Quase lá: Congresso patina no combate ao trabalho escravo

No último dia 28, foi celebrado o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo. A data foi escolhida em homenagem às vítimas da Chacina de Unaí, em 2004. Nesta semana, um dos condenados pelo episódio, que culminou no assassinato de auditores do trabalho e um motorista, foi preso pela Polícia Federal, em Campo Grande (MS)

Foto: Arquivo Marcelo Casal Jr./Agência Brasil

 

 

A reportagem é de Pedro Sales, publicada por Congresso em Foco, 18-02-2024.

A despeito do simbolismo da data e do episódio, o Congresso Nacional caminha a passos lentos para legislar sobre o assunto. Desde 2003 os parlamentares não aprovam uma lei que endureça o combate ao trabalho escravo ou que beneficiem as vítimas. Repousam nas gavetas da Câmara e do Senado projetos que preveem penas maiores para os criminosos, e outros que visam a resguardar direitos para as vítimas. Mesmo com dados assustadores a respeito da prática desse tipo de crime no Brasil, o tema não avança na pauta legislativa.

Segundo dados da Coordenação-Geral de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Análogo ao de Escravizado e Tráfico de Pessoas (CGTRAE), do Ministério do Trabalho e Emprego, o Brasil registrou em 2023 o maior número de resgatados em condições análogas à escravidão em 14 anos. No último ano, foram resgatadas 3.190 pessoas. Em 2009, eram 3.765 trabalhadores.

A coordenadora do GT de Combate à Escravidão Contemporânea da Defensoria Pública da União (DPU), Izabela Luz, explica que esses dados e o aumento do número de resgatados “têm muitos fatores”, como a pandemia e a fiscalização.

“Na economia brasileira pós-pandemia, a pobreza aumentou, muitas famílias catando lixo na rua, trocando o trabalho por um prato de comida, o que contribuiu para o aumento de trabalho análogo à escravidão. Outro fator interessante é a evolução da fiscalização, hoje a gente tem a tecnologia na nossa mão. Em uma semana a gente fiscaliza cinco denúncias, houve aumento da qualidade de fiscalização”, aponta.

Expropriação das terras

Ao todo, existem ao menos quatro projetos de lei no Congresso que regulamentam a expropriação de propriedades rurais e urbanas onde for localizada a exploração de trabalho escravo. Na Câmara estão os PLs 978/2023 e 1102/2023, de autoria da bancada do Psol e da deputada Reginete Bispo (PT-RS), respectivamente. Os dois projetos, no entanto, foram apensados, isto é, juntados ao PL 777/2023, por tratarem do mesmo tema.

No Senado, o PL 1678/2021, de autoria de Rogério Carvalho (PT-SE) e Paulo Paim (PT-RS), está na Comissão de Direitos Humanos. Já o PL 5970/2019, de iniciativa do líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), está mais avançado na Comissão de Assuntos Sociais. Ambos os textos defendem que donos de propriedades onde sejam identificados trabalhos análogos à escravidão tenham seus terrenos expropriados.

Pena para empregadores

O PL 5016/2005, do ex-senador Tasso Jereissati, tramita há quase 20 anos no Congresso. O texto, que está na Câmara, aumenta penalidades para o trabalho escravo. Além de alterar dispositivos do artigo 149 do Código Penal, propondo pena de cinco a dez anos de reclusão e pagamento de multa, o texto reforça que “serão apreendidos equipamentos e instrumentos empregados no trabalho escravo, ou em condição análoga, e os produtos dele resultantes”.

Atualmente, o PL tramita com outros 46 projetos apensados a ele, incluindo o PL 777/2023, que trata da expropriação de terras. Neste mês, a fim de acelerar a tramitação da proposta, o deputado Marangoni (União Brasil-SP) protocolou requerimento para abertura de uma comissão especial para analisar a matéria.

“Vale ressaltar que em 18 de dezembro de 2019 houve publicação de Ato da Presidência para criação da Comissão Especial para que a proposição e seus apensados fossem analisados por uma comissão especial, a qual não fora constituída”, justifica o parlamentar.

Cassação do CNPJ

O PL 7946/2017, de autoria do ex-deputado Roberto de Lucena, propõe que empresas que fizerem uso direto ou indireto de trabalho escravo ou análogo ao de escravo terão sua inscrição no CNPJ cancelada, e seus dirigentes ficarão impedidos de atuarem no mesmo ramo de atividade pelo período de dez anos. A penalidade também vale para empresas que adquirirem produtos oriundos do trabalho escravo tendo conhecimento da origem.

A matéria está na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados e aguarda apenas ser colocada em pauta. O relatório do deputado Diego Garcia (Republicanos-PR) não recebeu nenhuma emenda e atestou a constitucionalidade da proposta.

Crime hediondo

De autoria do senador Randolfe Rodrigues, o PL 4371/2019 estabelece que reduzir alguém à condição de trabalho análogo à escravidão será crime hediondo. “Dessa forma, quando houver o desrespeito aos direitos dos trabalhadores, violando sua dignidade e liberdade, estará caracterizado o trabalho degradante, consequentemente considerado crime hediondo”, aponta o senador.

Desde 21 de dezembro de 2022, o texto está na Secretaria de Apoio à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado aguardando a designação de relator para a proposta.

Seguro-Desemprego

Considerada uma das propostas com mais chances de ser aprovada, o PL 3168/21 amplia o seguro-desemprego para vítimas de trabalho escravo de três para seis parcelas do benefício. O autor do projeto, deputado Carlos Veras (PT-PE) explica ao Congresso em Foco que a ampliação é fundamental para garantir segurança aos resgatados.

“O período de apenas três meses, hoje restrito aos resgates de trabalho escravo, muitas vezes não dá conta da realidade e fragiliza o adequado amparo à vítima, pois, em muitos casos, sua recolocação em um posto de trabalho decente demanda um prazo maior”.

O relator do parecer na Comissão de Tributação e Finanças (CFT) da Câmara, deputado Paulo Guedes (PT-MG), disse à reportagem que “ainda está trabalhando na questão do relatório”. Ele afirmou, no entanto, que vai continuar na relatoria e na comissão. Segundo o parlamentar, ainda é cedo para afirmar se o projeto estará em pauta neste ano. Caso seja aprovado, o texto vai à CCJ.

“Nós temos um país dividido que demanda a defesa dos direitos humanos e dos direitos do poder econômico. As fiscalizações do trabalho escravo continuaram de uma forma menor [no último governo]. Ainda enfrentamos isso, a sociedade brasileira finge que não vê ou não quer ver [trabalho escravo]”, explica Izabela Luz.

Ainda de acordo com a defensora pública, além de impor dificuldades no próprio combate, os diferentes interesses também impactam o avanço de projetos de lei que visam enfrentar o trabalho análogo à escravidão no Congresso. O último avanço na questão, por exemplo, foi com a Lei 10.803/2003, que altera o artigo 149. “As empresas não são interessadas em fortalecer esses projetos, estamos andando contra a maré”, desabafa.

Em números absolutos, o Brasil está em 11º lugar no ranking mundial do Índice Global de Escravidão, da organização de direitos humanos Walk Free, que analisa a situação de 160 países. Estima-se que 1.053.000 pessoas vivam em um cenário de escravidão contemporânea no país. A escravidão contemporânea abrange uma série de fatores, como trabalho forçado, a escravidão por dívida, o casamento forçado, práticas de escravidão e análogas à escravidão e tráfico de pessoas.

Leia mais

fonte: https://www.ihu.unisinos.br/636626-congresso-patina-no-combate-ao-trabalho-escravo

 


Artigos do CFEMEA

Coloque seu email em nossa lista

lia zanotta4
CLIQUE E LEIA:

Lia Zanotta

A maternidade desejada é a única possibilidade de aquietar corações e mentes. A maternidade desejada depende de circunstâncias e momentos e se dá entre possibilidades e impossibilidades. Como num mundo onde se afirmam a igualdade de direitos de gênero e raça quer-se impor a maternidade obrigatória às mulheres?

ivone gebara religiosas pelos direitos

Nesses tempos de mares conturbados não há calmaria, não há possibilidade de se esconder dos conflitos, de não cair nos abismos das acusações e divisões sobretudo frente a certos problemas que a vida insiste em nos apresentar. O diálogo, a compreensão mútua, a solidariedade real, o amor ao próximo correm o risco de se tornarem palavras vazias sobretudo na boca dos que se julgam seus representantes.

Violência contra as mulheres em dados

Cfemea Perfil Parlamentar

Direitos Sexuais e Reprodutivos

logo ulf4

Logomarca NPNM

Cfemea Perfil Parlamentar

Informe sobre o monitoramento do Congresso Nacional maio-junho 2023

legalizar aborto

...