É quase impossível ignorar os severos eventos climáticos que atingem as comunidades ao longo dos Estados Unidos. Não podemos mais evitar os impactos de um clima em aquecimento nem deixar de reconhecer a atividade humana que contribui para essa grave situação global.
O comentário é de Marybeth Christie Redmond, publicado em National Catholic Reporter, 13-05-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Para as gerações mais jovens, a preocupação com a crise climática está causando uma crescente ansiedade, tristeza, raiva, impotência e culpa, de acordo com um estudo publicado na The Lancet. Além do descontentamento de nossos filhos e netos, há uma preocupação de que eles possam herdar uma Terra em declínio ou em vias de extinção.
É exatamente por isso que “Love Your Mother: 50 States, 50 Stories, and 50 Women United for Climate Justice” [Ame sua mãe: 50 Estados, 50 histórias e 50 mulheres unidas pela justiça climática] é um livro excepcional e oportuno para o momento em que estamos. Escrito por Mallory McDuff, uma episcopaliana histórica, mãe e professora de educação ambiental, esse livro destaca 50 mulheres ativistas – uma para cada Estado dos Estados Unidos – que representam um novo tipo de liderança no movimento pela justiça climática.
“Ame sua mãe”, em tradução livre, novo livro de Mallory McDuff (Foto: Divulgação)
“Love Your Mother” está repleto de histórias edificantes e bem elaboradas de diversas mulheres e meninas, com idades entre 14 e 70 anos, que trabalham por um futuro planetário viável, do Alabama ao Alasca, de Wisconsin a Wyoming.
A aclamada escritora e naturalista Terry Tempest Williams (Utah) e a jovem poeta Amanda Gorman (Califórnia) são apresentadas no volume, embora a maioria das ativistas seja menos conhecida, outro ponto forte do livro. Os leitores encontrarão estadunidenses comuns, assim como eles, que encontram um problema ou uma injustiça em sua comunidade e começam uma minirrevolução.
McDuff nos apresenta a jovem ativista e estudante negra Mari Copeny (Michigan), que foi ao TikTok com o cartaz que dizia: “Flint, Michigan, está sem água potável desde o dia 24 de abril de 2014” e, aos oito anos de idade, convenceu o presidente Barack Obama a ir à cidade e prometer 100 milhões de dólares para começar a consertar a crise.
Também ficamos sabendo de Bernadette Demientieff (Alasca), uma mãe e avó que honra a orientação espiritual de seus anciãos indígenas Gwich’in na proteção dos caribus (ou renas) no Refúgio Nacional de Vida Selvagem do Ártico. Quando ela não está pressionando os legisladores para impedirem a exploração de petróleo e gás lá, sua organização põe na mira vários bancos nacionais dos Estados Unidos que financiam a indústria dos combustíveis fósseis.
Esse é o quinto livro de McDuff centrado na proteção da Mãe Terra. Seus dois primeiros livros, “Natural Saints” (2010) e “Sacred Acts” (2012), focavam-se no modo como as pessoas de fé e as comunidades eclesiais, respectivamente, estão se mobilizando para enfrentar as mudanças climáticas.
Ela leciona no Warren Wilson College, nos arredores de Asheville, Carolina do Norte, e mora no campus com suas duas filhas jovens em uma casa de 84 metros quadrados com uma ampla vista das Montanhas Apalaches.
“Passo a minha vida inteira com jovens”, diz McDuff, “e é um mundo terrível para eles. Acho que meu trabalho como professora não é criar falsas esperanças, mas conectar meus alunos com pessoas no mundo com as quais eles possam se juntar na ação coletiva, reforçando que eles não estão sozinhos.”
Para McDuff, a esperança se baseia em ações concretas e no trabalho conjunto em comunidade. E foi exatamente isso que ela descobriu ao mergulhar nas histórias dessas poetas, médicas, climatologistas, oceanógrafas, legisladoras estaduais, fazendeiras, estudantes, documentaristas e muito mais.
“O que me chamou a atenção nessas mulheres foi que elas não estavam agindo sozinhas”, diz McDuff. “Não há uma única história em que uma mulher que trabalha pela justiça climática tenha agido como uma Cavaleira Solitária. Em cada um dos casos, eram mulheres em colaboração com outras.”
“Love Your Mother” está repleto de exemplos brilhantes de mulheres que valorizam as relações e tecem comunidades profundas como um trampolim para o impulso coletivo. Ao capturar essas histórias, McDuff reconheceu seu próprio reflexo de “dar a mão” às mulheres em suas redes para realizar um trabalho vital.
“Quando reflito sobre as mulheres para quem eu telefono no fim do dia para conversar sobre a minha jornada e o teor colaborativo e relacional das nossas amizades”, diz McDuff, “esse é o espírito e a essência das amizades que encontrei nessas histórias. As mulheres trazem a peça relacional para a liderança climática.”
McDuff listou os líderes climáticos de todo o país ao identificar mulheres e meninas cujas histórias deveriam ser trazidas à tona. E não, não havia um único Estado onde ela não pudesse localizar uma ativista climática reconhecida (ela já foi questionada sobre isso inúmeras vezes). De fato, reduzir sua seleção a uma única representante por Estado foi o verdadeiro desafio.
Metade das 50 mulheres perfiladas em “Love Your Mother” se identificam como “negras, indígenas ou pessoas de cor” (BIPOC, na sigla em inglês). Isso foi intencional por parte de McDuff. Ela se esforçou para representar um amplo espectro de identidades e de origens em um mundo cada vez mais não binário.
“Sabemos que os impactos da crise climática afetam desproporcionalmente as mulheres, as comunidades negras e os pobres em todo o mundo”, diz McDuff. “Sou uma mãe solo, branca e hétero de 57 anos, criada no Deep South, então eu queria ter cuidado para não contar as histórias de outras pessoas para elas, mas sim refletir a história delas e dialogar com elas.”
O livro também destaca mulheres que trazem uma lente interseccional para a defesa do clima e estão fortemente comprometidas com a inclusão de múltiplas perspectivas e vozes menos ouvidas. Por exemplo, Tiffany Bellfield-El-Amin (Kentucky) é doula, fazendeira e dona de restaurante. Ela navega nas interseções de ser uma agricultora negra de terceira geração em um Estado com apenas 600 empresas agrícolas de propriedade de negros (menos de 2% de todos os agricultores). Como doula, ela entende a falta de acesso aos cuidados de saúde para mães negras e o modo como as mudanças climáticas pioram as condições dos mais vulneráveis.
No cerne desse livro, diz McDuff, “o chamado ao amor é épico”. Para ela, o amor é a própria natureza de Deus, que se revela como um verbo de ação, e não como um substantivo. Ela acrescenta: “A questão não é como aprofundamos o nosso amor pela criação, mas sim como agimos sobre aquilo que já amamos.”
A beleza de “Love Your Mother” é que ele oferece uma gama tão vasta de soluções climáticas que certamente haverá algumas que despertarão seu próprio interesse apaixonado. Ao ler essas histórias, eu me via pensando: “Este é o tipo de projeto voluntário em que eu gostaria de me envolver”. O livro termina com uma grande lista de subsídios, parcerias e organizações por onde você pode começar.
É fácil ficar impressionado com a magnitude da crise climática, insistir no impacto mínimo que uma pessoa pode ter ou levantar as mãos em frustração. Este livro oferece um sincero incentivo para aqueles de nós que precisam reduzir o consumo de más informações e depositar as próprias energias em uma esperança mais ativa.
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NCR – Como sua fé religiosa e/ou sua espiritualidade moldam seu cuidado com a criação e sua forte defesa da justiça climática?
Mallory McDuff – Fui criada como episcopaliana. Em nossa casa no litoral do Alabama, fazíamos jejum de produzir lixo durante a Quaresma, e isso antes de haver reciclagem! Eu venho de uma família em que havia uma forte conexão entre o ambiente e a nossa fé. Não falávamos sobre pegada climática, mas refletíamos sobre a nossa fé, a nossa responsabilidade para com a Terra e a nossa comunidade, e a disciplina do nosso consumismo. Era como uma prática espiritual.
NCR – Houve uma história em particular do livro que ressoou mais para você?
Mallory McDuff – Acho que as histórias que eu costumo repetir são as que vivem no meu corpo, que entraram no meu coração. Uma história sobre a qual eu sempre falo muito vem do Alabama, onde eu cresci. Anna Jane Joyner mora em Perdido, perto da Costa do Golfo, uma área onde eu cresci nadando com a minha família. É também uma região na linha de frente da crescente probabilidade e ocorrência de furacões severos.
Ela está fazendo um trabalho que eu nunca teria imaginado. Sua defesa do clima é consultar produtores e roteiristas de Hollywood para ajudá-los a integrar narrativas climáticas que sejam precisas e realistas em roteiros de TV e filmes. Anna Jane diz que, daqui a cinco anos, se as pessoas produzirem um filme ou um programa de TV sem alguma referência ao clima, ele parecerá ultrapassado.
- McDUFF, Mallory. Love Your Mother: 50 States, 50 Stories, and 50 Women United for Climate Justice. Broadleaf Books, 276 páginas.
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