Desde que Guarani Kaiowá retomaram área em 13 de julho, fazendeiros balearam um indígena e acamparam metros à frente.
IHU
A reportagem é de Gabriela Moncau, publicada por Brasil de Fato, 23-07-2024.
Na noite desta segunda-feira (22), indígenas Guarani Kaiowá viveram mais uma cena de terror em Douradina (MS). Dezenas de caminhonetes com cerca de 100 fazendeiros acenderam os faróis em direção à retomada de uma área ancestral da Terra Indígena (TI) Panambi-Lagoa Rica, ameaçando um ataque. Os indígenas retomaram o território, sobreposto pela fazenda de Cleto Spessatto, no último 13 de julho. A TI já foi reconhecida e delimitada, mas está com o processo demarcatório estagnado desde 2011.
Desde a ocupação desta parte do território, os Guarani Kaiowá sofreram um ataque no qual um indígena foi baleado na perna. A tensão é permanente, com um acampamento de produtores rurais a poucos metros da retomada.
"Essa é nossa área. Somos indígenas Guarani Kaiowá e há centenas de anos esperamos a demarcação da nossa terra", afirma uma das lideranças da retomada. "Aqui está cheio de ruralistas. Falam que somos invasores. Não somos invasores. Somos a natureza da terra. Essa aqui é nossa fonte", destaca.
"Eles mataram, massacraram, derramaram sangue do nosso povo indígena Guarani Kaiowá. E nesse ano de 2024 continua essa problemática. Precisamos de mais segurança. Eles estão armados ali", alerta a liderança Kaiowá. "Não queremos briga, só queremos a nossa terra. Até agora nada foi resolvido. Então estamos ocupando e daqui ninguém sai porque essa área é nossa. Não estamos aqui para brincar", ressalta.
A Aty Guasu, Grande Assembleia Guarani Kaiowá, "pede socorro" e afirma que os indígenas estão "sob ataque". Em nota, denuncia que "fazendeiros estão destruindo barracas na retomada Panambi". "Fazendeiros roubam nossas terras, roubam nossos objetos e utensílios. Queremos justiça", diz a Aty Guasu.
De acordo com o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), as comitivas do Ministério dos Povos Indígenas "e as tentativas de negociação com proprietários e políticos locais para a interrupção das hostilidades" não têm sido suficientes.
"Não houve a presença de um aparato mais sólido do Estado em busca de soluções reais – e até mesmo a ida às regiões de autoridades públicas com peso político. A atuação da Força Nacional é criticada", salienta o Cimi.
"O bambu vai envergar", diz fazendeiro
Um vídeo que circula pelas redes sociais mostra a cena da noite desta segunda-feira (22). A filmagem é feita por um homem que está ao lado das caminhonetes enfileiradas. "O bambu vai envergar", diz o autor do vídeo: "Vamos avançar. Todo mundo se organizando aí para o grande conflito. Lá está (sic) os índios".
"Pollon está chegando com a liderança aí. Vamos chegar para cá, vamos chegar", convoca o homem. Ele se refere ao deputado federal Marcos Pollon (PL-MS). Em seu perfil no Instagram, o parlamentar postou vídeos na vigília de fazendeiros, confirma que a fazenda sobreposta à terra indígena é do agropecuarista Cleto Spessatto e diz que os "supostos indígenas" estão "causando o terror".
O Brasil de Fato entrou em contato com o deputado pedindo uma posição sobre a situação e os ataques aos indígenas no Mato Grosso do Sul. Não houve resposta até o fechamento desta matéria, mas o espaço segue aberto caso o fundador do movimento Proarmas queira se manifestar.
A reportagem também procurou Cleto Spessato. O seu consultor contestou a tese de que a terra é indígena e teria sido invadida por fazendeiros. "Todos aqui têm documento", afirmou. Declarou, ainda, que a escritura é do tempo de Getúlio Vargas. Foi justamente na década de 1940 que o Estado brasileiro expulsou os indígenas de seus territórios no Mato Grosso do Sul para confiná-los em reservas.
A retomada no município de Douradina é uma de outras 12 que foram atacadas por fazendeiros apenas no mês de julho. Além do tekoha Kunumi, na cidade de Caarapó (MS), conflitos acontecem neste momento contra os povos Kaingang e Guarani Mbya no Rio Grande do Sul, Avá-Guarani no Paraná, Parakanã no Pará e Anacé no Ceará.
Leia mais
- Cimi lança o Relatório Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil: “Assumirmos a causa indígena como a causa da Igreja”
- Ministério da Justiça confirma que está sem declarar novas terras indígenas devido à indefinição sobre marco temporal
- Comunidades Kaingang, Avá-Guarani e Kaiowá são atacadas em três estados neste final de semana
- Guarani Kaiowá é baleado em ataque contra retomada na Terra Indígena Panambi – Lagoa Rica, no Mato Grosso do Sul
- “Ofensiva final contra os povos indígenas”. Destaques da semana
- Relator da ONU afirma que Lei 14701 viola direitos dos povos indígenas e apela ao STF por suspensão de aplicação
- PEC 48 e marco temporal são atacados pelos povos indígenas na ONU: “Congresso brasileiro está contra nós”
- Em novo capítulo sobre o marco temporal, PEC 48/2023 entra em discussão e pode representar ponto final a favor da tese
- Ruralistas avançam com a PEC 48, o “Marco da Morte”, no Senado
- CCJ do Senado adia votação da PEC do marco temporal
- Alcolumbre pauta na CCJ do Senado PEC que institui o marco temporal
- O marco temporal não saiu de pauta
- Alcolumbre cancela trecho de MP sobre demarcação de terras indígenas
- Apib discute recusar participação em audiências de conciliação sobre marco temporal determinadas por Gilmar Mendes
- Indígenas do “Levante pela Terra” publicam Manifesto cobrando demarcações e fim definitivo da lei do marco temporal
- Em marcha, indígenas denunciam favorecimento do agro pelo governo Lula e cobram demarcações
- Por que a demarcação de Terras Indígenas não avança? Entenda
- O genocídio dos povos indígenas. A luta contra a invisibilidade, a indiferença e o aniquilamento. Revista IHU On-Line, N° 478
- Após apoio a Lula nas eleições, Apib promete aumentar cobranças ao governo
- Raoni cobra demarcações a Lula
- Apib pede que Supremo acelere a derrubada do marco temporal
- Guarani Mbya retomam território no município de Viamão (RS) e cobram demarcação de terras indígenas
- Na Constituição brasileira não existe um “marco temporal” para a demarcação das terras indígenas. Artigo de José Geraldo de Sousa Junior
- Funai recua em novos pedidos de demarcação após aprovação do marco temporal
- Fachin suspende ações judiciais que travaram demarcação da TI Tekoha Guasu Guavira, no Paraná
- Mineradora canadense é acusada de subornar indígenas para desistirem da demarcação do território e explorar potássio na área
- Marco temporal volta ao STF com três ações diferentes e Gilmar Mendes relator; entenda
- O marco temporal não saiu de pauta
- A certeza e as dúvidas sobre o novo capítulo do Marco Temporal no STF
- Apib vai invocar o Supremo contra “Lei do Genocídio”
- Marco Temporal. Em nota, CNBB pede que seja assegurada a garantia dos territórios aos povos indígenas
- Em novo ataque a direitos indígenas, Congresso Nacional derruba maioria dos vetos de Lula ao PL 2903
- Sonia Guajajara diz que posição da Frente Agropecuária sobre lei do Marco Temporal está na contramão dos acordos climáticos
- Marco temporal: veto de Lula barrou principais retrocessos, mas pontos sancionados preocupam indígenas e indigenistas
- Ruralistas prometem derrubar vetos de Lula sobre lei do Marco Temporal para liberar transgênicos, gado e obras em terras indígenas
- Marco temporal: sem veto, lei pode ‘dizimar povos inteiros’. Congresso decide nesta quinta
- Perfil do agronegócio no Brasil. Artigo de Leandro Galastri
- “Lei do Marco Temporal” pode repetir graves violações de direitos dos povos indígenas
- Derrubada de vetos no marco temporal expõe “2 Paranás” a desmate