Em um raro debate público, duas altas autoridades do Vaticano apresentam opiniões divergentes sobre a Humanae vitae, texto-chave da Igreja sobre sexualidade e procriação.
A reportagem é de Loup Besmond de Senneville, publicada por La Croix International, 22-05-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Debates abertos entre altas autoridades do Vaticano são raros, especialmente sobre questões tão delicadas quanto a moral sexual. Mas um deles ocorreu na sexta-feira passada, na abertura de um congresso em Roma sobre a Humanae vitae, a encíclica que Paulo VI publicou em 1968 para reafirmar a oposição da Igreja Católica à contracepção artificial.
O congresso dos dias 19 e 20 de maio, organizado pela Cátedra Internacional Jérôme Lejeune de Bioética, reuniu pesquisadores de várias universidades católicas. O cardeal jesuíta Luis Ladaria, prefeito do Dicastério para a Doutrina da Fé, abriu o evento com um longo discurso em espanhol, no qual ele defendeu a “visão profética” que o falecido papa expôs na encíclica.
“A verdade expressada na Humanae vitae não muda”, disse o cardeal de 79 anos. “São muitas as vozes, amplificadas pelos meios modernos de propaganda, que estão em contraste com a da Igreja”, lamentou, tomando emprestado um trecho da controversa encíclica [n. 18].
Em seu discurso, Ladaria insistiu que “a encíclica continua válida, porque é a resposta correta do magistério às antropologias dualistas que visam a instrumentalizar o corpo e que não representam humanismos novos, pós-modernos e seculares, mas sim anti-humanismos”.
Depois, ele criticou o “relativismo moral” e a “antropologia contraceptiva”, argumentando que a ruptura do vínculo entre sexualidade e procriação (que a encíclica condenou) acaba levando à redução do corpo a “mera materialidade e, portanto, a um objeto passível de manipulação”. É precisamente essa manipulação que é promovida pelo “trans-humanismo”, disse o cardeal.
Trans-humanismo e ideologia de gênero
“No trans-humanismo, a pessoa é reduzida à sua mente ou, melhor, a suas conexões neuronais como fundamento de sua singularidade”, segundo o cardeal e teólogo espanhol. “A singularidade é agora a essência da pessoa, sem o corpo, que a identifica e que pode ser transferida para outro corpo humano, um corpo animal, um ciborgue ou um simples arquivo”.
Da mesma forma, a “ideologia de gênero” também se baseia no princípio de que “a liberdade é posta em oposição à natureza”, argumentou.
“A ideologia de gênero nega que a identidade de uma pessoa esteja relacionada com seu corpo biológico”, disse o cardeal Ladaria. “Uma pessoa não se identifica com seu corpo (sexo), mas com sua orientação. Qualquer relação com o gênero binário é apagada para proclamar a diversidade sexual”, continuou.
Nem toda relação conjugal “deve necessariamente fecunda”
Mas, algumas horas depois dessa robusta defesa da encíclica de Paulo VI, o Vatican Media publicou uma entrevista com o arcebispo Vincenzo Paglia, presidente da Pontifícia Academia para a Vida, que apresentou uma interpretação substancialmente diferente do mesmo texto papal.
“O reconhecimento da conexão indissolúvel entre amor conjugal e geração na Humanae vitae não significa que toda relação conjugal deva ser necessariamente fecunda”, explicou o arcebispo italiano de 78 anos. “Paulo VI reconhece que a procriação deve ser ‘responsável’ e – como se sabe – indica nos métodos naturais o modo para realizar tal responsabilidade”, continuou.
A entrevista, que o portal oficial de notícias do Vaticano disponibilizou em quatro idiomas, deixa claro que Paglia, que assumiu a direção da Academia em 2012, estava falando sobre a encíclica no momento em que o congresso de Ladaria estava ocorrendo. Os assessores do arcebispo disseram que Paglia nunca foi convidado para esse congresso, embora os organizadores do evento tenham negado.
“Nos anos 1060, a pílula era considerada um mal total”
Enquanto o cardeal Ladaria apresentou a encíclica como um texto que não pode ser mudado, o arcebispo Paglia esboçou uma visão muito diferente.
“Acho que é muito importante que se continue refletindo e discutindo sobre o assunto, como, aliás, o Papa Francisco reiterou justamente a propósito do tema dos anticoncepcionais, afirmando que ‘o dever dos teólogos é a pesquisa, a reflexão teológica’”, disse o arcebispo.
“Estamos diante de desafios epocais. Nos anos 1960, a ‘pílula’ parecia o mal absoluto", continuou. “Hoje, temos desafios ainda maiores: a vida da humanidade inteira está em risco se não pararmos a espiral dos conflitos, das armas, se não desencadearmos a destruição do ambiente”, argumentou Paglia.
Debates internos intensos
O debate entre as duas altas autoridades vaticanas, tão franco quanto inesperado, ocorre em um contexto de intenso debate na Pontifícia Academia para a Vida. Recentemente, diversos posicionamentos provocaram agitação dentro dessa instituição, que João Paulo II e o professor Jérôme Lejeune, o descobridor da Síndrome de Down, fundaram em 1994.
Foi o que ocorreu em fevereiro de 2022, quando o padre jesuíta Carlo Casalone, membro da Academia, chamou o suicídio assistido de “o maior bem comum possível” em comparação com a eutanásia. Sua posição foi publicada na La Civiltà Cattolica, uma publicação jesuíta cujos rascunhos passam pela aprovação do Vaticano.
A Pontifícia Academia para a Vida também lançou um livro no início de julho passado que foi visto como um ponto de virada na abordagem do Vaticano às questões morais. Intitulado “Theological Ethics of Life: Scripture, tradition, practical challenges” [Ética teológica da vida: escritura, tradição, desafios práticos], a obra reuniu pela primeira vez textos que questionam certos pontos da doutrina moral, provocando grande agitação na Cúria Romana e em outros ambientes eclesiais.
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fonte: https://www.ihu.unisinos.br/628908-cardeais-da-curia-romana-travam-batalha-sobre-moral-sexual
Sexo e magistério: um dispositivo secular. Artigo de Andrea Grillo
A transformação da sexualidade (casamento igualitário, procriação responsável, identidade homossexual, autoridade pública feminina) é um dos terrenos em que o catolicismo corre o risco de vincular sua própria identidade à lógica da sociedade fechada. É necessário unir a Humanae vitae e a Dignitatis humanae.
A opinião é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma, publicado em seu blog, Come Se Non, 21-05-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Se observarmos com cuidado a história dos últimos 200 anos, poderemos notar como as posições do magistério católico sofreram o impacto com o mundo tardo-moderno, em seus aspectos mais qualificadores: a sociedade aberta põe em crise as formas clássicas de exercício da autoridade, de produção, as formas e os tempos de vida, as relações sexuais e os diversos modos de identidade social.
Em todo esse grande âmbito de concepções, talvez o que pareceu prioritário desde o início foi o campo da concepção do matrimônio, da vida sexual e do exercício da liberdade. Poderíamos dizer que o entrelaçamento entre o exercício da autoridade e a vivência da esfera afetiva e sexual constitui um plexo decisivo para entender os principais desafios pelos quais o catolicismo se sente profundamente desafiado, há pelo menos 150 anos.
Há um “fio dourado” que unifica, sub-repticiamente, a emergência de um casamento “igualitário”, a possibilidade de uma maternidade responsável, a emergência de orientações sexuais homoafetivas em busca de reconhecimento social, a possibilidade de o sexo feminino adquirir um reconhecimento de autoridade.
O que unifica todos esses diversos casos é uma nova e muitas vezes inédita “necessidade de reconhecimento”, que elabore de forma diferente a correlação entre cultura e Evangelho, escapando da armadilha de uma presunção perigosa: ou seja, aquela que pensa que pode identificar o próprio Evangelho com uma “cultura contingente”, de uma forma se não infalível, pelo menos definitiva. Tentemos nos deter brevemente em cada um desses âmbitos.
a) A autoridade que reconhece uniões legítimas é somente a Igreja?
Esse é o temor profundo, que inaugurou uma série de encíclicas, que vão de Leão XIII em 1880 até a Amoris laetitia em 2016. O novo mundo da “sentimentalização” do matrimônio, que começa no século XIX, descobre pouco a pouco a igual dignidade do homem e da mulher. A força dessa nova representação cultural, na qual a “pátria potestade” é substituída pela “potestade genitorial”, também transforma o rito da Igreja Católica. Passa-se do anel único, que o marido coloca no dedo da mulher, para a “troca das alianças”. E a bênção, que durante muitos séculos concernia exclusivamente à esposa, torna-se “bênção dos esposos”.
O traço evidente da “igual dignidade” da mulher obtém, pelo menos em termos formais, uma completa recepção. A diferença sexual se conjuga com uma igualdade batismal e civil. Aqui, os passos, pelo menos no nível positivo, foram dados. Persiste ainda um modelo de “concorrência entre ordenamentos jurídicos paralelos” no modo de lidar com as crises, o que muitas vezes impõe a reconstrução mistificada das vivências e a aplicação fácil demais de “fictiones iuris”, para fazer com que a conta feche.
b) As formas da coabitação, do casamento civil do matrimônio sacramental elaboram uma “sapiência” sobre o bem, que vê a afirmação de formas cada vez mais sofisticadas e seguras de “paternidade e maternidade responsáveis”.
O uso dos “métodos de controle dos nascimentos” implica um espaço de discernimento no qual a Igreja acredita poder decidir “a priori” quais métodos são lícitos e quais são ilícitos. Ainda com a Casti connubii (1930) houve uma forte retomada da faculdade exclusiva de Deus em decidir sobre os nascimentos. Mas, em 1968, a Humanae vitae acreditou que podia assumir uma iniciativa forte contra o emprego dos contraceptivos que não respeitam o “método natural”. A exclusão de um espaço prudencial confiado aos sujeitos da relação sexual e sua substituição por uma decisão “in contumacia” por parte do magistério tornam muito difícil distinguir o “bonum prolis” do “bonum coniugum”, estabelecendo um “vínculo natural” entre o ato sexual e a geração. Não somente em gênero, mas também em espécie. Uma compreensão “biologista” do sexo ainda está na raiz de uma posição marginal demais, fruto de uma teologia de escrivaninha e não de estrada.
c) De modo semelhante, o magistério aborda com diversos documentos, entre os anos 1970 e os anos 2020, a questão do reconhecimento das “vivências homossexuais”: não apenas dos atos, mas também das condições e dos projetos.
A tentação de chegar a uma “definição” do comportamento homossexual em termos de “autossatisfação” – universalmente fechado a toda possibilidade de relação autêntica, senão em termos de castidade – delineia, também neste campo, uma leitura extrínseca da cultura e a convicção de que a tradição, com suas fontes historicamente limitadas, é capaz de lidar com questões novas de modo autônomo e incondicional. Uma Igreja que não sabe abençoar os percursos, mas apenas os sujeitos, não é exemplar e custa a reconhecer a realidade.
d) De modo ainda mais evidente, a relação entre autoridade e sexo parece ser limpidamente limitada no modo como é abordada (e se acha que se resolve) a questão do acesso do “sexo feminino” ao sacramento da ordem. A dissimulação do imobilismo sob a figura de uma “obediência e fidelidade eclesiais à vontade do Senhor” exclui, a priori, todo espaço para o reconhecimento da mais ínfima transformação na identidade e na percepção da “mulher”, fora dos estereótipos essencialistas, muitas vezes traduzidos até em “princípios”, sobre os quais foram construídos grandes preconceitos, piadinhas felizes e incompreensões ou violências muito infelizes.
A pretensão de resolver a questão do acesso das mulheres ao ministério ordenado, substituindo o argumento “contra naturam” por aquele “contra historiam”, parece marcada por um traço ainda mais visceral, embora esteja alinhado com o que se observou até agora.
A prudência eclesial, que nunca pode desaparecer, nunca se identifica com o imobilismo. A exigência de encontrar respostas adequadas sobre cada um desses níveis diz respeito exatamente ao exercício dessa prudência. Para ser prudente, é preciso evitar cair no erro de considerar que a única possibilidade é a de defender também as escolhas inoportunas ou até erradas.
Assim como a Amoris laetitia marcou uma etapa nova no que diz respeito à estrutura magisterial que, da Arcanum divinae sapientiae chegava até a Familiaris consortio, sofrendo de modo exagerado demais a identificação entre “pastoral” e “gestão jurídica da relação”, assim também é preciso que a consideração da sexualidade não seja justificada apenas em relação à geração (mesmo que esta nunca possa ser excluída), que a tendência homossexual de cada sujeito não seja simplesmente submetida a uma redução ao pecado, que a consideração da mulher saiba reconhecer e valorizar também a mulher no chamado ao carisma profético, ao carisma de governo, assim como ao carisma de culto e santificação.
As formas frágeis com que o magistério perpetua a incompreensão do munus docendi, regendi e sanctificandi das mulheres também repousa sobre uma questão sexual não suficientemente elaborada e resolvida – quando vai bem, com princípios de conveniência; quando vai mal, com uma carga de violência indiferente e de discriminação eficaz que é ainda mais pesada em quem a sofre quanto menos consciente é quem a inflige.
Em todos esses quatro casos, no meio dos quais sempre há uma visão do significado global do sexo como “consciência sexual dos sujeitos”, a obediência da teologia ao magistério deve se tornar responsável por dar a palavra a “terceiros”. Uma verdadeira obediência, se tornasse indiferença aos terceiros ou redução de suas vivências a estereótipos sem coração, se tornaria um péssimo serviço à Igreja.
As famílias efetivamente existentes, as formas da geração responsável, as relações homossexuais e os possíveis chamados femininos ao ministério ordenado não podem ser resolvidos sem uma triangulação estrutural: palavra magisterial, reflexão teológica e experiência vivida remetem-se mutuamente e pedem uma integração diferente, que ponha em jogo, ao mesmo tempo, a capacidade magisterial de escuta da experiência para oferecer uma leitura fiel da palavra de Deus, a elaboração de categorias novas pela teologia, capazes de mediar pensamento, palavra e ação, e finalmente a veracidade com que cada homem e cada mulher, livres de qualquer captura ideológica, interna ou externa à Igreja, possam valorizar plenamente sua própria vocação.
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fonte: https://www.ihu.unisinos.br/628906-sexo-e-magisterio-um-dispositivo-secular-artigo-de-andrea-grillo
“Para muitos bispos colombianos, Petro é um sapo que deve ser engolido”. Entrevista com Consuelo Vélez, teóloga colombiana
- Toda teologia deveria ter essas novas dimensões dos sinais dos tempos como aspectos transversais. E a dimensão da mulher é uma transversalidade que não deve faltar em nenhuma teologia.
- É um passo muito pequeno, mas pelo menos já está na história da Igreja que em um sínodo de bispos votam leigos e leigas.
- Sempre temos medo. Sempre esperamos não ir tão rápido... Esquecemos que estávamos seguindo Jesus de Nazaré, né? Parece que ele foi rápido porque senão a vida dele não teria suportado tanto como suportou.
- Francisco deveria incluir as mulheres, e isso já seria metade da Igreja mudando sua realidade. Eu diria isso a ele e diria a ele para tornar as coisas concretas.
- Para esse cristianismo básico, acredito que [o presidente colombiano Gustavo] Petro é uma esperança e uma possibilidade de ter uma narrativa diferente do nosso país. Pensar nas vítimas, pensar nos pobres.
A entrevista é de José Manuel Vidal, publicada por Religión Digital, 21-05-2023.
Olga Consuelo Vélez Caro (Bogotá, 1959) é uma renomada teóloga feminista colombiana, que pertence à Instituição Teresiana e há anos mantém um blog na Religión Digital. Ela tem fama de falar e dizer o que pensa, por coerência com o Vaticano II e com o Papa Francisco e por seguir Jesus, que "falava com clareza e dizia as coisas como eram, sem enfeites, sem protocolos. Acho que isso é o Evangelho".
Consuelo está convencida de que o feminismo deve ser transversal na teologia e que a presença (com voto) das mulheres no Sínodo é “um passo, muito pequeno, mas histórico”. Claro que, tanto nesta como nas reformas da Igreja em geral, a teóloga pede ao Papa menos medo e mais rapidez: "Falta-me um pouco de paciência histórica para que as coisas andem devagar, e tudo com prudência e reverência. Eu tornaria as coisas um pouco mais simplificadas".
Ela está esperançosa com o processo de paz na Colômbia e com as expectativas do governo de Gustavo Petro. "Para esse cristianismo básico, acredito que Petro é uma esperança e uma possibilidade de ter uma narrativa diferente do nosso país. Pensar nas vítimas, pensar nos pobres."
Eis a entrevista.
O rótulo de teólogo progressista aincomoda?
Bem, eu nem sei o que significa progressista neste contexto de teologia. Eu diria que tento ser uma teóloga coerente com o Vaticano II e coerente, agora, com o esforço que o Papa Francisco está fazendo para trazer de volta à luz todo esse dinamismo de aggiornamento da Igreja.
Eu gosto de me questionar. Faça perguntas a si mesmo, porque acredito que o cristianismo é isso; um desafio para a nossa vida: como ser capaz de amar mais e melhor.
Então, eu diria que minha teologia está sempre pensando em como podemos ter esse mundo melhor e como podemos descobrir essa experiência de fé que funciona para o aqui e agora. Como estar atenta aos sinais dos tempos... Acho que é isso que eu faço. Agora, é verdade que as pessoas sempre me dizem: "que coragem você tem. Como consegue dizer isso claramente?
Sinceramente, não acho que seja corajoso, mas acho que é claro. É o que vejo, é o que penso, é o que penso que pode ser explicado. E, bem, eu sou encorajada por Jesus de Nazaré, que falou claramente e disse as coisas como elas são, sem enfeites, sem protocolos. Eu acho que isso é o Evangelho. E se isso se chama teologia progressista... embora eu diria teologia que quer acompanhar os tempos e interpretar o que está acontecendo.
Sim, sua teologia tem um claro viés feminista. Não sei como entendê-lo, e se isso tem interpretações. Como explica isso? Você sempre defendeu, há muitos anos, a presença da mulher, a igualdade da mulher dentro dessa instituição que, diga-se de passagem, ainda não chegou.
Um dos sinais dos tempos é esta nova realidade que nós mulheres estamos vivendo, que já percebemos que não temos plenos direitos nem na sociedade nem na Igreja, e agora os pedimos, os vivemos e nos lembramos para que sejam realidade.
Toda teologia deveria ter essas novas dimensões dos sinais dos tempos como transversais. E a dimensão da mulher é uma transversalidade que não deve faltar em nenhuma teologia. O que é ser feminista? É se perguntar: o que estamos pregando atinge da mesma forma homens e mulheres na estrutura patriarcal em que ainda vivemos? Porque eu não quero fazer diferença aqui. Aqui, às vezes tenho um pensamento divergente com algumas que também são chamadas de teólogas feministas, se as mulheres têm alguns atributos e os homens têm outros, e então as mulheres fazem teologia de uma forma e os homens de outra... Nisso eu não vejo tanta distinção. Acredito que todos fazemos teologia como seres humanos e com condições particulares, mas isso não significa que não nos perguntemos: nesta estrutura patriarcal onde as mulheres tiveram uma subordinação maior, tudo o que pregamos, o que dizemos, o que organizamos, como deve ser vivido para que continue a ser promovida esta igualdade fundamental de homens e mulheres?
Mas a Igreja pode deixar de ser patriarcal?
Pode e deve. É que será um processo lento. Por exemplo, o que acabou de acontecer com o Papa permitindo que os leigos votem no sínodo. É um pequeno grupo; um número de mulheres pequeno, apenas metade dos leigos.
Acho que essa abertura responde à insistência que fazemos um dia, e outro, e outro, de que a Igreja deve ser muito mais testemunha, que não há diferenças baseadas no sexo.
Mas a questão da voz e do voto no Sínodo não lhe parece uma migalha? É como dizer: vamos te calar com essa coisinha que te damos, porque na anterior você não tinha voz nem voto. Nem os leigos, nem as mulheres. E o que significa isso, quando está sendo negado o principal, que é o acesso ao altar, por exemplo?
Hoje, precisamente, eu estava lendo uma pesquisa que perguntava: é necessário agradecer ao Papa por ter dado este passo? E a maioria respondeu que não há o que agradecer, que devem ser informados de que é o mínimo que podem fazer, e ainda há um longo caminho a percorrer.
Meu último artigo é sobre esse assunto e, mais ou menos, eu disse que é um passo muito pequeno. Então tudo depende de como você olha para isso. Pelo menos já ficou na história da Igreja que em um sínodo de bispos votam leigos e leigas. Mas isso não significa que nos calemos agora, ou que estejamos contentes, ou que agradeçamos: ah, que favor nos fizeram...! Não. Acho que isso quer dizer: é um pequeno passo e faltam muitos. Mas isso já está na história; não nos diga que não é possível que as mulheres participem, e os leigos, em pé de igualdade com os bispos nessa estrutura. Esta estrutura também não é a única, definitiva e mais importante; é o que temos agora.
Que outras estruturas teríamos que criar para que houvesse essa participação efetiva de todo o povo de Deus? Porque afirmamos com a nossa fé que o sensus fidei, o sentido da fé, está em todos. E se nós, leigos, não podemos falar, a Igreja perdeu o seu espírito.
Não se trata de concessões. A questão é como fazemos para ouvir plenamente o Espírito de Deus que se manifesta em todo o povo de Deus. Então, onde está a nossa voz, que até hoje se calou?
Nesse artigo seria possível deixar refletido que esse pequeno passo não foi deixado ao critério do papa de plantão, mas foi estabelecido como algo canônico e algo legalmente admitido na Igreja. Não?
Aí vem aquele círculo hermenêutico de que, enquanto as coisas não forem formalizadas, fica a boa vontade do plantonista. Mas não podemos perder de vista que as estruturas são para facilitar a vida a cada momento histórico e que devemos continuar revisando, porque quando algo fica na estrutura, então a estrutura nos oprime porque nunca queremos mudá-la. É muito difícil mudá-los.
Então, como manter essa forma de agir seria a vida cristã. Essa capacidade de revisar continuamente o que estamos fazendo e explicitá-lo em estruturas específicas para que seja algo formal. Mas sem nos fecharmos nas estruturas para sempre. Mas manter aquela dinâmica e aquela agilidade, que seriam características daquela Igreja de Jesus. Um Jesus que questiona a lei, que deve estar a serviço do povo e não o contrário. Mas, claro, se não houver um mínimo de estrutura, fica a critério do patrão de plantão. Então, como manter essa atenção dinâmica da vida cristã?
E a que distância fica? Tenho a sensação de que as mulheres da igreja se contentam com pouco, porque até agora você não tinha praticamente nada. E você diz, bem, estamos dando passos; é um processo; aos poucos... Não estamos ficando atrasados? Que a Igreja, como instituição, ao contrário de muitas outras instituições que já incluíram as mulheres em igualdade de condições, esteja a mil anos-luz de distância, não te desanima?
Há dias em que a gente fica bastante desanimado. E ainda mais quando escutamos essas vozes que nos chamam a ter moderação, a ter paciência, a não escandalizar, que perguntam: mas por que pedem tanto... E há muitas vozes nesse sentido. Não só com essa mulher, mas com muitos problemas. Estamos sempre com medo. A gente fica sempre torcendo para não ir tão rápido... Esquecemos que estávamos seguindo Jesus de Nazaré, né, parece que ele foi rápido porque senão a vida dele não teria dado tantos frutos.
Isso é o que eu disse antes: se agora a posição é "obrigado, Igreja, porque isso se abriu para nós", então vamos esperar o próximo século para que a Igreja mude.
Acredito que a situação é de dizer "finalmente aconteceu, mas isso não é nada comparado ao que a Igreja deveria fazer". Mas aqui continuamos, no trabalho. É por isso que escrevo no meu blog, porque todos os dias parece que há coisas novas que temos de continuar a insistir e a descobrir, porque também há coisas novas que nos vão desinstalando a todo o momento.
Em outras palavras, você tem um profundo horizonte de esperança, apesar da escuridão.
Sim, mantenho a esperança porque senão não estaria aqui. Mas é uma esperança ativa. E aí volto à primeira pergunta que você me fez. Acho que digo as coisas com clareza e isso magoa algumas pessoas. Não acho que eles gostem, mas acho que se as coisas não forem ditas claramente, nunca haverá progresso. É por isso que continuo a dizê-los. Acredito nisso que é preciso falar na hora, e na hora errada, porque quando menos esperamos, o muro de Berlim cai, estruturas são demolidas e pontes são criadas. Mas você tem que insistir; você tem que estar lá com o olho onde deve estar e a palavra certa o tempo todo, para ver se podemos mudar isso.
A teóloga feminista colombiana Olga Consuelo Vélez (Reprodução | Religión Digital)
Mas você acha que pode haver salvação em uma Igreja tão clerical, tão clericalizada, tão hierárquica, onde o dinheiro reina e o poder sobre as consciências...? Às vezes você olha e fala: é impossível essa instituição evoluir. Outro dia, José María Castillo estava apresentando seu livro "Declínio da religião e o futuro do Evangelho'' e contrastou perfeitamente as duas coisas: a Igreja da religião, com o clero, com poder, com dinheiro, e a Igreja do Evangelho, que transformamos em um ritual que rezamos cinco minutos na missa todos os dias para que as pessoas acreditem que existe. O que você acha dessa análise?
Bem, o que pode ser feito, porque é uma forma metodológica de colocar as coisas em crise e nos perguntar para onde vamos. Mas também podemos ver as coisas de maneira diferente. Acredito que os leigos estão crescendo a cada dia na consciência de ser cristãos. E então, quando falamos de igreja, o que estamos dizendo? Referimo-nos à hierarquia ou também a este Espírito Santo que habita nos leigos?
Às vezes não se sabe o que diz o clero, a hierarquia, mas se vive a sua fé, o seu compromisso, a sua reflexão teológica, ensinam-no, praticam-no: Isso também é Igreja. Acho que não devemos ficar pensando que enquanto o clero não mudar, não podemos fazer nada.
Por exemplo, para o sínodo, as mulheres tiveram diferentes redes e diferentes espaços. Compartilhar, propor, explicitar tem sido muito rico. Isso nos fortalece como mulheres cristãs e independentemente do que o clero diga, ou não diga, ou deixe de nos dizer. Ninguém nos tira a consciência eclesial que já temos e os passos que estamos dando; nossas reuniões ou nossas reuniões. Isso já é "palavra de Deus" no sentido de fazer igreja. Se não querem nos ler, perdem nossa riqueza – digo 'eles' para dizer a hierarquia –. Mas continuamos a produzir e construir a Igreja. Agora esperamos que um dia eles nos leiam e então possam começar a perceber que também precisam mudar.
O fenômeno da Revolta das Mulheres na Espanha, por exemplo. Você acha que o sínodo pode ser um empurrão, nesse sentido? Não há muitas expectativas do que pode ser alcançado, do que pode sair?
Não sei. Não fui convidada para o sínodo. Eu não tenho essas estruturas.
Você pode ser. Não sabemos quem o Papa vai convidar.
Não. Porque a lista era restrita. É aquele que os episcopados lhe enviam, mas das pessoas que participaram da etapa continental. Ou foi isso que eu entendi.
Por exemplo, o Celam na América Latina organizou as conferências, que eram cerca de cinco ou seis, no palco continental. Mas quem participou? Os mesmos que o Celam convidou porque estão ligados de alguma forma; o povo da CLAR, o povo da Repam... Ou seja, aqueles que estiveram nos últimos anos com o Sínodo da Amazônia e com a atual configuração do Celam. Eles eram os convidados; aqueles que estão lá E é daí que virão as pessoas que vêm ao sínodo. E é exatamente isso que falta; que as pessoas-chave que estão nesses círculos são convidadas para essas reuniões e o povo de Deus, o povo da rua, não é convidado. O ideal seria – essas são as ilusões que se tem – que pessoas que nunca estiveram na Igreja fossem convidadas para o sínodo para que pudessem nos dizer do que se trata. Mas não é assim que acontece. Pessoas representativas estão convidadas mas que está dentro da Igreja. Então, eles vão dizer mais ou menos a mesma coisa que a gente já pensou.
Não sei como vai ser o sínodo. Mas não acho que vai sair uma coisa totalmente nova porque a mentalidade é mais ou menos o que está por aí. Mas a esperança é que a história esteja sendo criada. O que eu dizia antes: pelo menos em um sínodo, as mulheres vão votar. Pouco, mas vão votar. O que eles vão votar não sabemos. Aí está o problema.
Mas pelo menos isso será irreversível.
Na verdade, vou poder dizer: se já votaram uma vez, por que não continuam votando e por que não aumenta o círculo dos que podem votar?
Que reforma você pediria ao Papa, se tivesse a oportunidade de falar com ele? O que deve ativar com mais urgência.
Bem, eu acho que as mulheres deveriam ativá-lo, e isso já seria metade da Igreja mudando sua realidade. Eu diria isso a ele e diria a ele para acertar as coisas.
Eu tenho medo que as coisas se reflitam nas estruturas, como eu disse antes, porque então as estruturas às vezes nos oprimem. Mas se não são refletidos, também não são feitos. Então, a reforma da Cúria durou não sei quantos anos até sair o documento. Não sei se isso está se tornando realidade nesses departamentos, porque acho que tem que esperar o tempo acabar e tal.
Eu aceleraria as coisas. Eu colocaria tudo mais rápido. Claro que conhecemos todos os contratempos. Ontem li que a primeira coisa que disse o prefeito do Dicastério para a Evangelização foi expressar que era contra o sínodo alemão, que se deve colocar no caminho certo.
O prefeito do Dicastério para os Bispos, que também é latino-americano. Do Peru.
Estava pensando em um africano, mas não sei. Eu leio as notícias muito rapidamente e por isso não tenho precisão.
Acho que foi o Prevost.
De qualquer forma, agilize. Falta-me um pouco de paciência histórica para que as coisas andem devagar, e tudo com prudência e reverência. Então, eu tornaria as coisas um pouco mais simplificadas.
E o que dizem que se ele sair muito rápido, o povo de Deus não vai continuar. E que você tem que ir com esse processo lento para que seja assumido por todos... Como você vê, neste momento, que o santo povo de Deus assumiria os assuntos da mulher, como diz o Papa?
Bem, esse é o mistério da realidade humana; que é verdade que muitos dos que se opõem às mudanças, em todos os níveis, são justamente os afetados pela realidade. E eles não querem que isso mude e não veem isso. Isso é verdade, muita gente entraria em crise, sem dúvida. Mas você tem que ver como fazemos essa tensão dialética.
É o que está sempre em jogo. Em outras palavras, tente esticar tudo o que você sabe que vai ser cortado. Essa é a cruz de Cristo. Ou não? Jesus, em determinado momento, permanece fiel ao que vê e por isso ganha a cruz. E ainda estamos crucificados. Mas agora nos tornamos tão prudentes e vamos tão devagar que não sei se vamos viver a cruz de Cristo.
Não sei. Vejo que a Igreja é cheia de prudência, parcimônia, cheia de lentidão. Não me refiro apenas à hierarquia, mas também aos grupos da Igreja, às paróquias... E é verdade que quando tentam mexer em alguma coisa, há uma crise... Bem, creio que a crise deve ser enfrentada.
Você acabou de participar de um congresso de mariologia em Valência. Como você percebeu, pelo menos um pouco, a realidade da Igreja espanhola, da Igreja de Valência?
É muito pouco tempo para ter uma opinião. Acho muito interessante o fato de realizar o Congresso e ter um painel sobre diferentes confissões religiosas, porque traz falar da figura de Maria de outras tradições, que sempre foi um obstáculo. Isso foi positivo, por exemplo. E o esforço de realizar um congresso teológico antes de um evento de, parece-me, embora fale sem muito conhecimento, religiosidade mais popular, como a Virgen de los Desamparados. Acho que são passos à frente.
Agora, sinto que, em todo caso, nossa Igreja hierárquica é formal e acredito que na Espanha sejam mais formais. Eu já participei de alguns congressos e pela saudação, pela forma como eles se posicionam, eu acho tão formal... Aliás, uma vez eu vim a um congresso, há muito tempo, e metade das pessoas me disse "como é maravilhoso, o que você disse, como é corajoso...", tudo isso. E outras pessoas ficaram chocadas por eu não ter sido formal. Não ter lido pacificamente e falar assim, espontâneo. No Congresso parece que tem que ser lido e, ainda por cima, não é preciso sair do que já sabemos.
Neste congresso de Valência perguntei, a certa altura: "se num congresso não levantamos coisas para pensar, porque é que temos um congresso? Para repetir as aulas de teologia, que já conhecemos, e os livros clássicos? Bem, pois isso não me parece um congresso. Para isso, damos o livro a ele e pronto”.
Acho que um congresso é para fazer perguntas, para debater, para fazer perguntas. Não quer dizer que todo mundo pensa igual, mas pelo menos levanta questões.
Então, o que eu valorizo desse congresso? Algumas questões podiam ser levantadas, mas, por outro lado, havia também uma parte, da teologia clássica, que se repetia sem maiores questionamentos. Ainda assim, como esforço é válido. Agora, isso não me dá para saber como é a Igreja espanhola. Fica fora de controle e seria ousado dizer qualquer coisa.
Conte-me sobre a Igreja colombiana, que você conhece melhor. Como está neste momento, depois de uma fase de clara involução nos pontificados anteriores? Você está caminhando, está se juntando a este processo de reforma aberto em Roma, ou ainda está longe?
Acho que ele está se esforçando para caminhar um pouco mais e, talvez, o que ajuda a Igreja colombiana é que a realidade de nosso país, a realidade sociopolítica, tem confrontado uma parte do episcopado com essa urgência de construir a paz. Com esta urgência de apoiar as vítimas. Ultimamente tenho ouvido do episcopado uma postura muito mais comprometida com o povo, muito mais em defesa do povo. E acho que isso tira aquele ar de clericalismo, por assim dizer. Tira esse ritualismo e permite começar a ver um rosto da Igreja mais encarnado na realidade. Isso me dá esperança para a Igreja colombiana, mas não tira o fato de que, em todo caso, a estrutura, quem pode tirar isso tão facilmente?
Com Petro, como estão os bispos? Um governo de esquerda que luta pela paz, que quer alcançar a paz total. Aí, tem ajuda da igreja, ou simplesmente porque é da esquerda, a gente atrapalha?
Honestamente, não posso responder com conhecimento de causa. Mas, logicamente, nas pequenas coisas que tenho ouvido por aí, há dúvidas. Que se pode ser criticado, 'Petro nunca chega na hora'. Que é verdade; Não sei porque tem problemas com o relógio. Em outras palavras, é difícil para a Igreja fazer essa mudança porque nunca foi assim, como acontece com muita gente na Colômbia: aceitar que é possível.
Petro é um homem que está no Senado há mais de 30 anos. Ele é um político sério. Não alguém que acabou de aparecer. Mas aceitar que podemos incluir vozes que pensam de forma diferente em nossa sociedade... esse é um processo muito difícil. E a Igreja oficial e os católicos mais oficiais – não sei como chamá-los –, ou seja, os de grupos mais educados, estão fora de lugar. Isso tem deslocado o cristianismo como sempre.
Mas, claro, como também temos um cristianismo mais básico, mais latino-americano, bom para esse cristianismo acredito que o Petro seja uma esperança e uma possibilidade de ter uma narrativa diferente do nosso país. Pensar nas vítimas, pensar nos pobres e assim por diante.
Creio que há prudência, que não se opõem, longe disso, mas sim de dentro, porque para muitos bispos isto é um sapo que se deve engolir. E alguns não necessariamente o fazem e criticam explicitamente. Mas não posso falar em nome da Igreja colombiana porque não estou envolvido, não sou amigo dos bispos para saber o que eles dizem e pensam todos os dias. Eu colaboro em algo, mas...
Segundo Consuelo, o episcopado colombiano está adotando uma postura muito mais comprometida com o povo (Reprodução | Religión Digital).
Você acha possível que, de uma vez por todas, consiga a paz na Colômbia?
Vejamos, alcançar a paz de uma vez por todas não se consegue em lugar nenhum, no sentido de que enquanto houver pessoas, pessoas, estaremos sempre atentos a alcançar a paz. Acredito que o esforço que está sendo feito vale a pena e que é o caminho possível. E se não formos por este caminho, vamos continuar condenados à guerra, que é o que muitos querem. E muitas pessoas da igreja. Mas usamos essa tática há 50 anos e não funciona.
Acredito que apostar no diálogo, apostar no acordo, apostar em tentar realizar todos esses processos, com tantos atores diferentes que temos que desestabilizam a tranquilidade do país, é um esforço gigantesco, mas acredito que devemos apoiá-lo e que devemos continuar a fazê-lo. Teremos falhas? Sim. Teremos contratempos? Sim. Mas teremos progresso; O acordo de paz assinado com as FARC foi um avanço para mim, porque o acordo foi feito com um grupo. Que há dissidentes desse grupo, claro, porque quem fica ileso o tempo todo?
Então, para mim é uma esperança falar de paz total e dos esforços que estão sendo feitos. O atual comissário de paz foi meu colega de Teologia quando éramos jovens e eu o vi toda a sua vida comprometido com essas causas. E não digo que ele não vai errar, mas digo que o esforço dele para construir esse novo momento da Colômbia está aí.
O Papa ainda está lá, ajudando nesse processo de paz, certo?
Creio que o Papa sempre, e na visita que os bispos lhe fizeram, que foram em dois grupos, lhes disse, com todas as cartas, apoiem a paz, por favor. Não sei como disse, mas a mensagem que trouxeram é que o Papa continua apoiando qualquer processo de paz, e que a realidade da Colômbia tem esperança, mas precisa do apoio do mundo inteiro. Só faltaria que os cristãos não.
Eu acho que o Papa continua nessa linha, ele precisa ser ouvido, porque então chegamos à realidade e as mentalidades não mudam tão facilmente. Quando algumas pessoas sempre viram o mundo como um confronto entre guerrilheiros, entre mocinhos e bandidos, é muito difícil sair e construir horizontes de diálogo. Mas creio que as conquistas que temos também nos convidam, sobretudo quando se vê verdadeiramente a partir da sua fé, e devemos continuar a apostar num mundo e num país onde os pobres têm prioridade, onde a paz é uma tarefa. Não que seja definitivamente alcançado, mas é uma tarefa que podemos fazer.
E acho que há esperança. O que acontece é que tudo depende de onde você ouve as coisas. Você ouve as notícias de um lado e seu coração realmente se ilumina de esperança e com as conquistas que são feitas. Mas você coloca alguma notícia oficial ou ouve algumas pessoas de uma linha que sempre foi contra esses movimentos populares e sociais, então alguém diz, não, a Colômbia já está à beira de voltar à guerra e fracassar como nação. É hora de se deixar encher de esperança.
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