Trabalho voluntário de pesquisadoras da USP e outras universidades ajuda pessoas negras, indígenas e periféricas a ingressarem na pós-graduação; projeto atende anualmente mais de 100 estudantes
Texto: Gustavo Roberto da Silva
Arte: Carolina Borin Garcia
O Instituto Itéramãxe se define como um coletivo-quilombo majoritariamente negro, feminino e oriundo de bairros periféricos, que visa a apoiar e elaborar iniciativas em busca de uma universidade mais plural. “O nome Itéramãxe vem da palavra Iteramosè do iorubá, que significa perseverar e resistir. Persistir, resistir e perseverar são coisas que as pessoas que fazem parte desses grupos têm que fazer o tempo inteiro”, diz Alessandra Garcia, fundadora e coordenadora organizacional geral do Itéramãxe.
A principal atuação do Itéramãxe é voltada à continuidade dos estudos universitários, preparando as pessoas dos grupos minoritários para os processos de pós-graduação. O projeto apoia diversidades de ideias e de pesquisas a partir do ingresso de grupos ditos minoritários na pós-graduação, sendo estes compostos por pessoas negras, quilombolas, indígenas, LGBTQIAPN+ e com Deficiência, que tiveram suas trajetórias na educação comprometidas por desigualdades estruturais.
“O coletivo surgiu da minha própria dificuldade. Quando fui entrar na USP vi o quanto era difícil essa questão de não ter um conhecimento acadêmico mais privilegiado. Tive que estudar sozinha, fazer projeto sozinha, estudar proficiência sozinha, sem ter conhecimento nenhum. Através de tudo isso pensei em fazer alguma coisa que ajudasse pessoas negras, indígenas, LGBT+ a passar por esse processo”, conta a coordenadora.
Alessandra é advogada de formação e atualmente integra o Núcleo de Estudos das Diversidades, Intolerâncias e Conflitos (Diversitas), como mestranda no Programa de Pós-Graduação em Humanidades, Direitos e Outras Legitimidades da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Além da atuação no coletivo, a pesquisadora também faz parte da banca de heteroidentificação da Fuvest e do Enem na USP.
Alessandra Garcia - Foto: Arquivo pessoal
A advogada conta que a iniciativa começou com pequenas mentorias, que foram oferecidas para cerca de dez pessoas com a ajuda de um colega, que mentorava metade dos participantes. Ao fim da primeira experiência, Alessandra viu a aprovação das cinco pessoas que auxiliou e percebeu que sua metodologia de acolhimento era um dos principais fatores para isso. “Não adianta você apenas jogar metodologias para as pessoas porque elas vão entrar em desespero, elas nunca viram essas coisas! Então a questão do acolhimento é sobre acompanhar as pessoas de perto”, afirma.
Dentre as aprovadas, três mulheres foram convidadas por Alessandra para atuar no projeto, dessa vez como mentoras. Ao aceitar, se juntaram a outras cinco voluntárias para atender 32 pessoas. “Começamos a nos reestruturar e outras pessoas conheceram nossa mentoria. Tive um parceiro que entendia muito de metodologia e achou o projeto lindo, então ele também entrou e o negócio foi crescendo. Nesta segunda mentoria houve um novo processo seletivo do Diversitas e, das 54 vagas, colocamos 13 da nossa mentoria”, diz a coordenadora.
Atuação do coletivo
Hoje o coletivo é composto de uma rede de alunos e pesquisadores da USP e de outras instituições, sendo muitos deles ex-estudantes auxiliados pelo próprio programa de mentoria do Itéramãxe. “Temos essa filosofia de um retornar para o outro o que recebeu. Então muitas pessoas voltam ao projeto para atuar como mentores. E não é uma coisa obrigatória, as pessoas se sentem tão acolhidas que acabam voltando”, diz Alessandra.
A mentoria oferecida pelo Itéramãxe é dividida em ciclos de oficinas repartidos em três fases. A primeira fase é dedicada aos ciclos de metodologias de pesquisa e elaboração de projetos, com a intenção de auxiliar na construção de um trabalho de pesquisa desde o início; a segunda fase se dedica aos ciclos de formação teórica e às oficinas de apresentação de projetos, buscando estabelecer uma bibliografia básica e auxiliar nos métodos de apresentação; por fim, a terceira fase visa a familiarizar os participantes ao ambiente de provas, com dicas e simulados dos processos seletivos, incluindo provas dissertativas e de linguagem.
“O que a gente faz não é uma orientação tradicional, mas sim o que chamamos de ‘orí-entação’. Em iorubá a palavra orí quer dizer cabeça, você precisa de uma cabeça pensante, que tenha perspectivas. A gente se preocupa muito com a questão de aproximar a linguagem acadêmica, reduzindo questões eurocêntricas, para as pessoas entenderem que existem autores negros, indígenas, que estão fora desse eixo tradicional da academia”, ressalta a coordenadora. O projeto também oferece oficinas de idiomas, preparando os estudantes para provas de proficiência.
O ciclo 2022-2023 do Itéramãxe está em andamento, com 32 mentores atendendo 152 pessoas. É o segundo ano que o coletivo consegue atender mais de 100 pessoas interessadas em ingressar na pós-graduação. Dentre os inscritos, as mulheres cis formam maioria no quesito gênero (71,7%); pessoas negras constituem maioria no quesito de cor e raça (93,5%); e pessoas com renda familiar de até dois salários mínimos compõem a maioria no quesito renda (46,7%). Ingressar em um mestrado é o objetivo de 90% dos inscritos.
Infográfico: Carolina Borin Garcia/Jornal da USP
A coordenadora ressalta que, para além das políticas de inclusão nos programas de pós-graduação, as universidades precisam reforçar as ações afirmativas para a contratação de professores. “O estudante se reconhecer dentro da universidade é algo muito importante. Tem pessoas que entram na universidade e entram em pânico, são muitas diferenças nas trajetórias de vida. As pessoas se sentem mal pelo orientador muitas vezes não entender a sua linguagem. Então essa questão de política de inclusão dentro do próprio corpo docente da universidade é algo muito importante. Ter uma universidade diversa faz com que a linguagem dela seja diversa e você vai acabar conseguindo atender muito mais pessoas”, ressalta Alessandra.
Gratidão
O coletivo possui um mural de despedidas e agradecimentos, onde as pessoas que participaram do projeto relatam sua importância. Os relatos também são compartilhados nas redes sociais:
Atualmente o coletivo possui uma parceria formal com a Universidade Federal do ABC (UFABC) e atende pessoas da USP e outras universidades. Também há outros tipos de parcerias, com diferentes instituições, como a Casa das Marias, a Associação de Pós-Graduandos Helenira ‘Preta’ Rezende, da USP Capital, a Terapeuta Renilda Gonçalves e o grupo Coletivos Negros da USP.
Alessandra adianta que o crescimento faz parte dos planos do coletivo, que deseja se tornar autossustentável. “Estamos nos tornando pessoa jurídica, para que a gente consiga participar de editais e consiga sustentar o coletivo porque realmente virou algo muito grande”, afirma.
Além da atuação direta com os ciclos de mentoria, o Itéramãxe atua por meio das suas redes sociais divulgando dicas, posicionamentos e compartilhando experiências com seus seguidores. Neste ano o coletivo lançou um podcast intitulado Griot, que explora a contribuição histórica de grandes figuras negras e indígenas para a sociedade. Também foi produzido um calendário do ano de 2023 exaltando grandes personalidades e relembrando datas importantes para estes grupos.
Acompanhe o Itéramãxe:
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