Juízas alegam pressão para se retratarem por terem protestado contra a iniciativa da Ajufe de consultar magistrados federais a respeito da resolução que promove a paridade de gênero na segunda instância. Entidade rebate que grupo fez "ofensas e acusações gravíssimas"
A decisão do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que determina a paridade de gênero nos tribunais de segunda instância rachou a classe no país. Conforme a resolução aprovada pelo órgão, deve ser criada uma lista de promoção apenas com nomes de juízas, que tem de ser intercalada com uma lista mista para o preenchimento de cargos.
A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), porém, resolveu fazer uma consulta aos magistrados da classe a respeito da decisão do CNJ, o que provocou a revolta de um grupo de juízas filiadas à entidade. Elas argumentam que a magistratura federal é composta majoritariamente por homens.
As juízas também destacaram que a associação deveria se manter imparcial a respeito do assunto. Segundo o grupo, a consulta foi machista. "Além de submeter um grupo minorizado à regra da maioria, a consulta também fomenta o conflito de interesses entre associados e associadas. A postura que se espera da associação é a de neutralidade e não de combate", diz a carta assinada por 200 juízes.
As magistradas que discordaram da posição da entidade afirmaram que se sentiram pressionadas a fazer uma retratação. O grupo também citou a Comissão Ajufe Mulheres, criada em 2017, como "comprometida com a igualdade de gênero e raça no Poder Judiciário". "A consulta revela atitude de violência de gênero real e simbólica, servindo para perpetuar um estado de discriminação institucional e estrutural em desfavor das mulheres", sustentam.
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Ante as acusações, a Ajufe, por meio de nota, afirmou que a carta das juízas continha "ofensas e acusações gravíssimas aos diretores e diretoras" da entidade. Também ressaltou que a diretoria, respeitando todos os procedimentos estatutários, "deliberou por ouvir todos os associados e associadas sobre o texto que seria apreciado pelo CNJ, o qual afetaria todos os membros do Poder Judiciário, mulheres e homens".
A associação enfatizou que o tom da carta foi desproporcional e fortemente agressivo, que imputou à consulta e, portanto, à diretoria da Ajufe e seus integrantes, "atitude de violência de gênero real e simbólica".
"Nem é preciso ir muito a fundo para se aquilatar a gravidade, por exemplo, de uma acusação de violência real de gênero. Evidentemente que mera consulta acerca de um texto debatido junto ao CNJ, e nada mais do que isso, jamais poderia ter contra si aquelas imputações, ao menos em um ambiente de pessoas educadas, respeitosas e sempre abertas ao diálogo democrático", frisou.
A norma aprovada pelo CNJ estabelece que mais mulheres devem ocupar o cargo de juízes nos tribunais de segundo grau. Até então, a resolução previa um critério de antiguidade, sem considerar gênero. O objetivo do órgão é corrigir o abismo entre homens e mulheres no Judiciário brasileiro. Segundo o relatório Justiça em Números, de 2023, enquanto 40% dos juízes do país são mulheres, apenas 25% dos desembargadores são do sexo feminino. Em relação às ministras, a representatividade é ainda menor: 18%.
A sessão que decidiu pelas novas regras de promoção foi a última que a ministra Rosa Weber presidiu no CNJ — a então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) se aposentou na semana passada. Na ocasião, ela fez duras críticas à baixa representatividade de mulheres no Judiciário. "Às vezes, nós temos que ir mais devagar, ainda que a cada passo acumulando, enriquecendo, mas, sobretudo, estabelecendo consensos", pregou, na sessão.
Fontes ouvidas pelo Correio também indicam que outro incômodo dentro da classe é que apenas o Conselho de Presidentes dos Tribunais de Justiça do Brasil (Consepre) se manifestou publicamente contra o ato normativo do CNJ. No julgamento, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Ajufe preferiram não se posicionar.
Também é ponto de discorda o fato de a resolução valer apenas para tribunais de segunda instância. Parte da categoria defende que a regra deveria alcançar também tribunais superiores, como Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Tribunal Superior do Trabalho (TST), por exemplo, com exceção do Supremo Tribunal Federal (STF) — que é de competência do presidente da República.
Juíza questiona desigualdade de gênero nos tribunais
Ao CB.Poder, a juíza Gabriela Jardon, titular da 6ª Vara Cível do TJDFT, falou sobre a disparidade entre a presença feminina na sociedade e o percentual de mulheres na magistratura
A juíza Gabriela Jardon, titular da 6ª Vara Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), foi a convidada do CB.Poder — parceria entre Correio e TV Brasília — desta segunda-feira (9/10). Aos jornalistas Carlos Alexandre de Souza e Thays Martins, ela falou sobre a disparidade entre a presença feminina na sociedade em comparação com a presença nas carreiras de magistratura.
Durante a conversa, a juíza compartilhou sua visão sobre os desafios enfrentados pelas mulheres que almejam seguir carreira no Judiciário. Ela ressaltou que isso pode até mesmo ser visto na parcela feminina nas instâncias judiciais, como as do TJDFT. “Temos por volta de 37% de mulheres desembargadoras na primeira instância, e, na segunda, 24%”, informou.
O cenário chama atenção, pois, embora haja um número crescente de mulheres ingressando nas faculdades de direito — 54% de presença nos cursos —, a representatividade feminina nos tribunais ainda é desproporcional. “Onde estão essas mulheres? Alguns podem pensar que é pouco — diferença de 17%. Não é pouco, porque a tendência era que se reproduzissem os mesmos percentuais. No entanto, eles caem significativamente”, questionou.
Para Gabriela Jardon, essa disparidade se deve a uma interrupção nas carreiras, causada, principalmente, por uma divisão desigual do trabalho doméstico. Além disso, o período inicial da carreira de magistratura (entre 25 e 35 anos) traz à mulher maiores desafios, já que, em alguns casos elas tendem a ser enviadas para locais distantes de sua residência.
“Qual é a mulher que vai ter esse suporte para poder não estar cuidando da sua família e, principalmente filhos e maridos, que, na grande maioria (dos casos) não vão acompanhar?”, indagou.
Antiguidade e merecimento
Outro tópico abordado pela juíza foi a Resolução de 6 de abril de 2010, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ficou decidido que para a promoção de magistrados para 2ª instância haveria duas listas de critério: uma relativa à antiguidade e outra a merecimento. Ela argumentou que, muitas vezes, “a antiguidade da mulher é mais antiga do que simplesmente uma ordem numérica”. Mas, para além de ter isso em mente, é preciso se atentar aos dados sobre esse cenário.
"Na população, temos 54% de mulheres. Porque num tribunal de 2ª instância temos 24%, como aqui no TJDFT. E se tem, vamos igualar. Porque quanto mais conseguirmos que homens e mulheres estejam representados nos tribunais, teremos um Judiciário mais legítimo”, concluiu.
Confira o CB.Poder na íntegra: