Quase lá: Mulher, mãe e cientista: o que ainda falta para as pesquisadoras chegarem ao topo?

Para lembrar o Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência, pesquisadoras comentam os avanços e dificuldades da produção científica feminina na carreira acadêmica

 

 

Publicado: 09/02/2024 - Jornal da USP

Texto Camilly Rosaboni*

Mulher cientista analisando DNA de vírus – Foto: DC Studio/Freepik

Implementado no dia 11 de fevereiro pela ONU, o Dia Internacional de Mulheres e Meninas na Ciência relembra aquelas que fizeram história no caminho do conhecimento, mesmo diante de cenários marcadamente machistas. Ada Lovelace, a primeira programadora de computadores; Marie Curie, autora da descoberta dos elementos rádio e polônio; Enedina Alves Marques, a primeira engenheira negra do Brasil e uma das responsáveis pelo Plano Hidrelétrico do Paraná são alguns nomes de destaque. 

Em comemoração, pesquisadoras da USP refletem sobre os avanços e dificuldades de se produzir ciência sendo mulher, mãe, dona de casa, esposa, e tantos outros papéis tidos como femininos na sociedade. “A data serve para trazer a lembrança e chamar a atenção da população. Se conseguirmos alcançar uma ou duas meninas, já fizemos nosso trabalho”, afirma Susana Inés Torresi, pró-reitora adjunta de Pesquisa da USP.

Para Michelle Barão, pós-doutoranda em Farmácia na USP, a data possibilita refletir sobre as diferentes oportunidades dadas para homens e mulheres em diferentes áreas. “Apesar da ciência ser um campo em que sua produção transparece isenção dos sujeitos que a fazem e certo distanciamento para não interferir nos resultados, conclusões e achados, ainda encontramos falta de oportunidades para as mulheres, cerceamento daquelas que engravidam e têm filhos, e condutas machistas que menosprezam a inteligência e potencialidades de cientistas,  pesquisadoras, professoras e estudantes. Vemos menos mulheres nos cargos mais altos da produção científica. Precisamos incentivá-las na construção da ciência, com debates e políticas que minimizem cada vez mais essas questões”, afirma a pesquisadora.

Susana Torresi – Foto: Arquivo pessoal

Equilibrar demandas familiares

Durante sua formação em Ciências Químicas, Susana se deparou com a redução do número de mulheres de acordo com o avanço na carreira acadêmica. “Ao discutir gênero na ciência, você não pode deixar de considerar questões como a maternidade”, afirma Susana. “Quando se indica o nome de alguma mulher, é bastante comum perguntar se ela vai poder, porque tem filhos. Isso não acontece com homens, já que se subentende que outro alguém vai estar cuidando”, complementa.

Michelle Barão – Foto: Arquivo pessoal

Além do conhecido telhado de vidro – situações “invisíveis” que impedem o crescimento da mulher na carreira -, outro conceito explica o apagão de mulheres no topo da carreira: o labirinto de cristal. Proposto pela analista em Ciência e Tecnologia do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) Betina Stefanello Lima, o labirinto de cristal indica obstáculos que ocorrem ao longo de toda a trajetória acadêmica e profissional exclusivamente da mulher.

Esse problema é recorrente no contexto brasileiro. Em dezembro de 2023, a cientista social Maria Carlotto teve seu pedido de bolsa de Produtividade em Pesquisa negado pelo CNPq, com a justificativa de que sua gravidez teria atrapalhado sua carreira. “Na prática, o CNPq me incentivou a submeter um projeto pós-licença maternidade e me submeteu, depois, a uma violência de gênero”, afirmou a pesquisadora em suas redes sociais.

Em artigo para a seção Visão de Mundo, da revista Nature, a bióloga e fundadora do projeto Parent in Science Fernanda Staniscuaski afirmou que a experiência de Maria Carlotto ilumina a hostilidade do sistema acadêmico não apenas para as mães, mas também para pessoas com responsabilidades de cuidados; pessoas com deficiência ou doenças crônicas. A autora lembra que fatores como raça e etnia amplificam as disparidades. “A fixação numa ideia estreita de sucesso conduz frequentemente ao esgotamento, a problemas de saúde mental e ao abandono de carreiras promissoras”, ressaltou.

Segundo a pró-reitora adjunta, foi por essa razão que a Pró-Reitoria de Pesquisa e Inovação (PRPI) criou o Prêmio USP Mães Pesquisadoras, a fim de reconhecer os trabalhos feitos por mães docentes, graduandas, pós-graduandas e pós-doutoras. “O símbolo do prêmio é uma balança, justamente para significar o equilíbrio que a mãe pesquisadora precisa ter diante de suas múltiplas jornadas diárias”, conta Susana. As inscrições para a edição 2024 do Prêmio USP Mães Pesquisadoras estão abertas até 4 de março. (Saiba mais)

Elas podem!

Susana acredita que as mulheres devem tomar iniciativas para batalhar por espaço na sociedade, apesar do medo de repressão. “No Instituto de Química da USP muito se fala que, desde sua criação, nunca houve uma diretora mulher, mas eu mesma nunca vi uma candidata mulher”, lamenta. Segundo ela, as mulheres podem ter medo de sofrer discriminações veladas, como entrar em uma discussão científica e não receber o devido crédito por ser mulher. 

Para a pró-reitora adjunta, é preciso ter uma consciência feminina de que as mulheres podem adentrar os espaços que quiserem. “Eu não acredito que seja falta de incentivo. Mesmo se ninguém disser que falta uma mulher em determinado cargo, você deve ir lá e dizer ‘eu quero ser desse cargo’”, exemplifica. 

*  Estagiária sobre supervisão de Tabita Said


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