"A teologia feita pelas mulheres tem esse sabor de adesão, de assunção plena do humano, de dedicação incondicional, de paixão e de rigor. É uma teologia que tem uma carga de concretude e uma profundidade de olhar: aquela que vem da capacidade de visão, do perceber internamente a existência dos seres humanos, a vida do mundo e a vida de Deus que nelas age silenciosamente".
O artigo é de Pina De Simone, teóloga italiana e professora na Faculdade de Teologia dell'Italia Meridionale, publicado por Avvenire, 01-12-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Ressoam realmente com uma intensidade especial as palavras pronunciadas ontem pelo Papa Francisco no encontro com a Comissão Teológica Internacional. Não um “belo discurso” de teologia, mas o que o Papa traz no coração a partir da sua experiência e das muitas histórias ouvidas.
No momento em que ocorrem os enésimos episódios de violência contra as mulheres, Francisco convida a entender “o que é uma mulher e o que é a teologia de uma mulher”; ainda mais a entender “a Igreja como mulher, como esposa”.
Não fiquem incomodados aqueles que não suportam a associação ao termo mulher das categorias femininas com as quais foi tradicionalmente pensada. Falar de mulher nesses termos não significa certamente que a condição de esposa determine sua única possível realização. É mais uma dimensão que tem a ver com a forma de ser, de sentir, de se relacionar com os outros e com a realidade que é própria das mulheres. Ser esposa é como ser mãe: é possível ser mesmo que não se tenha um marido e não se tenham filhos, pelo menos não biologicamente. Indica a capacidade de assumir e compartilhar sem reservas. Casar algo é aderir plenamente a ele. É possível casar uma causa, casar uma história, casar um ideal. Existe, dentro desse termo, a ideia de dedicação total, incondicional.
Assim é a Igreja que adere totalmente ao seu Senhor e que tem no anúncio do seu amor a mais profunda razão de ser à qual escolhe dedicar-se com todas as forças, incondicionalmente. Esposa de Cristo, indissoluvelmente unida a Ele, a Igreja é também a esposa da humanidade a ser amada Nele, igualmente incondicionalmente. A condição esponsal pertence à Igreja na sua totalidade, em todos os seus componentes. Todos os membros da Igreja são chamados a vivê-la; mas as mulheres o lembram de modo particular, porque é sempre no particular que resplendece o que é de todos. O humano não é uniformidade, mas diversidade de facetas: é feito de nuances e pode ser compreendido a partir delas.
A teologia feita pelas mulheres tem esse sabor de adesão, de assunção plena do humano, de dedicação incondicional, de paixão e de rigor. É uma teologia que tem uma carga de concretude e uma profundidade de olhar: aquela que vem da capacidade de visão, do perceber internamente a existência dos seres humanos, a vida do mundo e a vida de Deus que nelas age silenciosamente.
Disso, talvez, a energia que se faz sentir nas palavras das teólogas, e que às vezes é difícil de acolher. Não é simplesmente o pathos da reivindicação, mas sim a força de uma inteligência da realidade que quebra a rigidez de esquemas já dados e abre espaços para reconhecimento, trilhas de criatividade na docilidade à ação impetuosa do Espírito (que na Escritura Hebraica é feminina...) além de qualquer lógica de exclusão, de descarte.
Se é verdade que a teologia deve ter sabor de vida, que deve abrir caminho nas ruas além das salas de aula da academia, há uma contribuição importante que as mulheres podem dar e já estão dando para a renovação da teologia.
A teologia já tem o rosto de muitas mulheres que souberam dar um importante aporte ao desenvolvimento de todas as disciplinas teológicas, trazendo, entre outras coisas, para o âmbito teológico o estilo da colaboração, daquele trabalhar em rede que o proêmio da Veritatis gaudium indica entre os critérios segundo os quais a teologia deve poder se construir. Só é preciso que isso emerja mais claramente e seja adequadamente reconhecido.
Isso é o que o Papa, afinal, pede também à Comissão Teológica Internacional: que a presença das mulheres seja reconhecida e tornada visível pelo aporte competente de que são capazes.
Na primeira sessão do Sínodo dos Bispos, celebrada em outubro, também estavam presentes mulheres: entre os membros da assembleia com direito a voto, entre os que tinham a função de coordenar os trabalhos das mesas, entre os especialistas, entre os que presidiam a assembleia; e uma mulher, madre Maria Ignazia Angelini, acompanhou os dias do Sínodo com a profundidade das suas reflexões espirituais. A voz e a contribuição das mulheres foram preciosas e acolhidas com respeito, diria quase com naturalidade, como parte viva da assembleia, reconhecendo a qualidade e a profundidade das experiências de empenho e de competências. Muito além de uma simples pincelada de rosa. Encontrar-se assim como Igreja é um grande sinal de esperança. E é um valor que não se deve deixar de reiterar.
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fonte: https://www.ihu.unisinos.br/634897-teologia-feita-por-mulheres-nao-uma-simples-pincelada-de-rosa