Quase lá: Arte e Carnaval : Um bate-papo com Jul Pagul

Ao longo dos últimos seis anos, a Rede Carnavalesca mapeou centenas de blocos de rua, realizou dezenas de LIVES durante os meses críticos da pandemia, promoveu debates com promotores, lideranças comunitárias, músicos, diretores de escolas e representantes de blocos, além de elaborar pesquisas, seminários e avaliações sobre o panorama carnavalesco na capital do país.

Desde 2017, tenho a alegria de participar da Rede Carnavalesca, um projeto idealizado pela jornalista Juliana Andrade, conhecida no meio cultural do DF como Jul Pagul.

Ao longo dos últimos seis anos, a Rede Carnavalesca mapeou centenas de blocos de rua, realizou dezenas de LIVES durante os meses críticos da pandemia, promoveu debates com promotores, lideranças comunitárias, músicos, diretores de escolas e representantes de blocos, além de elaborar pesquisas, seminários e avaliações sobre o panorama carnavalesco na capital do país.

Minha parceria com a Carnavalesca resultou na criação de um Banco de Imagens para divulgar as ações do projeto, e acabou se convertendo em um objeto de aprendizagem virtual, podendo servir como recurso pedagógico para escolas e grupos de pesquisa.

Durante a Semana Universitária da UnB, Jul Pagul me propôs uma entrevista, no intuito de compartilhar um pouco do processo criativo dessas imagens. Confira:

Botelho, Como funcionou seu processo criativo para as imagens da Rede Carnavalesca ?

Gosto muito de pesquisar o tema a ser explorado, e procuro conhecer o trabalho de outros artistas que abordaram o mesmo assunto antes de mim. Também leio sobre os períodos históricos, os momentos políticos e sociais. Dessa maneira, fica mais fácil elaborar imagens de uma forma que ninguém concebeu anteriormente.

Para as ilustrações do Carnavalesca, comecei lendo o “Batuque, Samba e Macumba”, da Cecilia Meireles, um livro com ilustrações da própria escritora, feitas em um tempo em que o Samba ainda era bastante estigmatizado.

Também mergulhei na obra de Carybé, a quem homenageei com uma série de ícones baseados nas suas pinturas de carnaval de rua baiano. Então cheguei ao artista cubano David Alfonso Suarez, radicado em Pernambuco, criador de imagens incríveis com a temática carnavalesca, além de ter passado algumas tardes em sebos de discos usados, fotografando antigos LPs de samba-enredo. Pra mim, fazer arte é uma forma de aprender sobre o mundo.

A arte transforma? Você acredita nesta perspectiva nietzschiana que “a Arte existe para que a verdade não nos destrua” ?

Acho que a Arte existe para ampliar os limites do que venha a ser a Verdade. A transformação depende do sujeito que a aprecia, de acordo com seu interesse pela obra. De todo modo, a Arte tem o poder de conectar memórias, emoções, referências completamente distintas de uma pessoa para outra, e por isso ela é tão indispensável em qualquer sociedade. A Arte nos faz diversos.

Como você define seu estilo, sua estética, sua arte ?

Tenho muitos interesses. Para o Carnavalesca, apostei no desenho digital, pois o projeto acontece prioritariamente pela internet. Mas gosto de várias técnicas, pintura a óleo, aquarela, guache…também mantenho séries figurativas, ora realistas, ora primitivistas. Minha motivação nasce daquilo que eu sinto ainda não conhecer.

       

 

“Ser um artista do Carnaval é um aprendizado constante, pois se trata de uma festa que, apesar de secular, continua em plena mutação, acolhendo as agendas e as pautas de todos os setores populares. É preciso se manter muito antenado com o que acontece nessa esfera.”

Você passou por um processo de se autorizar a ser artista ? Numa sociedade na qual a arte e a criação são tão marginalizadas enquanto profissão, como foi seu processo ? Você se recorda do dia que disse “vou ser artista!” … ou foi algo orgânico ?

Sempre gostei de desenhar. Quando criança, dava desenhos para a família no Natal. Na pré-adolescência, desenhava labirintos no caderno da escola para meus colegas de classe tentarem achar a saída. Depois vieram os fanzines, depois os murais, ainda nos tempos de colégio. Matei uma semana de aula para pintar meu primeiro mural, aos 17 anos, no Espaço Cultural Renato Russo, em 1994.

Sinceramente, não acho que os artistas sejam mais marginalizados que outras categorias, como os profissionais de saúde, os professores, os pesquisadores, afora a turma do trabalho informal. É lamentável viver em um tempo onde as estruturas de valorização do trabalho sejam tão precárias. Me assusta, por exemplo, a quantidade de pessoas optando pela carreira de Direito, pela carreira de Polícia, unicamente pelos ganhos financeiros. Um país com falta de médicos e professores e excesso de advogados e policiais me parece um país distópico.

Quais são suas principais influências ?

 

A História da Arte é minha principal influência. Amo descobrir os pormenores de cada período, cada estilo. A quantidade de riquezas escondidas em um termo genérico como “barroco” é impressionante. As aventuras das pintoras e pintores também me inspira, quase todos tiveram vidas interessantes, ideias memoráveis. Não posso deixar de mencionar a conexão com as práticas xamânicas, a roda, a ciranda, o bailado, oriundo das culturas indígenas e afro-latinas. E no pólo oposto à essa tradição ancestral, a internet, com seu leque infinito de referências. Eu gosto de ver o álbum de fotos das pessoas, nas redes sociais. Me inspira demais como o ser humano pode ter vidas tão diferentes e interessantes. Como certos momentos vividos pelos outros podem conter elementos épicos, universais e atemporais.

Além de pintar, você também escreve e já trabalhou com teatro, moda… como é esta transversalidade com outras linguagens?

Acho excelente poder alinhar meu trabalho com outras propostas fora do espectro tradicional das Artes Visuais. Todos saem ganhando com a mistura, desde que haja equilíbrio entre o desejo de cada pessoa envolvida. Os editoriais de moda que participei com pinturas corporais me reportaram a, certamente, o primeiro suporte das Artes Visuais, que não foi nem a pedra, nem o papel, nem a tela: foi o próprio corpo humano.

Existem artistas que preferem manter o foco em suas próprias pesquisas, unicamente, e assim conseguem uma coesão estética que eu particularmente acho que nunca vou ter, pois estou sempre experimentando, como por exemplo, os murais em parceria com a Faculdade de Ciência das Saúde da UnB, feito juntamente com algumas alunas do curso de Saúde Coletiva. Olho para o resultado dessas pinturas feitas a muitas mãos, e vejo certos elementos que eu jamais pintaria. Mas quando me lembro do processo de criação e do impacto positivo que esses murais causaram junto à comunidade acadêmica, concluo que o risco valeu muito à pena.

E com o Carnaval ? Como é ser um artista de Carnaval ?

Ser um artista do Carnaval é um aprendizado constante, pois se trata de uma festa que, apesar de secular, continua em plena mutação, acolhendo as agendas e as pautas de todos os setores populares. É preciso se manter muito antenado com o que acontece nessa esfera. Estamos em um período importantíssimo, onde a representatividade adquiriu uma dimensão fundamental para que qualquer projeto tenha credibilidade. No contexto do Carnaval, isso abrange as mulheres, a negritude, a comunidade LGBTQIA, a periferia, os trabalhadores informais, a juventude, e os ícones históricos do próprio Carnaval. É preciso manejar criativamente todos esses segmentos, evitando estereótipos que nada tem a acrescentar na construção do Carnaval do presente.

Você já esteve em Cuba, como artista, em duas ocasiões. Fale um pouco dessa experiência…

As estadias em Cuba foram totalmente transformadoras da minha visão de mundo. Foi incrível conviver com artistas que conseguem fazer uma arte potente de beleza e significado, mesmo sob o crivo do Embargo Econômico. Em Cuba, me reconheci como cidadão latino-americano, mais que no próprio Brasil, onde infelizmente a visão colonizada prevalece na maioria dos circuitos culturais. Me senti em casa, não por Cuba parecer com o Brasil, mas por pulsar a essência da latinidade com muito mais autoconfiança que nós.

Se você pudesse hoje realizar um desejo, qual seria?

Gostaria de ver meu país livre desse ódio de classe que dominou a sociedade, influenciada por campanhas completamente perversas, promotoras do que há de mais retrógrado e mentiroso. O desprezo a tudo que envolva a esfera humanitária, inclusiva e diversa, está conduzindo o Brasil a um Estado de Calamidade. Converso com certas pessoas e não acredito como foram capazes de se render a esse discurso tão falso. Criaram um cenário fantasioso de Esquerda contra Direita análogo à luta do Bem contra o Mal. Mas não é nada disso. A luta é contra setores poderosos que não aceitam a evolução da espécie humana, não aceitam a diversidade cultural, não aceitam a felicidade de quem é diferente de seus padrões hegemônicos.

E qual a política pública você gostaria de ver implementada para artistas no país?

A valorização das Artes enquanto um bem indispensável deveria começar no maternal e perdurar até o aluno se formar. É preciso conhecer nossos museus, nossos acervos, que são riquíssimos. Também acho que o Estado deve se modernizar em aspectos como o suporte tecnológico. Até um dia desses, os Correios não disponibilizavam a documentação para cálculo de frete internacional em lojas online. As bandeiras de pagamento virtual também estão defasadas nesse sentido. Isso prejudica o artista que tem condições de comercializar seus trabalhos em outros países. Afora a burocracia. Tanto viaduto feio na cidade… daí você propõe uma pintura mural e não sabe para quem enviar. Eu gostaria de trabalhar com o DETRAN, com o IBRAM, enfim… com instituições completamente distintas da tradicional Secretaria de Cultura. Mas o próprio Estado não sabe pensar fora da caixinha. As instituições públicas e as empresas brasileiras precisam entender que todos sempre sairão ganhando com a Arte.

Galeria de Imagens para a Rede Carnavalesca

     
     
     
     
     

 

 

Jul Pagul

Jul Pagul é jornalista, radialista, DJ e promotora cultural de eventos como A Praça dos Prazeres, Bora Pra Cuba, bloco das Perseguidas e Rede Carnavalesca. Gestora da lendária Casa de Cultura Balaio Café e idealizadora de Redes de Informação sobre Direitos Humanos e Culturais.

fonte: https://tiagobotelho.org/bate-papo-carnavalesco-jul-pagul-e-tiago-botelho/

 


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