O arcebispo de Malta, Charles Scicluna, afirma que vítimas de abusos na Igreja Católica são deixadas sem qualquer acompanhamento
O Vaticano não está num “um ponto ideal” no que diz respeito ao acompanhamento das vítimas de abusos na Igreja, o que faz com que este assunto seja “algo que precisa de ser desenvolvido”. Quem o afirma é o arcebispo de Malta, Charles Scicluna, uma figura da Igreja Católica que mais larga experiência de casos de abusos do clero tem, primeiro como funcionário da então Congregação para a Doutrina da Fé (2002-2012) e, depois, também como bispo. Desde 2018, Scicluna ocupa o cargo de secretário-adjunto do Dicastério para a Doutrina da Fé.
A reportagem foi publicada por 7Margens, 11-01-2023.
Em declarações ao National Catholic Reporter (NCR), esta quarta-feira, 11, o arcebispo deu particular ênfase às vítimas dos abusos, nomeadamente a partir do momento em que decidem dar a cara e denunciar os abusadores.
“A maior parte do sofrimento que tenho visto ocorre quando as vítimas são deixadas no escuro, sem qualquer acompanhamento, na sequência da revelação que fizeram”, observou ele.
“Temos uma lei e um sistema que permitem que as pessoas divulguem abusos ou más condutas, mas elas também têm o direito de saber o que acontece com as suas denúncias”, acrescentou.
Ainda que o arcebispo Scicluna estivesse a referir-se ao caso recente de um bispo francês, importa referir que esta foi também a situação de vítimas do padre e artista jesuíta Marko Rupnik, que o 7Margens tem acompanhado.
De facto, depois de terem participado dos abusos a que tinham sido submetidas e, pelo menos num caso, de terem deposto na Congregação para a Doutrina da Fé, várias freiras da Comunidade Loyola sentiram necessidade de divulgar os seus depoimentos nos media, uma vez que, segundo afirmam, nunca tiveram qualquer informação sobre o que se tinha feito ou deixado de fazer.
No entanto, solicitado explicitamente a comentar quer o caso do bispo francês quer o de Rupnik, o membro do Dicastério para a Doutrina da Fé recusou abordar situações específicas, dizendo apenas ter consciência de que elas “criam frustração e um sentimento de perda”.
Na entrevista ao NCR, o arcebispo maltês, que teve um papel central na organização da cimeira dos presidentes das conferências episcopais com o Papa Francisco por causa dos abusos, em 2019, confirmou que a carta apostólica Vós Sois a Luz do Mundo, que dessa iniciativa saiu, continua em vigor, apesar de ter terminado no verão passado o seu período de experiência.
“O facto de algo ser ad experimentum não significa que tenha prazo de validade”, explicou Scicluna, adiantando que será certamente ajustado, uma vez que “às vezes a realidade ultrapassa o que diz a lei diz”.
A parte mais extensa das declarações do arcebispo referem-se ao Papa emérito, uma vez que este era o prefeito da Doutrina da Fé, quando Scicluna para lá entrou em 2002, vindo da Assinatura Apostólica, o supremo tribunal da Igreja Católica. Nessa altura, estava-se perante o impacte da primeira onda de casos, nos Estados Unidos, depois das revelações feitas pelo Boston Globe, retratadas posteriormente no filme Spotlight.
Todas as sextas-feiras, diz Scicluna, se reuniam na Congregação, para avaliar os casos pendentes. Conta ele na entrevista: “Eu vi… o cardeal Ratzinger amadurecer na sua compreensão do fenómeno. As narrativas ensinam muito. Ensinam não apenas sobre a fraqueza humana, mas também sobre a face sombria do abuso, os efeitos nas vítimas e também o facto de que existe uma narrativa que se repete.”
Ratzinger merece-lhe elogios, pela forma como coordenou a gestão do caso: “Ele teve a humildade de confiar em nós, especialistas.”
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