O Brasil necessita de um governo presente, um presidente percorrendo todos os estados, indo ao Brasil profundo de norte a sul.
Céli Pinto (*)
O jornalismo brasileiro em geral repete um lugar comum que, cada vez mais, carece de sentido: “as instituições estão funcionando” e que se tornou sinônimo de “a democracia brasileira está assegurada”. Só que não. Primeiro porque as instituições não estão funcionando bem e, ainda, porque o funcionamento das instituições não garante obrigatoriamente o regime democrático. A pergunta que fica então no ar é leninista: o que fazer?
Uma instituição que não funciona é o Banco Central. Não é porque os juros são de 13,75% , nem mesmo porque o banco se tornou independente. O BC é uma instituição com um corpo de funcionários altamente competentes. Não está funcionando porque é impossível distinguir as decisões de seu presidente entre serem puramente políticas, para atrapalhar o governo atual ou serem derivadas de razões técnicas. Campos Neto, independente de suas qualificações ou de seu caráter, se declarou bolsonarista, foi votar com o uniforme bolsonarista nas eleições de 2022. Agora não adianta ele dizer que é técnico, ele não tem lugar de fala para afirmar isto. Sua situação me faz lembrar de um professor estadunidense que tive na universidade, em plena ditadura. Dizíamos para ele: “prova que não és da CIA” Ele ficava muito incomodado, mas não tinha forma de provar que não era. O presidente do BC não tem como provar que não é um militante bolsonarista, a favor do neofascismo, mesmo que não seja. Concluindo: o BC não está funcionando bem.
Outra instituição que não funciona é o Congresso Nacional, em especial, a Câmara dos Deputados. Seria ingênuo ter expectativas de que os deputados, que se elegeram com base no fanatismo religioso, no interesse armamentista, na irresponsabilidade total nas redes sociais e em muito dinheiro, fossem se ocupar com a coisa pública, pensassem em construir um país um pouco mais razoável para a grande maioria da população que vive na miséria, desempregada, de trabalhos informais, muitas vezes próximos ao que se define como trabalho equivalente à escravidão.
A questão então não é convencer estes nobres deputados das necessidades do país, porque isto não faz parte de suas preocupações. Evidente que, ainda que eles existam em número assustador, não são todos. Afora os oportunistas neofascistas, que não são poucos, há uma centro esquerda e uma esquerda atuantes e um imenso centrão.
O centrão não permite que o Congresso funcione como instituição importante, capaz de viabilizar um regime democrático razoável. De outra sorte, todos que prestam alguma atenção na política, em Brasília e fora dela, sabem como o centrão funciona. Antes de tudo, vale destacar que a denominação é imprecisa: a grande maioria não é de centro, mas de direita e os mais velhos, inclusive, foram aliados da ditadura militar. O centrão não é democrático, nem não-democrático; não é golpista ou não-golpista; não é bolsonarista ou não-bolsonarista. Entretanto, pode ser qualquer coisa, desde que obtenha vantagens para si e para sua parentela (com laços sanguíneos ou até milícias). Portanto o Congresso Nacional não está funcionando bem.
Como um governo de centro-esquerda, mais de centro do que de esquerda, como é o Lula 3, pode se relacionar com este grande grupo? Ele precisa disso, se quiser levar suas políticas adiante e até se quiser sobreviver por 4 anos.
Durante a campanha presidencial, PT e Lula sabiam que não ganhariam as eleições se não trouxessem para junto de si parte do centrão. E trouxeram, deram ministérios para figuras carimbadas. Não se preocuparam nem de levar os melhores (se é que existem), mas se fixaram em quem tinha votos na problemática baixada fluminense, ou quem era apaniguado de senador importante do centrão.
Parece que isto não foi suficiente. Agora o centrão quer dinheiro na mão. É disto que se trata, simples assim: ou larga grana, ou não tem projeto aprovado. O nome disto é chantagem. E, como até os minerais sabem, o chantagista conta com o pânico do outro para pedir cada vez mais. Quando o outro não tiver mais para dar, o cadáver aparece boiando num córrego qualquer, ou enforcado numa árvore da praça. O governo anterior se safou de impeachment e de outros problemas até mais graves ao dar dinheiro a rodo ao centrão. Foi um desgoverno, um descalabro, ocupava-se em contrabandear diamantes da Arábia Saudita e não tinha qualquer preocupação em governar o país.
E agora, fazer o quê? A única forma de convencer um grupo como o centrão de agir diferente, sem se tornar um Bolsonaro do bem, é inverter a posição do centrão, isto é, fazer com que eles percam mais do que ganhariam ao não aprovar os PLs mandados pelo governo. Se há emendas legais a distribuir, que sejam distribuídas, nada além.
Não tenho a pretensão de indicar soluções, mas urge que o governo se volte para o povo, fale com o povo e construa um conjunto de políticas que mude, a curto prazo, as condições precárias de vida da população. Ou o governo Lula reconstrói o povo que lhe deu 80 % de aprovação ao sair em 2010, ou estaremos sempre nas mãos do neto de Bob Field e da ganância do centrão e os de sempre afirmando que as instituições estão funcionando.
Em suma, menos Bob Field Grandson, menos salamaleques para o centrão, mais povo na veia, menos pompa e circunstância internacionais, mais Brasil. O Brasil necessita de um governo presente, um presidente percorrendo todos os estados, indo ao Brasil profundo de norte a sul. O governo precisa aparecer, nas redes, nas TVs, nas ruas. O povo brasileiro tem de ter claro, o mais breve possível, saber a que veio o governo Lula. Nada adianta meia dúzia de intelectuais, acadêmico e jornalistas saber o que nos ameaçava, de que nos salvamos. As pessoas necessitam de segurança para o futuro.
(*) Professora Emérita da UFRGS; Cientista Política; Professora convidada do PPG de História da UFRGS
fonte: https://sul21.com.br/opiniao/2023/05/governar-para-o-povo-e-preciso-por-celi-pinto/