamente ao então presidente Ernesto Geisel a sua libertação.
Para Alfredo Saad-Filho, professor de Economia Política e Desenvolvimento Internacional na King’s College de Londres, Conceição Tavares foi de uma “geração de economistas brilhantes e influentes” e responsável pela formação de quadros importantes. “Uma árvore que gerou muitos economistas, inclusive dirigentes importantes e ministros de Estado.”
Séquito de admiradores
Cláudio de Moraes, professor de Macroeconomia e Finanças do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração (Coppead) da UFRJ, recorda-se que Maria da Conceição Tavares era “extremamente culta”, “se posicionava de maneira clara”, e “tinha um séquito de alunos admiradores”.
Em sua avaliação, “ela permanece influente até hoje”, especialmente junto aos economistas que defendem a “proteção do mercado doméstico” e a necessidade de o país contar com grandes corporações para competir no mercado internacional.
“Com o passar do tempo, ela assumiu uma postura mais política”, acrescenta Gilberto Braga, professor titular de controladoria e contabilidade do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibemec).
A atuação política foi coerente com a atividade acadêmica. “Ela sempre defendeu o papel do Estado como indutor do desenvolvimento e da despesa pública como fator de geração de riqueza econômica. Ela se contrapunha ao pensamento mais liberal que defende um equilíbrio fiscal mais rígido”, assinala Braga que teve Conceição Tavares patrona de sua turma na Universidade Cândido Mendes.
Para ele, Maria da Conceição Tavares escreveu alguns livros obrigatórios para a formação de economistas brasileiros, como Da Substituição de Importações ao Capitalismo Financeiro.
A professora Maria Malta, que leciona sobre história do pensamento econômico na UFRJ, acrescenta Acumulação de Capital e Industrialização no Brasil e Poder e Dinheiro. Uma Economia Política da Globalização, escrito em parceria com o economista Jose Fiori entre os livros fundamentais.
Na opinião de Malta, que assessorou Conceição Tavares quando foi deputada (1995 1998), a economista mantinha em seus livros, aulas e posicionamentos públicos “o compromisso de transformar o Brasil e melhorar a vida dos mais pobres, a quem se referia como aqueles que pagam a conta.”
Influências teóricas
Segundo Maria Malta, Conceição Tavares teve como influências teóricas o pensamento dos brasileiros Celso Furtado e Ignácio Rangel, do britânico John Maynard Keynes, do alemão Karl Marx e do polonês Michal Kalecki, fontes para compor “uma teoria que desse conta do subdesenvolvido brasileiro”, um pensamento “que não está superado.”
Os depoimentos colhidos pela Agência Brasil também recordam da performance de Maria da Conceição Tavares em sala de aula. “O fato de ela ser apaixonada pelos temas de economia fazia com que ela também tivesse atitudes pouco usuais em aula. Quando havia alguém que fazia perguntas que mostravam desconhecimento do que ela estava falando, do que tinha acabado de falar, ela jogava um giz no estudante”, rememora rindo o ex-aluno Pedro Rossi, hoje livre-docente do Instituto de Economia da Unicamp.
Na lembrança de Russi, Maria da Conceição Tavares “preparava muito as aulas” e sempre “se preocupava com o que iria lecionar. Ela era brilhante.”
Para a professora Maria Malta, Conceição Tavares assumia uma persona em sala de aula. “Mas no trato pessoal – por exemplo, nos jantares ou nas conversas ela chamava para o escritório que tinha no Leme -, ela era delicada e afetuosa.”
Edição: Aécio Amado