Sobreviventes do ataque que vitimou Nega Pataxó contaram que PMs agiram em favor dos fazendeiros. Outro indígena fala em agressões físicas e terror psicológico na véspera dos disparos.
No dia seguinte à morte de Nega Pataxó, a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, visitou a reserva Caramuru-Paraguaçu, depois de participar da cerimônia de sepultamento da liderança indígena. Ela conversou com Itamar e os caciques Naílton e Aritanã. Depois, determinou a abertura de um inquérito da Polícia Federal.
A ministra foi procurada para falar sobre o assunto, mas sua assessoria alegou que ela estava de licença médica, após passar três dias internada por apresentar picos de pressão alta. Os policiais federais estiveram na área do conflito e colheram depoimentos de moradores.
Outros indígenas que não quiseram se identificar gravaram vídeo relatando que crianças, idosos e mulheres foram igualmente perseguidos e espancados pelos integrantes do grupo Invasão Zero, novamente com a conivência dos policiais.
Sobreviventes do ataque que resultou na morte de Nega Pataxó dizem que policiais militares ajudaram os fazendeiros durante a desocupação de uma propriedade no sudoeste da Bahia.
Policiais aparecem nos vídeos dos próprios fazendeiros
Os próprios vídeos feitos pelos integrantes do movimento Invasão Zero durante a desocupação reforçam a tese sobre a ligação entre fazendeiros e a PM da Bahia.
O primeiro deles mostra a concentração de caminhonetes na ponte do rio Pardo, enquanto o narrador descreve que o grupo está se indo fazer a reintegração de posse da fazenda “com o apoio de policiais militares e da Cippa, a famosa Catingueira”.
O segundo vídeo mostra um mostra indígenas dançando no alto da estrada, no que parece ser um ritual de guerra. A câmera vira para a direita e mostra rapidamente um grupo de policiais, que estão virados de costas para o confronto.
Procurado pela reportagem, o coordenador geral do movimento Invasão Zero, LuizUaquim, respondeu, por meio da assessoria de imprensa do movimento que “as alegações de que o Invasão Zero é um grupo miliciano são infundadas e carecem de qualquer evidência substancial, principalmente no caso da invasão da propriedade rural, onde ocorreu a tragédia, por um grupo de homens armados, encapuzados e que só depois se nomearam de movimento indígena. Quem invade encapuzado e armado, decerto invade o que não é seu”, declarou.
Uaquim, que é fazendeiro em Ilhéus, no sul da Bahia, garantiu que “todas as nossas ações e em nossa cartilha de conduto é proibido qualquer uso de arma” e justificou o ataque com base no artigo 1.210 do Código Civil, que prevê o direito “ao desforço imediato se a vítima do esbulho agir imediatamente após a agressão”.
“Por isso agimos de imediato e, frise-se, sempre com o apoio da Polícia Militar. Outras situações como essas já ocorreram anteriormente e as negociações foram exitosas. Lamentamos, mais uma vez, o desfecho desse recente episódio”.
PM apagou nota que dizia que indígenas deram o primeiro disparo
A operação de segurança realizada pela polícia militar no confronto de Potiraguá foi coordenada pela 8ª Companhia de Polícia Militar Independente, da cidade de Itapetinga.
Após a operação, a assessoria de comunicação da própria companhia de polícia, em nota, disse que 17 indígenas invadiram a fazenda e “fizeram dois vaqueiros de reféns, que liberaram no decorrer da manhã”. A nota ainda afirma que alguns indígenas estavam com o rosto coberto e “armados com rifles, revólveres, pistolas e espingardas”. A PM, então, montou uma operação para acompanhar a situação, com seis viaturas.
‘Bateram com pedaços de tábuas nas minhas costas e chutavam os dedos dos meus pés. O tempo todo eles perguntavam onde é que a gente tinha escondido as armas.’
A nota ainda relata que o primeiro disparo partiu dos indígenas e, a partir disso, generalizou um confronto “com disparos de arma, pedras e flechadas”. E finaliza dizendo que três pessoas ficaram feridas, sendo dois indígenas e um fazendeiro. Não há menção aos outros seis indígenas que chegaram a ser hospitalizados em Ilhéus, uma delas com o braço quebrado.
Essas informações foram reproduzidas em alguns sites da região, mas a nota oficial foi apagada do instagram da 8ª CPMI, dois dias depois do ocorrido.
Depois, a assessoria de comunicação social da PM Bahia emitiu nova nota, muito mais resumida. Nesta nova versão, a PM reconhece que “deram entrada no hospital outras seis pessoas com ferimentos provenientes do embate”.
O Intercept entrou em contato com a companhia de polícia de Itapetinga, que só afirma reconhecer as notas publicadas no seu instagram. Também entrou em contato com o subcomandante capitão Paulo Augusto Santana, que não atendeu o telefone e nem respondeu as mensagens que lhe foram enviadas.
Também procurado pela reportagem, o comandante do batalhão, major Alécio Marques de Andrade, resumiu-se a declarar que “só quem tem autorização para passar informação é a PM em Salvador”.
A Polícia da Bahia não respondeu se os policiais investigados foram presos ou afastados de suas atividades durante a apuração do caso.
Para os indígenas, a prisão dos dois homens não é consolo suficiente para a morte de Nega Pataxó. “Eu creio que só vai ser feita justiça quando o comandante dessa operação for demitido e perder a farda. Prender duas pessoas e achar que está tudo resolvido não tem lógica”, concluiu cacique Naílton.