Povos do Mato Grosso do Sul e do Paraná reivindicam que a Corte declare inconstitucional a Lei 14.701/2023, um ataque aos direitos indígenas promulgado pelo Congresso Nacional.
A reportagem é publicada por Conselho Missionário Indigenista - Cimi, 20-03-2024.
Mais de cem indígenas do Mato Grosso do Sul e Paraná se reuniram na tarde de desta quarta-feira, 20-03, junto ao Supremo Tribunal Federal - STF para realizar manifestação contra a Lei 14.701/2023 – a “Lei do Marco Temporal”. Os indígenas se concentraram na Praça dos Três Poderes, e reivindicam que a lei, promulgada em dezembro de 2023 pelo Congresso Nacional, seja declarada inconstitucional.
Os indígenas dos povos Avá-Guarani, Guarani e Kaiowá, Terena, Kinikinau e Kadiwéu desembarcaram essa semana em Brasília para demandar a demarcação de suas terras e exigir a efetivação e a garantia dos direitos territoriais reconhecidos pela Constituição Federal.
Os povos cobram que a Lei do Marco Temporal seja declarada inconstitucional pela Suprema Corte, que já decidiu sobre o tema em setembro de 2023, no processo de repercussão geral que discutiu a demarcação de terras indígenas. Na ocasião, o STF afirmou o caráter originário dos direitos constitucionais indígenas e caracterizou a tese do marco temporal como inconstitucional.
Apesar disso, ainda em setembro, o Senado Federal aprovou o Projeto de Lei 2903/2023, que teve a maior parte de seus artigos vetada pelo presidente Lula. Em dezembro, o Congresso Nacional derrubou quase a totalidade dos vetos e promulgou a Lei 14.701/2023, num ato de afronta à Suprema Corte.
A norma incorpora uma série de dispositivos que contrariam a Constituição Federal e o julgamento do STF e fragilizam direitos dos povos originários. A lei, que busca impedir as demarcações e abre terras já demarcadas para a exploração econômica, ameaça o futuro dos povos e territórios indígenas, já que uma vez em vigor, obriga o poder público a aplicá-la.
A demarcação das terras é urgente para os povos indígenas. Não à toa, as lideranças percorreram mais de 1000 quilômetros de ônibus até Brasília, em busca de respostas sobre o andamento dos processos. A maioria aguarda há vários anos a regularização de suas terras.
“Eu vim aqui para levar alguma resposta para minha comunidade. A gente está aguardando há 35 anos. Será que meu pai vai ver a demarcação desta terra?”, questionou Dionísio Guarani Kaiowá, da Terra Indígena Arroio Korá, durante reunião realizada na tarde segunda-feira, 19-03, com a equipe da Diretoria de Proteção Territorial da Fundação Nacional dos Povos Indígenas - Funai.
A demora na demarcação de suas terras acirra ainda mais os conflitos em seus territórios. “A gente já está cansado de vir aqui [em Brasília], de ser perseguido, atacado, baleado por essa demora. Por isso, viemos atrás dessa resposta, porque a gente sabe que essa lei que tá aí, a 14.701, é inconstitucional”, bradou Simão Guarani Kaiowá, liderança da Aty Guasu também presente na reunião.
Para Samanta, do povo Terena, “não há lei que nos impedirá de reivindicar os nossos direitos, porque a nossa lei maior é a Constituição de 1988. O nosso marco é ancestral”, afirmou. Ao longo da semana, os indígenas devem percorrer uma série de outros órgãos dos poderes Executivo e Judiciário em busca de respostas a suas reivindicações.
Leia mais
- Apib pede que Supremo acelere a derrubada do marco temporal
- Parlamentares europeus fazem interpelação sobre o marco temporal e Acordo UE-Mercosul
- Na Constituição brasileira não existe um “marco temporal” para a demarcação das terras indígenas. Artigo de José Geraldo de Sousa Junior
- Funai recua em novos pedidos de demarcação após aprovação do marco temporal
- Conectas e Comissão Arns pedem para participar de nova ação no STF contra marco temporal para terras indígenas
- ISA ingressa com pedido de amicus curiae em ação contra o “Marco Temporal”
- Marco temporal volta ao STF com três ações diferentes e Gilmar Mendes relator; entenda
- O marco temporal não saiu de pauta