O documento entregue à Ministra das Mulheres foi elaborado mediante articulação com as mulheres Mbyá Guarani e suas lideranças, Kunhã Karai.
PROTOCOLO PARA A PROTEÇÃO, ANCESTRALIDADE E DIGNIDADE DAS VIDAS, CORPOS-TERRITÓRIOS E TERRITORIALIDADES DAS MULHERES INDÍGENAS MBYÁ GUARANI
Trata-se de preceitos e procedimentos a serem observados para a proteção, dignidade e integridade física e psicológica das mulheres Guarani Mbyá, em conformidade às normativas existentes para a segurança e defesa de mulheres não indígenas, mas considerando as especificidades étnico-culturais e a ancestralidade, nos seguintes termos:
Este documento anuncia os direitos e deveres a serem observados, no âmbito do território nacional, estabelecendo-se que os governos deverão assumir a responsabilidade de desenvolver, com a participação das mulheres indígenas, uma ação coordenada, vigilante e sistemática, com vistas a proteger os seus direitos e a garantir o respeito à inteireza Mbyá Guarani.
O atendimento ao protocolo deverá ter como liderança, minimamente, uma mulher Guarani Mbyá, que norteará todas as práticas e ações a serem empreendidas, no âmbito permanente e transitoriamente, em eventual situação de crise, mais precisamente:
Da Dignidade das Mulheres Mbyá Guarani
Respeito ao corpo-território e aos princípios relativos à ancestralidade e presença, na atualidade, sua conexão à cosmovisão, de forma integrada.
Do Ser e Estar
Respeito às formas de ser e aos saberes tradicionais Mbyá-Guarani, sua territorialidade livre e modo de vida caminhante, considerando que a territorialização de mulheres Guarani Mbyá deve possibilitar que elas plantem alimentos de modo tradicional e criem animais (galinhas, cães).
Do Bem Viver
Respeitabilidade aos valores, experiências e práticas coletivas e humanas no seio da organização e das confluências Guarani Mbyá, através das mulheres.
Da Espiritualidade
Manutenção das práticas imateriais e espirituais, como instrumento do bem-estar das mulheres Guarani-Mbyá, garantindo-lhes o uso do petynguá (cachimbo sagrado) para suas reflexões e seus rezos, a opy, seus cantos com coral Guarani e o fogo ancestral, no âmbito do Mbyá Rekó.
Da Alimentação
Disponibilidade e acesso de alimentos que considerem os modos de vida Guarani Mbyá, tais como arroz, farinha de milho, farinha de trigo, leite, ovos, café, carnes (frango, linguiça, carne de porco, carne vermelha, peixes), macarrão, biscoitos, erva mate, óleo, açúcar, canjica, milho para pipoca, amendoim, frutas e legumes, quais sejam: banana, maçã, manga, melancia, melão; batata doce, batata inglesa, repolho, aipim, tomate, cebola, milho verde.
Do Preparo do Alimento
Serão atendidas as especificidades dos modos de preparo de cada família, seja no fogo de chão ou fogão, para os quais deverão ser disponibilizadas lenha e gás.
Das Crianças
Será garantido o modo de vida caminhante e a permanência das crianças junto das mães, conforme a cosmovisão Mbyá Guarani, que firma a imersão no convívio das crianças com a mãe e parentes.
No RS, especialmente na capital, as mulheres Guarani transitam de seus territórios para a venda de suas artes ancestrais, a prática do Poraró, partilha de seus saberes que é reconhecida através do Decreto nº 17.581/2011, realizada em espaços públicos como expressões da cultura indígena Guarani Mbyá.
Deve ser respeitado o contato das crianças com as diferenças e com o mundo não indígena, pois é parte fundamental da prática ancestral do Poraró.
Da Habitação
O habitar indígena das mulheres Mbyá Guarani deverá garantir a permanência digna, o qual contempla as espacialidades, os itens indispensáveis para a produção dos alimentos, para dormir, para sua higiene, para o cuidado das crianças, com o fornecimento adequado e cotidiano de energia, água, internet.
Neste aspecto, deverão ser respeitadas as especificidades quanto ao habitar rural e urbano, dignificando-se os acessos, abastecimentos e a manutenção da vida.
Para fins de garantia dos direitos às mulheres, deve-se contemplar as localidades nas quais estão inseridas, às quais serão estabelecidas, nos casos de novas territorialidades, sempre que necessário, ressaltando-se o papel relevante do Centro de Referência Indígena do Rio Grande do Sul (CRIA/RS), para o encontro, a partilha, a proteção e trânsitos das mulheres Mbyá Guarani.
O CRIA/RS é reconhecido como um território ancestral em retomada e um importante espaço de partilha e principalmente de acolhimento de mulheres que vem de diferentes localidades da região metropolitana e do Estado para a venda da arte ancestral. Sendo o primeiro centro de referência do Brasil, possibilita colocar em prática a fundamental resistência, através de ações diárias.
Da Comunicação
Garantia do suporte constante, através de canal amplo e permanente, que garanta a proteção e o sigilo das informações. Acesso a telefone e internet, permanentemente e com qualidade.
Atenção ampla e respeitabilidade da oralidade Mbyá Guarani .
Acesso a informações, de forma cuidadosa, que atente aos âmbitos da proteção e preservação dos corpos-territórios das mulheres Guarani Mbyá, para o que deverá ser garantida a efetivação da interlocução entre as mulheres e a liderança Kerexu Takuá, que estabelecerá as articulações para as políticas e ações presentes e vindouras, com base nas demandas e entendimentos Guarani Mbyá.
Elaboração de Cartilha em Guarani e tradução para o português, conjuntamente das mulheres Mbyá Guarani, contemplando suas práticas e lutas, para a efetiva garantia de direitos, a ser possibilitada mediante a articulação com órgãos governamentais e não governamentais de defesa dos direitos das mulheres indígenas.
Do Transporte
Garantir, gratuitamente, o transporte público, rural e urbano, das mulheres Guarani Mbyá e seus filhos, mediante articulação para a criação de uma política, que seja permanente, conforme demandas.
Da Arte Ancestral
A Arte Ancestral (Mba´Eapo Tenonde) faz parte do projeto da geração de renda para as mulheres e sua sustentabilidade.
Considerando-se que a venda da arte ancestral pelas mulheres Guarani Mbyá não é cotidiana e garantida permanentemente, faz-se necessário articular uma sistemática de obtenção dos insumos, que dependem, necessariamente, do local onde estão e estarão inseridas, e da disponibilidade dos mesmos.
Nesse sentido, faz-se premente, organizar o fornecimento regular dos insumos, para que possam colocar em prática seus saberes e fazeres, e garantir a estada e transitoriedade das mulheres para a comercialização de suas artes.
Os saberes e fazeres sobre as técnicas e os materiais, milenares, são trocados e perpetuados pela oralidade, e são norteados pelas mulheres mais velhas.
Consideram-se artes ancestrais:
a) Ajaka (cestos) elaborados com taquaras de várias espécies, podendo ser tingidas e com grafismos;
b) Poapyregua (pulseiras), Mboy (colares) e outros adornos, elaborados a partir de sementes nativas e miçangas, que têm a função da proteção e defesa espiritual, sendo que passaram a ser comercializados para garantir a renda das mulheres;
c) Vixo Ra´angá (esculturas de bichos), produzidos em madeira, fazem alusão à proteção dos animais silvestres, face à extinção. Em que pese a produção ser majoritariamente pelos homens, há mulheres artesãs que os produzem, devendo, portanto, ser reconhecido este fazer como parte do mbyá rekó.
Dos Animais
Deverá ser garantido o transporte, a permanência e a manutenção dos animais, através de rações e cuidados necessários, considerando-se as especificidades das espécies.
No que se refere à produção de galinhas, prática cultural Guarani Mbyá para o consumo de ovos e carne, deverá ser garantido o acesso, que permitirá a segurança alimentar e a sustentabilidade desse fazer.
Da Segurança
Nos casos de abrigo, em caráter de urgência e temporário, bem como nos territórios estabelecidos para a proteção e vivência das mulheres, não poderão, em hipótese alguma, serem abertos, devendo-se ser preservado o modo de vida Guarani, garantindo-lhes a segurança pessoal e de seus pertences, pelo Estado.
Da Saúde Física e Mental
Garantida, em primeiro plano, a segurança, deverão ser organizadas, realizadas e preservadas as práticas da saúde física e mental, com a respeitabilidade do ser-estar e a saúde das mulheres indígenas Mbyá Guarani.
Disponibilizar, conforme os regramentos da cultura das mulheres Mbyá Guarani, profissionais que possam assistir, dar o suporte necessário e os encaminhamentos.
Das Violências e Violações
Considerando-se que não há uma legislação específica quanto às práticas de violências contra as mulheres indígenas, o que deverá ser criado mediante as determinações das mulheres Mbyá Guarani. Para isso, deverá ser feito o fortalecimento e empoderamento dessas mulheres, para o que deverá ser providenciada uma política de informação e cuidado.
Da Agricultura
Faz-se indispensável a oferta e garantia de terra para a plantação de alimentos, de forma ecológica e que preserve a forma de viver Guarani Mbyá, com água potável, solo fértil e condições propícias para o manuseio da terra de forma tradicional.
Este documento foi elaborado mediante articulação com as mulheres Mbyá Guarani e suas lideranças, Kunhã Karai. Para que surta seus efeitos e se atualize, deve ser submetido à consulta ampla e participativa das mulheres, sempre que necessário.
Porto Alegre, 11 de Maio de 2024.
Veja também no Facebook em https://www.facebook.com/reel/689439493252586
Clique na imegem abaixo para ter aesso ao documento