African feminisms and feminist political theory: conceptual and epistemological encounters
Resumo
As especificidades das mulheres africanas e de sua inserção e envolvimento com a política despertam a seguinte questão: quais os potenciais pontos de encontro entre os feminismos africanos e as teorias políticas feministas? Argumentamos, neste artigo, que uma teoria política feminista africana deve dialogar de forma crítica com suas congêneres no Ocidente, bem como incorporar as experiências autóctones. Apontamos categorias analíticas das teorias políticas feministas e abordagens epistemológicas centradas no ponto de vista como caminhos para estabelecer canais de diálogo entre os feminismos africanos e a teoria política. Propomos como potenciais pontos de encontro a posicionalidade da mulher africana dentro das suas variadas interseccionalidades e a justiça de gênero como articulação teórica e normativa de suas demandas particulares.
Palavras-chave:
feminismos africanos; mulheres africanas; teoria política feminista; interseccionalidade; justiça de gênero
Abstract
African women’s specific needs and their insertion and involvement with politics raise the following question: what are the potential intersections between African feminism and feminist political theories? In this paper, we argue that an African feminist political theory must engage in a critical dialogue with its Western counterparts, whilst incorporating local experiences. We point to analytical categories of feminist political theories and standpoint epistemologies in order to set the ground for the dialogue between African feminisms and political theory. We contend that potential intersections lie in African women’s standpoint and its various intersectionalities, and gender justice as a theoretical and normative articulation of their particular demands.
Keywords:
African feminisms; African women; feminist political theory; intersectionality; gender justice
Introdução
Os debates feministas na África são tão diversos quanto a própria composição social, política, econômica e histórica do continente. Os feminismos africanos resultam de uma miríade de influências: partem dos diferentes colonialismos europeus, passando pela diversidade religiosa, até as formas como os Estados pós-coloniais estão organizados politicamente. De um lado, demandam um olhar local para compreender as trajetórias específicas das mulheres em seus lugares de origem, e, de outro, requerem a construção de pontes a partir dos pontos de convergência das experiências comuns de colonização, exclusão, desenvolvimento neoliberal e (re)construção dos Estados (Lewis, 2001; Mama, 2011; Medie, 2019b; Ossome, 2020). Não obstante, a pesquisa feminista africana assenta-se na constante reinvenção dos campos teórico e metodológico dos feminismos, uma vez que as realidades africanas impõem constrangimentos variados à produção de conhecimento mainstream. Caracterizada por instabilidade econômica e política, alta militarização, escassez de recursos, extrema pobreza, conflitos e guerras, a África exige da pesquisa feminista local instrumentos e olhares que considerem esses contextos e revelem narrativas das mulheres por meio de suas próprias vozes (Landaluze e Espel, 2014; Mama, 2011; Medie, 2019b). Soma-se a tal complexidade contextual a própria complexidade das sociedades africanas, estruturadas por clivagens de poder que transcendem e interseccionam o gênero (Amadiume, 1997; Apusigah, 2006; Eze, 2006; Goredema, 2010; Oyěwùmí, 2003a).
Não surpreende, portanto, que os feminismos africanos baseiam-se na interdisciplinaridade para a construção do conhecimento (Osha, 2006). Esse caráter interdisciplinar se traduz nas aproximações com a antropologia, a sociologia e os estudos literários e linguísticos, dialogando frequentemente com as perspectivas pós-coloniais (Landaluze e Espel, 2014). A dimensão política, porém, atravessa timidamente esse diálogo interdisciplinar, como constructum teórico formal, por vezes recaindo nos debates de desenvolvimento sob uma perspectiva institucional e metodologicamente ortodoxa (Mama, 2004, 2011), ou na contraposição aos feminismos do Norte Global como forma de resistência (Hudson-Weems, 1998; Mekgwe, 2006; Taiwo, 2003). Entretanto, a pluralidade de temas dentro do feminismo demanda olhares críticos capazes de investigar as diferentes manifestações das hierarquias de poder ensejadas pelas chaves de gênero, lançando luz sobre fenômenos que emanam das experiências vividas pelas pessoas nos contextos africanos. Neles, as mulheres africanas assumem papéis, por vezes, irredutíveis aos conceitos canônicos dos feminismos do Norte Global (Oyěwùmí, 2003a, 2003b). Frequentemente, a lente de gênero por si só é incapaz de analisar a complexidade das sociedades locais, requerendo olhares interseccionais sobre outras estruturas de poder que operam acopladas a essa temática (Bakare-Yusuf, 2004; Collins e Bilge, 2020; Goredema, 2010; Yacob-Haliso, 2019). Finalmente, as modalidades de agência política das mulheres africanas, ainda que dialoguem com os feminismos no que tange aos modelos formais de desenvolvimento e participação política, revelam uma complexidade social que requer maior escrutínio teórico e analítico (Bond, 2018; Mekgwe, 2006; Williams, 2018).
Nesse contexto, percebe-se que persiste uma lacuna de teorização sobre a política nos feminismos africanos, especialmente no que diz respeito à alegada “pobreza teórica” advinda do confronto constante com os feminismos do Norte Global (Taiwo, 2003). Tal pobreza dificulta a articulação de conceitos que se debruçam sobre os variados fenômenos políticos no continente africano, tanto no nível micro dos indivíduos e coletividades, como no nível macro dos Estados pós-coloniais. Destarte, partimos, neste artigo, da seguinte pergunta de pesquisa: quais os potenciais pontos de encontro entre os feminismos africanos e suas epistemologias e as teorias políticas feministas? Se, de um lado, temos contribuições importantes sobre elementos políticos nos mais variados níveis dentro da literatura feminista africana, de outro, carecemos de uma estrutura teórica mais elaborada sobre a política. Devotamo-nos, portanto, a fornecer apontamentos epistemológicos para orientar os debates teóricos da política sob uma perspectiva feminista africana, capaz de reconhecer a especificidade da agência política das mulheres africanas dentro dos seus contextos locais. É fundamental, em tal empreitada, reconhecer as particularidades dos diferentes níveis de análise, especialmente no que tange às modalidades de ação política que não são mediadas pelas instituições de Estado.
Duas ressalvas, no entanto, se fazem necessárias. Ao recorrermos ao termo feminismos africanos, adotamos uma perspectiva plural sobre diferentes abordagens feministas no continente e na diáspora. Se reconhecermos que a África abarca culturas e sociedades diversas, fundadas nas mais variadas clivagens sociais (religião, raça, classe, sexualidade, papéis sociais etc.); e se considerarmos o passado de colonização e exploração do continente que acabaram por criar uma diáspora africana no Ocidente, a construção de uma teoria política feminista africana perpassa a identificação e a interpretação dos aportes conceituais advindos dessas contribuições. Logo, percorrer o debate feminista continental e diaspórico é um desiderato deste trabalho, uma vez que uma parcela da produção intelectual desses feminismos é realizada por pesquisadoras e pensadoras africanas radicadas nos Estados Unidos da América e na Europa. Ademais, partimos da posição de que existe a possibilidade de diálogo entre os feminismos africanos e suas epistemologias com os debates feministas do Norte Global. Destarte, alinhamo-nos com o corpus da literatura que reconhece a necessidade de centralizar a África nos debates feministas, porém, sem rejeitar as contribuições e intersecções com os feminismos ocidentais.
A segunda ressalva refere-se a questões de terminologia que envolvem também uma dimensão teórica e política. Optamos por referirmo-nos aos feminismos desenvolvidos nos contextos europeus ocidentais e norte-americanos como feminismos do Norte Global, em vez de feminismos ocidentais. Essa escolha visa a dialogar com as críticas pós-coloniais e decoloniais acerca das variadas dicotomizações ensejadas no binário Ocidente-Oriente. Entretanto, mostraremos, ao longo do texto, que pensadoras afrocentradas utilizam o termo “feminismos ocidentais” em suas críticas, o que carrega em si uma redução das diversas tradições teóricas desenvolvidas no âmbito do eixo euro-americano. Essa, inclusive, é uma crítica de feministas africanas mais adeptas ao diálogo com os feminismos do dito Norte Global (Eze, 2006; Mekgwe, 2006; Ossome, 2020).
O artigo está dividido em três partes. Na primeira seção, oferecemos um panorama sobre os debates feministas africanos, tanto pelas produções autóctones como as da diáspora. Na sequência, sintetizamos os pilares conceituais e epistemológicos que emergem destes debates e que servem para a teorização sobre a política pelas lentes feministas africanas. Na terceira seção, discutimos os encontros entre as teorias políticas feministas e os feminismos africanos, salientando as potencialidades da epistemologia do ponto de vista e da justiça de gênero.
Feminismos africanos: fundamentos e debates
A trajetória epistemológica dos feminismos africanos é caracterizada, primordialmente, por um intenso debate interdisciplinar entre as humanidades e as diferentes Ciências Sociais, o que torna a produção intelectual feminista do continente plural. Entretanto, a interdisciplinaridade e o pluralismo que dela emergem assentam-se em bases comuns, frequentemente associadas aos estudos pós-coloniais e decoloniais (Mekgwe, 2006; Okome, 2003; Oyěwùmí, 1997; Taiwo, 2003). Os marcadores conceituais e teóricos dessas correntes informam os feminismos africanos tanto na sua construção epistemológica e transformadora, na medida em que manifesta uma reação ao passado colonial e seus efeitos, como na crítica às armadilhas discursivas que o próprio pós-colonialismo e a decolonialidade carregam, em especial no que tange às chaves interpretativas da vitimização, feminização e desmulherização (Eze, 2006; Osha, 2006).
As leituras acerca da colonização e seus malefícios resultam no desiderato de se olhar para a África através de lentes africanas, reconhecendo que as estruturas sociais, políticas, econômicas e epistemológicas, herdadas das metrópoles europeias, respondem a uma ampla gama de problemas e desigualdades do continente na contemporaneidade. Essa persistência dos efeitos coloniais está presente nos diversos privilégios de desenvolvimento e conhecimento alcançados pelo Ocidente colonizador às custas dos povos colonizados, os quais, uma vez independentes, encontram-se marginalizados no sistema internacional (Landaluze e Espel, 2014). Nesse contexto, a condição de subalternidade dos povos não-ocidentais figura nas próprias relações desiguais que estes mantêm com os países ocidentais: são relações em que diferentes e intrincadas dimensões de poder se entrelaçam, reforçando as dicotomias tão características entre Norte e Sul Global (nomeadamente, civilizado/primitivo, racional/cultural, maduro/infantil, objetivo/subjetivo, de modo que o primeiro elemento é sobrevalorizado e, o segundo, derrogatório) (Ballestrin, 2017, 2021). A própria sustentação da empresa colonial e da alegada superioridade do Ocidente fundamenta-se no tratamento de subalternidade dado aos povos colonizados, e a persistência de suas consequências caracteriza a colonialidade do poder (Dove, 1998; Lander, 2000; Mignolo, 2020; Quijano, 2008).
Não surpreende, portanto, que a aproximação das perspectivas feministas africanas com as leituras pós-coloniais e decoloniais resulte em suspeitas para com os feminismos do Norte Global (Larzeg, 2005). Se, de um lado, a projeção do feminismo a nível global permitiu que as agendas das mulheres fossem ouvidas como nunca antes, de outro percebe-se que as demandas das mulheres ocidentais – mais especificamente, brancas, de classe média e do eixo euro-americano – adquirem um caráter universal e universalizante, subsumindo as experiências das suas irmãs no Sul Global (Mohanty, 2003; Spivak, 2010; Oyěwùmí, 2003a). Nesse contexto, destaca-se a centralidade dada à mulher e ao seu empoderamento que conflitua diretamente com os homens, alijando-os de qualquer participação na transformação feminista da sociedade (Goredema, 2010; hooks, 2019; Mekgwe, 2006; Oyěwùmí, 2003b; True, 2021); bem como a orientação por questões de autonomia e liberdade individual que ignoram os laços comunitários que as mulheres africanas mantêm com suas coletividades ou, até mesmo, as questões materiais mais elementares do desenvolvimento, tais como acesso à água, terra, saúde, educação (Lenine e Oncampo, 2020; Mama, 2004, 2011; McFadden 2007; Pala, 2005). Destarte, Mekgwe afirma que:
[e]mbora em dívida com o movimento feminista global, o discurso feminista africano tem o cuidado de delinear aquelas preocupações que são peculiares à situação africana. Também questiona características das culturas africanas tradicionais sem rebaixá-las, entendendo que estas podem ser vistas de forma diferente pelas diferentes classes de mulheres. Uma esfera que tem atraído cada vez mais a atenção de teóricos (...) é a questão do envolvimento dos homens. O raciocínio é que, se o feminismo africano deve ter sucesso como um projeto de reforma humanitária, ele não pode aceitar o separatismo do sexo oposto. Evitar a exclusão masculina, portanto, torna-se uma característica definidora do feminismo africano que o diferencia do feminismo conforme é conceituado no Ocidente.1 (Mekgwe, 2006, p. 16)
Reconhecer o feminismo africano como distinto das empreitadas feministas do Norte Global é um ponto de partida definidor de uma parcela significativa da produção intelectual autóctone e na diáspora. Nesse contexto, a leitura pós-colonial é profundamente marcante (Goredema, 2010). Seguramente, um dos argumentos mais conhecidos sobre essa posição é o de Oyèrónké Oyěwùmí, que reiteradamente ressalta as construções epistemológicas de gênero como parte do imperialismo ocidental (Oyěwùmí, 1997, 2003a, 2003b). Segundo sua leitura, o continente africano é representado de formas que revelam incompreensões sobre as culturas africanas, especialmente no que tange às estruturas e relações de poder (Oyěwùmí, 1997, 2003a). Tal representação resulta do olhar universalizante das lentes ocidentais de gênero, ignorando as particularidades culturais que criam outros significados perante as estruturas de poder. Como sublinha Oyěwùmí:
Paradoxalmente, a universalidade atribuída à assimetria de gênero pelas feministas ocidentais sugere uma base biológica em vez de cultural, dado que a biologia humana é universal, enquanto as culturas falam em uma miríade de vozes. Na verdade, a categorização da mulher como um grupo homogêneo, sempre constituído como desprovido de poder e vitimizado, não reflete o fato de que as relações de gênero são relações sociais e, portanto, historicamente fundamentadas e culturalmente interligadas. (Oyěwùmí, 2003b, p. 40)
A denúncia dessa corrente de pensadoras africanas situa-se em um combate ao etnocentrismo ocidental, de um lado, e na tentativa do resgate histórico, sociológico e cultural das experiências e, principalmente, da agência das mulheres africanas, de outro (Okome, 2003; Zeleza, 2005). Assume-se, como ponto de partida, uma perspectiva afrocentrada que prioriza o olhar para a África a partir da África, resgatando, assim, a voz e o pensamento dos povos africanos, de um modo geral, e das mulheres africanas, mais especificamente. Esse afrocentrismo levou ao surgimento de diferentes alternativas epistemológicas que rejeitam o termo feminismo, tais como African Womanism (Ogunyemi, 1985), mulherismo africano (Hudson-Weems, 2019) e stiwanism (Ogundipe-Leslie, 1994). Subjacente a suas diferentes propostas estão: (1) a necessidade das mulheres africanas de reconhecer o seu lugar como mulher e pessoa do Sul Global para, assim, evitar a ocidentalização de seus costumes e cultura africanos (Ogundipe-Leslie, 1994); (2) as mulheres africanas no continente e na diáspora precisam se ver como diferentes das feministas, mesmo dentro dos movimentos feministas negros, vez que estes ainda seguem as premissas dos feminismos do Norte Global, olvidando-se das lutas, culturas e demandas das mulheres de descendência africana (Hudson-Weems, 2019); (3) o desiderato da cooperação entre mulheres africanas e da centralização da maternidade e da comunidade (Steady, 1981); (4) a investigação do passado e do presente para neles encontrar as conexões entre os povos negros da África e da diáspora, principalmente nas Américas, e desenvolver, a partir dessas conexões, resistências às estruturas de poder globais que subjugam os negros e as negras (Ogunyemi, 1985).
Nesse processo de resgate histórico, social e cultural dos povos africanos, os estudos antropológicos e históricos desempenham um papel fundamental na ressignificação de suas estruturas sociais, tanto no momento pré-colonial, como na contemporaneidade. Nesse tipo de análise, é frequente a verificação de que o gênero, tal como pensado pelos feminismos do Norte Global, não figura como a principal clivagem de poder nas sociedades africanas, tampouco estrutura de maneira desigual as relações entre homens e mulheres. A existência de outras clivagens, como a senioridade e o pertencimento a um clã, em certos contextos, podem ser mais importantes do que a desigualdade assumida pelo gênero no Ocidente.
Desse modo, a historicização e a contextualização são estratégias fundamentais não só para a reconstrução dos significados do poder nas sociedades africanas pré-colonização, mas também para a compreensão dos efeitos da colonização sobre a África contemporânea (Apusigah, 2006; Oyěwùmí, 1997). Historicizar os processos coloniais permite revelar as modalidades do exercício da dominação e nelas situar o papel do gênero como clivagem estruturante do poder. Na contemporaneidade, tal estratégia se torna ainda mais premente dadas as transformações produzidas pelo consenso neoliberal, que impacta tanto os feminismos ocidentais internacionais, como também os feminismos africanos (Ossome, 2018, 2020). Esses impactos são perceptíveis nas interpretações acerca do desenvolvimento na África, e como o mesmo se relaciona com as mulheres (Jacobson, 2013; Mama, 2004, 2011), e com o sequestro dos ativismos feministas pelas burocracias estatais alinhadas com o consenso neoliberal global (Lewis, 2006).
Entretanto, é fundamental ressaltar que, embora o diálogo com as teorias pós-coloniais seja frequente, especialmente no contexto de reconstrução do passado pré-colonial, há feministas africanas que veem na recorrente menção à colonização o reforço da condição de Outro que almejam desconstruir (Eze, 2006; Mekgwe, 2006). Essa constante referência perpetua uma condição de vítima que extrai das mulheres africanas sua capacidade de agência e recria uma narrativa da África pré-colonial isenta de desigualdades de gênero. Tal perspectiva, que aparece em textos de feministas africanas e na diáspora (Aidoo, 1998; Amadiume, 1997; Larzeg, 2005; Oyěwùmí, 1997, 2003a; 2003b; Sofola, 1998), infantiliza as mulheres africanas ao desabilitá-las não só a pensar seus feminismos autóctones, como também demonstrar agência em seus contextos sociais. Ao centrarem-se na reconstrução de um passado glorioso para contra-atacar e negar os feminismos rotulados de ocidentais, cria-se uma ilusão de mulheres africanas donas de seus corpos e futuros, os quais foram roubados e violentados pelos colonizadores europeus e árabes. Como enfatiza Eze:
Dito de forma simples, [o feminismo africano] não mostra a mulher africana como alguém que possui uma mente própria. Na verdade, o modo africano de feminismo [da corrente supracitada] (...) não visa elucidar ou resolver nenhum problema; simplesmente fornece alternativas ao feminismo ocidental com o objetivo errôneo de defender o mundo africano. Nisso, ele segue o caminho da luta anti-imperialista e nada faz para explorar a personalidade da mulher africana. Todas as explicações tendem a proteger a comunidade africana ameaçada. Em suma, as feministas africanas não conseguem dar uma imagem robusta da mulher africana que o homem africano é obrigado a respeitar. (Eze, 2006, p. 106)
Nesse sentido, o foco na historicização do gênero e a perene arqueologia do passado pré-colonial não oferecem soluções, tampouco caminhos para mitigar as hierarquias de gênero das sociedades africanas contemporâneas (Apusigah, 2006). Similarmente, a negação do gênero como clivagem de poder ignora suas manifestações interseccionais, que não só envolvem outras dimensões sociais (tais como raça, senioridade, etnicidade), como também engajam o gênero em novas modalidades de dominação (Apusigah, 2006; Bakare-Yusuf, 2004; Collins e Bilge, 2020). Somando a isso o confrontamento com as feministas do Norte Global, repete-se a máxima da “pobreza teórica” do feminismo africano:
toda vez que acadêmicos africanos são forçados a entrar nestes esforços estéreis, mas necessários para afirmar que nós somos e nós pensamos, as tarefas urgentes de identificar e explicar o que nós somos e o que nós pensamos permanece incompleta ou parcialmente incompleta, e a possibilidade de um diálogo genuíno com outras civilizações mundiais é abortado. (Taiwo, 2003, p. 45, grifos no original)
Esse diálogo se torna ainda mais complicado devido ao reducionismo da multiplicidade de feminismos desenvolvidos no Norte Global sob o rótulo de feminismos ocidentais. Na verdade, a essencialização da leitura de feminismos como ocidentais e extrínsecos às realidades africanas sacrifica, outrossim, os diálogos com os feminismos do Sul Global, profundamente importantes no contexto da Guerra Fria, especialmente durante as Conferências Mundiais da Mulher (Bunch, 2012; Ghodsee, 2010; Lenine e Oncampo, 2020). Como salienta Mekgwe:
Enquanto o feminismo ocidental contemporâneo se divide amplamente em categorias como o feminismo liberal, radical, marxista e socialista, há uma tendência geral entre os teóricos de falar do feminismo e do feminismo ocidental em particular, como se fosse monolítico. As últimas três décadas também foram caracterizadas por uma presença marcante daqueles “feminismos” que são amplamente considerados como atendendo às necessidades daqueles que por muito tempo foram marginalizados e não representados pelo feminismo dominante. Tais “feminismos” tendem a ser teorizados contra o que é vagamente denominado feminismo ocidental. (Mekgwe, 2006, p. 14)
Todas essas críticas são importantes não apenas para um contexto acadêmico de confrontação do relativismo cultural subjacente às arqueologias pré-coloniais, ou à leitura pós-colonial que converte a mulher africana em Outro, mas também na própria transformação social e política das sociedades africanas contemporâneas. Em larga medida, os Estados africanos contemporâneos lidam com as diversas agendas e demandas feministas domésticas e internacionais buscando conciliá-las em instituições políticas e jurídicas que respeitem a linguagem de direitos humanos e a existência de diferentes culturas (Bond, 2018; Ossome, 2020; Williams, 2018). Nesse contexto, as leituras relativistas e pós-coloniais não só não oferecem ferramentas para a conciliação dessas demandas, como correm o risco de preservar práticas que desrespeitam a dignidade da mulher africana em nome da cultura (Apusigah, 2006; Eze, 2006; True, 2021). As violências de gênero, um problema endêmico no mundo e agravado pelos novos conflitos nos contextos africanos, constituem um claro exemplo do tipo de consequência que uma culturalização do gênero pode produzir (Apusigah, 2006; Ayiera, 2010; Bennett; 2010; Medie, 2019a; Sadiqi, 2010). Essas demandas da vida rotineira das sociedades africanas não devem ser negligenciadas na construção epistemológica do feminismo africano frente aos feminismos do Norte Global – e até mesmo os feminismos do Sul Global. Nesse sentido, sentencia Bakare-Yusuf:
Infelizmente, é comum que as teorias da cultura e da sociedade africanas revelem mais sobre a angústia dos teóricos e intelectuais africanos que tentam universalizar e projetar soluções para suas próprias ansiedades do que ilustrem como a maioria dos africanos se envolve e navega em suas experiências vividas diariamente. São esses intelectuais que de fato representam os maiores obstáculos para a compreensão do conhecimento local em toda a sua riqueza. (Bakare-Yusuf, 2004, p. 10)
Evidentemente, esses debates e seu rico léxico conceitual sugerem ab origine a consideração da política desde os níveis micro dos indivíduos e suas coletividades até o nível macro das políticas de Estado. A construção da política, portanto, não escapa dos feminismos africanos, tanto em suas críticas pós-coloniais e aos feminismos do Norte Global, quanto em suas críticas internas.
Pilares analíticos dos feminismos africanos
Anteriormente situamos os debates feministas africanos em suas diferentes vertentes. Se, de um lado, a literatura pós-colonial anima as agendas interessadas em ressignificar o papel da colonização na constituição das hierarquias de gênero nas sociedades africanas, de outro, há uma preocupação com o insulamento epistemológico resultante de arqueologias pré-coloniais que sinalizam poucas chaves conceituais e teóricas para a compreensão dos fenômenos contemporâneos. Não por acaso, uma parcela significativa de feministas africanas pondera a necessidade do diálogo com as epistemologias feministas, inserindo elementos contextuais e históricos do continente africano em suas análises. Goredema (2010, p. 35) sugere, nesse sentido, que as chaves de cultura, tradição, questões socioeconômicas e sociopolíticas, papel dos homens, raça e sexo/sexualidade são recorrentes nos feminismos africanos, e permitem o estabelecimento de canais de diálogo. Nesse panorama, situamos essas categorias em dois pilares fundamentais para a articulação dos feminismos africanos com a teoria política feminista, quais sejam: o gênero e a centralidade da coletividade/comunidade como categorias analíticas.
Embora a chave de gênero seja contestada por diversas autoras africanas e na diáspora, a vasta maioria das pesquisas sobre temáticas feministas (e até mesmo não feministas) no continente recorre ao conceito (Medie, 2019b). A questão, porém, não é se o gênero como categoria é um produto oriundo de uma epistemologia ocidental (Amadiume, 2015; Oyěwùmí, 1997), mas sim sua instrumentalização como um conceito fluido, sujeito às idiossincrasias locais e, mais importante, passível de ser transformado em termos das relações de poder que enseja. Nesse contexto, fenômenos como colonização, migração e conflitos armados “levam a mudanças nas normas de gênero na África e entre os migrantes africanos vivendo fora do continente” (Medie, 2019b, p. 7), sinalizando a necessidade de se apropriar do conceito com a devida fluidez demandada por tais circunstâncias históricas e locais.
Essas observações justificam-se pelas peculiaridades contemporâneas da África. Diversos países que superaram conflitos armados no fim do século XX e no começo do século XXI vislumbraram o aumento significativo da participação das mulheres na economia e na política (Gomes, 2016; Tripp, 2015; ONU Mujeres, 2020). Casos emblemáticos são o da presidente Ellen Johnson-Sirleaf, da Libéria; e a composição majoritária de mulheres no parlamento de Ruanda. Esses fenômenos, mais do que elementos isolados, resultam das guerras civis internas e seus impactos nas vidas dos indivíduos, especificamente das mulheres. A destruição de comunidades inteiras e o exercício masculinizado da guerra são elementos fundamentais para compreender como as mulheres passam a assumir novos papéis no pós-guerra, algo que somente uma leitura de gênero é capaz de revelar (Jacobson, 2013).
Similarmente, transformações sociais em diferentes níveis têm afetado as relações de gênero e, consequentemente, demandado uma análise com base nesse conceito. São temas prementes do continente as transformações das masculinidades dos homens africanos e seus efeitos nas relações patriarcais (Broqua e Doquet, 2013; Gibbs, 2014; Shefer et al., 2010); a prevalência da violência de gênero, tanto em períodos de paz como em conflitos (Baaz e Stern, 2013; Bennett, 2010; Ekine, 2010; Lenine e Gonçalves, 2021; Medie, 2019a); a atuação feminina na construção e manutenção da paz pós-conflitos (Isike, 2017; UNESCO, 2003); apenas para mencionar alguns. Essas temáticas compartilham a categoria do gênero para investigar as diferentes hierarquias de poder que incidem sobre as mulheres (e os homens) e como elas impactam nas concepções de masculinidade e feminilidade.
Nesse sentido, é recorrente a abordagem interseccional do gênero com outras clivagens sociais, como etnia, religião, sexualidade, casta e classe (Landaluze e Espel, 2014; Figueiredo e Gomes, 2016; Goredema, 2010). A recorrência à interseccionalidade como conceito “emerge como um dos principais referenciais analíticos para conferir sentido à complexidade das diferenças de poder das mulheres que emanam das identidades e de seu caráter de mútuo reforço” (Yacob-Haliso, 2019, p. 171). Assim, os contextos africanos incorporam identidades frequentemente ignoradas no Ocidente, tais como a maternidade (Amadiume, 1997; Yacob-Haliso, 2019) e dicotomia campo-cidade (Figueiredo e Gomes, 2016; McFadden, 2007), além das particulares dinâmicas culturais que complexificam a noção de gênero (Oyěwùmí, 2003a). A multidimensionalidade das opressões e hierarquias de poder, portanto, requer uma abordagem do gênero acoplada a outras clivagens sociais características das realidades africanas. Tal posição desafia, consequentemente, a perspectiva de isolamento de categorias para compreender as relações sociais e políticas. Como consequência, a reinvenção das questões teóricas e metodológicas é essencial para conferir vozes às mulheres africanas (Mama, 2011; Martins, 2018; McFadden, 2007). Mekgwe (2010, p. 193) sintetiza esse pontos ao afirmar que é “importante trazer à tona o impacto que a experiência colonial teve nas construções de gênero, mas, mais importante, é pertinente focar em como essas experiências históricas resultaram em renegociação, reconsideração e reconstrução da noção de gênero africana”.
Quanto ao segundo pilar analítico, os feminismos africanos postulam, em suas diferentes vertentes, a necessidade de um olhar para as mulheres não somente como uma unidade individual descolada de seu contexto social, mas sim como pertencentes a uma coletividade mais ampla (Mama, 2011; Ossome, 2020). Essa premissa contrapõe-se à visão individualista de algumas vertentes dos feminismos do Norte Global, especialmente do feminismo liberal, ao recorrer à comunidade como elemento analítico para compreender as relações de gênero na África. Nos contextos africanos, prevalece uma concepção holística da comunidade, sem a qual o indivíduo carece de significado, o que implica, portanto, que quaisquer objetivos feministas devem estar centrados não apenas nas mulheres, mas, sobretudo, na comunidade (Landaluze e Espel, 2014, p. 50). Nesse sentido, a interação dos diálogos feministas africanos com outros feminismos requer o questionamento de perspectivas individualistas, principalmente ao se considerarem os problemas produzidos pela expansão do discurso neoliberal e dos preceitos da democracia liberal no continente africano (Ossome, 2020). Esses problemas, bem como suas soluções, assentam-se em fórmulas que desconsideram as estruturas comunitárias da África e que apenas reproduzem as campanhas por igualdade de direitos advogadas pelo feminismo liberal e organismos internacionais (Ossome, 2018).
O desiderato de pensar a comunidade como vinculada às lutas das mulheres requer a articulação simultânea da ideia de autonomia individual com a de ação coletiva, contextualizando-as nos referenciais culturais e sociais autóctones. Por esta razão, o entendimento da agência da mulher africana é enfatizado pelas feministas africanas como forma de conferir uma leitura capaz de reconhecer a autonomia das mulheres junto às demandas da coletividade nas quais estão inseridas, especialmente no que tange à igualdade (Mekgwe, 2006). Nesse contexto, temáticas como a centralidade da família, as relações mulher-comunidade e a participação dos homens são fundamentais para os debates feministas africanos (Amadiume, 2015; Landaluze e Espel, 2014; Mekgwe, 2006).
A família tem um significado especial em diversos contextos africanos, e, geralmente, diferencia-se das abordagens ocidentais por assumir um papel central nas relações da comunidade. Segundo Landaluze e Espel (2014, p. 52), enquanto para algumas vertentes dos feminismos do Norte Global a família é um dos primeiros loci de subordinação e opressão a serem transformados, na África ela frequentemente assume a posição de um lugar de resistência diante das várias opressões produzidas pela colonização e pelos Estados pós-coloniais. Ademais, a própria família é compreendida como o pilar da coletividade e da organização social, diferenciando-se dos marcos patriarcais e individualistas do Ocidente.
A relação com o coletivo não se reduz tão somente ao caso da família. Mekgwe (2006, p. 16) aponta que a sororidade – a ideia de laços de irmandade entre as mulheres – marca as relações das mulheres em diferentes contextos, especialmente na África austral. A concepção de sororidade permite que laços diferentes dos familiares, tais como a amizade, despontem como chaves de compreensão sobre as formas como as mulheres africanas agem e reagem diante das diversas opressões a que estão sujeitas. Ademais, ao abrir espaço para relações que não se reduzem ao espaço da família, a sororidade cria a possibilidade de se lançarem estratégias políticas de alianças amplas dentro dos feminismos africanos, inclusive com outras perspectivas feministas do Sul Global e, até mesmo, com o feminismo ocidental (Goredema, 2010).
Esses dois pilares analíticos demonstram não só determinadas particularidades das interpretações feministas africanas, como também apontam novas formas de compreensão da cidadania, participação política, desenvolvimento e ativismos pan-africanos (Etounga-Manguelle, 2000; Mama, 2011; Medie, 2019b; Nnaemeka, 2003). O senso de comunidade atrelado à ressignificação do gênero como categoria intrinsecamente interseccional sinalizam a relevância de se transcenderem as conceituações individualistas e reducionistas características de parcela das epistemologias feministas. Não por acaso, esses elementos são traduzidos através da concepção pan-africana e comunitarista de Estado e de organismos internacionais no continente, especialmente na cristalização de direitos que recuperam o significado da família e da coletividade, bem como os imperativos da abordagem interseccional para compreender as idiossincrasias das vidas das mulheres africanas. Ademais, elas servem como ponto de partida para as articulações feministas continentais, que resultam principalmente na constante renegociação e reconstrução dos feminismos autóctones.
A teoria política e os feminismos africanos: encontros e diálogos
O campo teórico da política é permeado por diversos debates e diferentes tipos de teorias. Estes, por sua vez, coexistem e coabitam espaços de exame da realidade social, da explicação da mesma (principalmente por relações de causa e efeito), e da reflexão sobre os valores e as normas que devem reger e orientar a política (Dowding, 2016, p. 71). As teorias feministas da política se inserem nesse amplo locus de debate a partir das perspectivas das mulheres e de uma epistemologia que leva em consideração as posições dessas agentes nas estruturas de poder (Biroli, 2017).
A inserção da abordagem de gênero na construção das teorias feministas da política é o que lhes permite tratar de temas antes ignorados e silenciados, tais como a participação desigual dos indivíduos (no caso, das mulheres) nas democracias (Biroli, 2018; Phillips, 2011; Young, 2000); as relações de poder que imperam nas esferas pública e privada e suas interconexões, especialmente no que tange aos papéis de cuidado e às desigualdades materiais e simbólicas estabelecidas e mantidas dentro da família (Hawkesworth, 2019; Okin, 2008; Pateman, 1993); as dimensões de justiça, especialmente da justiça de gênero, que levam em consideração como as reflexões sobre redistribuição, reconhecimento e representação incidem sobre as mulheres (Fraser, 2007; Phillips, 2009; Young, 1990); a subalternização de indivíduos diante de um grupo dominante com gênero, raça e classe muito bem definidos (Carneiro, 2019; Collins, 2019; hooks, 2019; Gonzalez, 2020); as violências sistemáticas direcionadas aos corpos femininos e feminizados, que caracterizam a um só tempo o fracasso do Estado como garantidor de respeito e segurança e as hierarquias de gênero que permitem dispor dos corpos das mulheres como um território de posse masculina (Gago, 2020; Segato, 2016). Em todos estes temas, e em diversos outros enfoques não listados, “as pesquisas feministas têm permitido estabelecer conexões entre quem fala e o mundo de que se fala, entre a produção teórica e as concepções da política que nelas emergem” (Biroli, 2017, p. 188, grifo das autoras).
Essa abordagem feminista de posicionalidade, especialmente do conhecimento, caracteriza as epistemologias do ponto de vista. Em outras palavras, “a tese do conhecimento situado afirma que a posição social molda e limita o que nós podemos saber porque ela influencia os tipos de experiências que temos” (Intemann, 2018, p. 264), principalmente quando consideramos os diversos sistemas de opressão que constrangem as oportunidades materiais e simbólicas dos indivíduos. Consequentemente, as modalidades de opressão e exclusão vivenciadas pelas mulheres como grupo fornecem-lhes uma perspectiva situada acerca do conhecimento, especificamente no que tange à política. Portanto, em uma epistemologia do ponto de vista, a experiência das mulheres qua mulheres é peça fundamental para a construção do conhecimento, devido ao fato de elas passarem por experiências específicas sob diferentes desigualdades de poder (Harding, 1991; Intemann, 2018). Ao salientarem as diferenças sociais que produzem as hierarquias de poder, as feministas do ponto de vista salientam a importância da perspectiva particular das mulheres. Como afirma Phillips, “são aqueles situados às margens que estão mais interessados na e preocupados com a diferença: as mulheres, não os homens, que falam sobre o gênero; aqueles posicionados como minoria racial ou étnica que insistem na pertinência da raça” (Phillips, 2015, p. 13).
Nesse contexto, é natural que os feminismos africanos reconheçam a importância de amparar-se em uma epistemologia feminista do ponto de vista. Afinal, como sublinha Harding (2004, p. 29, grifo no original), “o movimento das mulheres precisava de um conhecimento que fosse para as mulheres”. No caso das mulheres africanas, traduz-se como um conhecimento para as realidades vividas por elas no continente africano, conhecimento este capaz de oferecer o arsenal conceitual e teórico necessário para não só representar os interesses e preocupações das africanas, como também fazê-los emergir na política (Mama, 2011).
Como é possível notar, a percepção de um ponto de vista não se reduz ao indivíduo, mas ao conjunto de experiências coletivas de lutas políticas assumidas como parte de um grupo que compartilha as vivências das opressões (Intemann, 2018). Destarte, não se trata de validar qualquer experiência individual como conhecimento válido e, menos ainda, como objetivo político, mas sim o compartilhamento de experiências de opressão dentro de uma coletividade.
Mas por que uma epistemologia feminista do ponto de vista seria relevante para os feminismos africanos? Embora tenha sofrido duras críticas por parte dos movimentos da política da diferença, do pós-estruturalismo e do pós-modernismo (Hekman, 1997), o feminismo do ponto de vista abre a possibilidade do diálogo horizontal com as feministas africanas na medida em que reconhece e valoriza as experiências coletivas sem reduzi-las acriticamente às categorias e agendas ocidentais. Nesse sentido, elas assumem que as vidas das mulheres são o ponto de partida que orientam nossos olhares como pesquisadoras (Harding, 1991; Yacob-Haliso, 2019). Essa é uma demanda antiga expressada reiteradamente pelas feministas do Sul Global que veem suas agendas, experiências e conhecimentos subvalorizados diante das feministas ocidentais (Ballestrin, 2017; Mohanty, 2003). Portanto, uma epistemologia feminista do ponto de vista permite não só reconhecer as realidades situadas das mulheres africanas, como também tornar-se resistência política ao discurso hegemônico das teorias ocidentais, incluindo o feminismo (Martins, 2018). Tão importante quanto isso é o fato de que tal movimento evitaria o problema de confrontar os feminismos africanos com os feminismos rotulados de “ocidentais”, uma vez que esse confronto perde de vista as condições objetivas das manifestações de dominação, exploração, subordinação contra as quais feministas em todos os lugares articulam suas reivindicações, mesmo que em relação historicamente distinta/diferenciada com o poder estruturante da raça, etnia, sexualidade, idade, gênero, classe e assim por diante.
Nesse processo, em que as demandas das mulheres africanas são vocalizadas, tem sido recorrente o uso dos termos da justiça de gênero em um quadro teórico capaz de fornecer não só as interpretações necessárias aos fenômenos políticos de interesse dos feminismos africanos, como também estratégias para transformar as instituições políticas dos Estados pós-coloniais (Figueiredo e Gomes, 2016; Ossome, 2020; Williams, 2018). O debate da justiça de gênero aprofundou-se a partir da articulação das discussões críticas sobre justiça, que viam a dimensão socioeconômica da redistribuição como uma abordagem limitada para tratar das diferentes formas de desigualdade às quais as mulheres estão sujeitas, especialmente sob a égide do liberalismo e da teoria de justiça rawlsiana. Partindo de abordagens deliberacionistas (Young, 1990, 2000) e marxistas (Fraser, 2007, 2013), novas formas de pensar a justiça emergiram, ressignificando tanto o problema da redistribuição (não mais vista de maneira neutra, mas sob uma lógica de exploração), como incorporando problemas de identidade e representação política. Questões identitárias – ou de reconhecimento – aparecem ao lado de preocupações sobre as hierarquias simbólicas ensejadas no gênero, salientando como a dominação cultural produz injustiças, tais como a discriminação e a violência de gênero (Fraser, 2007; Phillips, 2009; Young, 2000). Completa este quadro a inclusão de mulheres em espaços decisórios na política, pois as diversas demandas das mulheres, que vivem as desigualdades materiais e imateriais, poderiam ser levadas para o espaço público (Phillips, 2011). Essa tridimensionalidade da redistribuição, do reconhecimento e da representação política constitui a justiça tripartite (Fraser, 2007), e extrapola o discurso liberal centrado no indivíduo para considerar demandas de diferentes grupos, dentre eles as mulheres.
Os ideais de uma justiça de gênero para a África remontam não só aos movimentos de libertação nacional e descolonização, como também à própria atuação dos movimentos feministas autóctones a nível internacional, que se destacaram nas Conferências Mundiais da Mulher da Organização das Nações Unidas (Lenine e Oncampo, 2020). A perspectiva tripartite de uma justiça focada em redistribuição (correção das desigualdades materiais e socioeconômicas), reconhecimento (correção das desigualdades geradas pela dominação cultural) e representação (correção das desigualdades de participação política), portanto, informa as agendas ativistas e teóricas dos feminismos africanos, servindo ao propósito de contestar a ordem social estruturada em termos de hierarquias de poder e exclusões. Substantivamente, essa abordagem da justiça mantém conectadas as dimensões materiais e simbólicas de desigualdades que precisam ser corrigidas, requerendo que a vocalização das mesmas pelos indivíduos e grupos seja efetivada (Williams, 2018, pp. 159-160). A igualdade de gênero, entendida como uma política emancipatória não só do indivíduo, mas da comunidade, apenas pode ser atingida quando as três dimensões de justiça são consideradas e tratadas de forma inter-relacionada. Dessa forma, a garantia da paridade de participação das mulheres nos diversos espaços decisórios deve ser visada, vez que elas são capazes de influenciar diretamente sobre as questões materiais e imateriais supracitadas.
Entretanto, é necessária uma certa cautela, especialmente diante dos rumos que a justiça de gênero pode sugerir na proposta de diálogo com os feminismos africanos. Se é verdade que a versatilidade da justiça de gênero tripartite permite abraçar a um só tempo diversas das questões prementes nos debates feministas africanos, também a adoção de uma visão próxima das campanhas de instituições e ONGs internacionais pode acarretar a imposição de uma agenda neoliberal insensível às demandas e realidades das mulheres africanas. Para sermos mais específicas, a adoção da ideia de justiça não significa – nem deve significar – a incorporação de uma perspectiva individualista dos feminismos africanos. Como Ossome (2020) salienta, as mulheres africanas confrontam, com suas coalizões e mobilizações autóctones, uma ordem que se impõe pela expansão do discurso neoliberal e da democracia liberal, ambos focados sobremaneira no indivíduo (Ossome, 2018). Esse confronto se dá em diferentes dimensões, que vão desde o questionamento dos programas de ajustes estruturais impostos aos países, até a problematização de como os Estados pós-coloniais africanos mercantilizam as mulheres, objetificam seus corpos como violados e violáveis, subvertem valores caros à comunidade, como a família, e estabelecem modelos jurídicos herdados dos colonizadores, mas que pouco dialogam com os sistemas de lei consuetudinária das sociedades africanas (Bond, 2018; Khatak, 2014; Morna et al., 2015; Williams, 2018). Por conta dessa “herança neoliberal”, os ativismos feministas africanos enfrentam o desafio de se reinventarem, inclusive, retomando uma tradição de rebeldia contra os modelos civil, liberal e constitucionalista tão caros aos Estados pós-coloniais e às mulheres africanas de elite (cf. Ossome, 2020, p. 164).
Em síntese, ao combinar a epistemologia do ponto de vista com a abordagem tripartite da justiça de gênero, torna-se imperativa a horizontalização do diálogo entre feminismos africanos e a teoria política feminista, uma vez que as próprias mulheres africanas passam a ter suas experiências e demandas reconhecidas dentro das epistemologias feministas (Lenine e Numala, 2022). Evidentemente, esse encontro epistemológico e teórico abre espaço não só para a ressignificação da categoria do gênero e suas interseccionalidades com a etnia, raça, classe e outras clivagens perante as particularidades dos ativismos e movimentos feministas africanos, como também avança novas fronteiras de transformação da cidadania com vistas a garantir a inclusão social e política, assim como a possibilidade de contestação dos legados coloniais que persistem nas estruturas político-burocráticas e jurídicas dos Estados africanos. Como conclama McFadden (2007, p. 42), precisamos de “uma radical transformação da agenda feminista em uma política viva de contestação e consistência com nossas demandas para reestruturar o Estado e suas instituições sociais chaves, assim como a criação de um sistema político, cultural e social alternativo”.
Conclusão
A trajetória dos feminismos africanos é marcada pela diversidade de experiências e vivências que, embora possam ser mapeadas por meio dos eventos políticos situados antes, durante e depois da colonização, mantém as particularidades de cada povo e sociedade no continente. A despeito dessa pluralidade de perspectivas, os debates feministas na África compartilham não só agendas políticas comuns, como também epistemologias e pontos de vista semelhantes, que encontram na ressignificação da agência da mulher africana o passo primordial para a construção das lutas feministas no continente.
Essa articulação epistemológica dialoga com as teorias políticas feministas que vêm sendo produzidas não só nos países do Norte Global, como também no Sul Global. Ao posicionar a experiência das mulheres como ponto de partida para analisar a política, premissa comum aos feminismos africanos, as teorias políticas feministas demonstram ser um espaço capaz de acolher as feministas do continente. Porém, esse acolhimento não deve ser entendido como uma predação das agendas africanas, mas sim como um canal de diálogo horizontal, em que as diferenças são reconhecidas como essenciais na luta feminista internacional.
Tais diferenças enfatizam a ressignificação da categoria do gênero, assinalando a necessidade de contextualizá-la histórica e socialmente em vez de tomá-la como um conceito fixo. Ao explorarem extensivamente suas interseccionalidades (inclusive com categorias alheias e até mesmo repudiadas pelos feminismos ocidentais, tais como a maternidade, senioridade e status social), os feminismos africanos demonstram a efetividade de uma abordagem analítica situada nos pontos de vista autóctones. Essa perspectiva tem o potencial de contribuir para a própria ressignificação de determinadas compreensões das epistemologias feministas ocidentais e internacionais, já que não só apontam para outros desideratos conceituais associados ao gênero, mas também reposicionam a coletividade de modo a sublinhar a relação intrínseca entre indivíduo e comunidade. Afinal, as mulheres africanas – bem como toda mulher no mundo – estão inseridas em comunidades, agindo e interagindo em complexas relações sociais, irredutíveis a uma perspectiva dicotômica ao estilo colonial.
Nesse sentido, a justiça de gênero tem-se demonstrado como um denominador comum das variadas questões das mulheres africanas, oferecendo a articulação das demandas autóctones em um arcabouço teórico suficientemente amplo para criar coalizões transnacionais e simultaneamente versátil para acomodar as particularidades locais. A linguagem da justiça, ademais, oferece os canais para a ressignificação da cidadania e a contestação das estruturas estatais operantes pela manutenção das desigualdades materiais, simbólicas e políticas no continente.
Ao longo do artigo, buscamos enfatizar as diferentes perspectivas feministas africanas como tentativa de apontar os canais de diálogo em uma literatura ampla e dinâmica. Mais do que focar nas alegadas diferenças e arqueologias pré-coloniais, procuramos nessas perspectivas as chaves analíticas para estabelecer os encontros entre os feminismos africanos e as teorias políticas feministas. Esta é uma conversa em andamento, mas com grande potencial para avançar em questões comuns sem perder de vista as especificidades das mulheres africanas.
Agradecimentos
As autoras agradecem aos valiosos comentários das revisoras anônimas; à leitura cuidadosa e aos feedbacks da Profª Melina Mörschbächer e da Profª Mariana Preta Oliveira de Lyra.
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