Quase lá: O SUS que a população negra quer para si

Conferência Nacional Livre da Saúde da População Negra acontece no próximo sábado em todo o Brasil. Entre os temas em debate, o desmonte e a não implementação de políticas de saúde específicas e o agravamento da vulnerabilidade nos últimos anos

 

O próximo sábado, 13/5, dia em que se completam 135 anos da abolição da escravidão no Brasil, será marcado pela realização da Conferência Nacional Livre de Saúde da População Negra, com encontros presenciais e virtuais espalhados por todas as capitais do país. O evento faz parte do calendário de conferências livres de saúde que antecedem a 17ª Conferência Nacional de Saúde, evento oficial do Estado brasileiro que reúne profissionais, gestores e militantes da saúde pública para debater e elaborar políticas para o setor.

“Vai ser uma das maiores congregações para debater direitos da população negra. O objetivo é garantir visibilidade das questões de saúde da população negra, a fim de renovar o Plano Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), criado em 2009. Já há membros de todos os estados inscritos para a conferência”, destacou Hilton Pereira da Silva, do grupo de trabalho Racismo e Saúde da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco).

Na semana passada, a entidade promoveu debate entre Hilton e Nilse de Iansã, Iyá Egbé do Ilê Omolu Oxum e representante da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (Renafro). Como lembrado pelos debatedores, o Brasil tem, desde 2009, uma política de saúde pública voltada à população negra, mas poucos estados a adotaram até hoje. A 17ª CNS é uma oportunidade de colocar as necessidades dessa população na ofensiva e as conferências livres que a antecedem são um momento-chave de elaboração de propostas.

“Viemos de 4 anos de ameaça contínua, desgaste de profissionais, discursos anticiência. Políticas de saúde da população negra têm baixa taxa de implementação. O processo é extremamente lento, o que tem relação com o racismo estrutural. Conseguimos um novo orçamento, mas foram 4 anos de fechamento à participação popular no setor e esperamos garantir mais”, sintetizou Hilton.

Como já destacado no Outra Saúde, a luta pela saúde passa pela luta geral pela democracia no Brasil e seus mecanismos de financiamento, atacados pelas políticas de austeridade que castigaram as classes populares nos últimos anos. E se falamos em aumento da desigualdade socioeconômica, falamos imediatamente da queda das condições de vida da população negra.

“A vulnerabilidade da população negra no Brasil voltou a se agravar. Em 2016, tudo parou. É desolador ver que a triagem neonatal foi devastada, onde se pode descobrir boa parte dos casos. E sabemos que assim, muitas crianças não estão sendo tratadas. A cobertura que era de quase 99% chegou a níveis vergonhosos. É um programa que precisa de tecnologia e coordenação, e foi abandonado. Aumentou o número de mortes”, disse Joice de Aragão Jesus, pediatra que já coordenou o programa de combate à doença falciforme no Brasil e recentemente foi nomeada por Nísia Trindade para cargo no ministério da Saúde.

Nilse, que é uma importante articuladora da Renafro no campo da saúde, estará na Conferência a ser realizada em Brasília entre 2 e 5 de julho e destacou algumas pautas que se colocam na defesa da saúde negra. “Queremos propor e intervir em políticas públicas de saúde, o que fortalece o controle social do SUS. É importante que o povo de terreiro chame a sociedade para falar de sua dor”, afirmou.

No encontro, Nilse fez a intersecção entre o racismo cotidiano e o religioso, mais direcionado aos praticantes das religiões de matrizes africanas e seus espaços de sociabilidade, por vezes atacados até fisicamente pelo fundamentalismo cristão.

“O racismo é determinante social de nossa saúde. Quando uma mulher agredida pelo marido procura nosso terreiro, nós acolhemos, tentamos encaminhar, fazer aquilo que o SUS faz. Usamos nossos saberes acumulados, mas precisamos do sistema de saúde atuando junto. O racismo religioso, além de determinante social da saúde, é violação de direitos humanos”, contextualizou.

Os desafios são muitos. Desde os mais objetivos, como assistência a questões que afetaram mais essa fatia da população ou aumento do orçamento da saúde, aos mais subjetivos, que conectem o SUS com saberes culturais e condições territoriais de setores da população afastados dos grandes centros econômicos. Neste 13 de maio, a população historicamente mais agredida pelo Estado brasileiro começará a colocar na ponta do lápis qual SUS quer para si.


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