Quase lá: Garimpo ilegal, destruição da natureza e violência: o inferno novamente infligido ao povo Yanomami

Pesquisadoras da UnB que atuam junto a esse povo analisam as causas, os culpados e a saída para a crise atual<

 

 

Ascom UnB

 

Equipe do SUS presta atendimento a família indígena. Foto: Igor Evangelista/Ministério da Saúde

 

Nos últimos dias o mundo passou a acompanhar estarrecido a tragédia humanitária vivenciada pelo povo Yanomami, amplamente noticiada por veículos de comunicação. A crise colocou na ordem do dia questões já denunciadas por pesquisadores e ativistas no Brasil: o descaso e a omissão do governo com o avanço do garimpo ilegal em terras indígenas, o desmonte do Sistema de Saúde Indígena e suas graves consequências para essas populações e para o meio ambiente.

Cenas chocantes de crianças, adultos e idosos com desnutrição grave, a denúncia de mais de 540 mortes nos últimos quatro anos e o avanço da malária no território trouxeram à tona uma imagem devastadora de um passado que parecia estar superado no Brasil.

Desde a década de 1990, quando crise muito semelhante à atual atingiu essas populações, as professoras Sílvia Guimarães e Alcida Ramos, ambas do Departamento de Antropologia da UnB, estão envolvidas com os estudos junto aos Yanomami. Elas concordam ao avaliar que a situação atual, apesar de chocante, não surgiu de repente.

Professora do DAN, Sílvia Guimarães denunciou abusos contra os Yanomami nos últimos anos. Foto: Ascom Funai

 

“Isso veio com dois fatores principais: o primeiro foi a desestruturação dos serviços de saúde e de proteção da Terra Indígena Yanomami (TIY). Nos últimos quatro anos, houve uma fragilização de toda a rede de assistência em território indígena. Esse povo passou a não ter médicos, transporte da sua terra para os hospitais e acesso a medicamentos”, explica Sílvia Guimarães.

Alcida Ramos vai mais longe e destaca bases ainda mais antigas, que remontam ao período da ditadura militar e ajudam a explicar a origem da invasão dessas terras. “Desde que o governo militar lançou o projeto Radam Brasil, em 1975, para mapear os recursos minerais da Amazônia, a Terra Indígena Yanomami, demarcada com cerca de nove milhões e meio de hectares em 1991 e homologada em 1992, tem sido alvo de uma cobiça constante e crescente, com gigantescas invasões de garimpeiros em busca de ouro. A de 1989-1991 chegou a ter um contingente de 40 mil invasores espalhados pela TIY. Na época, a região abrigava cerca de 20 mil Yanomami”, relembra.

Apesar da origem antiga do problema, durante o último governo os avanços conquistados na promoção de saúde e de proteção do território caíram por terra. “Chegamos a 2023 com cerca de 20 mil garimpeiros ilegais, já agora muito mais apoiados pelo grande capital e com maior capacidade de destruição do que os anteriores 40 mil. Durante quatro anos vêm gozando de plena liberdade para 'passar a boiada', destruindo matas e rios e agredindo ferozmente os Yanomami, seja com armas de fogo, seja com doenças altamente contagiosas – como a malária –, com estupros, perseguições, aviltamentos”, sentencia Alcida.

Mesmo com a proteção ao território e a promoção de saúde dos povos indígenas explicitada em leis e até na Constituição Federal, a preservação e garantia de vida destes povos parece caminhar ao sabor da vontade política dos gestores federais do momento. Sílvia Guimarães reforça – não deveria ser assim:

“Essas são políticas de Estado, de garantia de direitos. Os povos indígenas têm uma lei específica pelo sistema de atenção à saúde indígena e isso está em lei e não está sendo cumprido. Esse sistema foi todo desestruturado. A função da Funai é cuidar desses direitos indígenas e dos territórios indígenas e não foi isso que aconteceu.”

O novo governo federal, que iniciou seus trabalhos em 2023, criou o inédito Ministério dos Povos Indígenas (MPI) e promete fortalecer a Funai, agora ligada ao ministério. Com o conhecimento das denúncias, uma comitiva do governo foi a Roraima, visitar in loco as situações denunciadas e anunciar as medidas que serão tomadas pelo governo federal, numa ação conjunta de MPI, ministérios de Direitos Humanos e Cidadania, da Justiça, do Meio Ambiente, e outros.

Alcida Ramos alerta que nada mudará se o impacto midiático da exposição não gerar ações concretas de proteção ao território Yanomami. Foto: Luis Gustavo Prado/Secom UnB

 

“O recente ato simbólico do presidente Lula e de sua comitiva fez em dez minutos o que membros da sociedade civil não conseguiram em quatro anos, sem falar nas últimas quatro décadas: expor ao mundo o flagelo deixado por seus antecessores. Começa agora um complicado e lento processo de recuperação do povo e da floresta. Mas que ninguém se engane: sem a retirada completa dos garimpeiros ilegais, o estrondo midiático deste mês de janeiro será apenas mais um ato simbólico”, alerta Alcida.

SOBRE OS YANOMAMI – Os povos indígenas Yanomami vivem em ambos os lados da fronteira Brasil-Venezuela e somam cerca de 28 mil indivíduos. São conhecidos mundialmente como defensores da floresta Amazônica, especialmente pela atuação de seu mais destacado líder, Davi Kopenawa.

A entrada do garimpo ilegal na região traz consigo marcas de degradação ambiental, assim como violência, tráfico de drogas e doenças, que destroem o modo de vida desse povo e a urihi – terra-floresta –, um ente vivo, conforme a cosmologia Yanomami.

 

fonte: https://noticias.unb.br/112-extensao-e-comunidade/6305-garimpo-ilegal-destruicao-da-natureza-e-violencia-o-inferno-novamente-infligido-ao-povo-yanomami

 


Artigos do CFEMEA

Coloque seu email em nossa lista

lia zanotta4
CLIQUE E LEIA:

Lia Zanotta

A maternidade desejada é a única possibilidade de aquietar corações e mentes. A maternidade desejada depende de circunstâncias e momentos e se dá entre possibilidades e impossibilidades. Como num mundo onde se afirmam a igualdade de direitos de gênero e raça quer-se impor a maternidade obrigatória às mulheres?

ivone gebara religiosas pelos direitos

Nesses tempos de mares conturbados não há calmaria, não há possibilidade de se esconder dos conflitos, de não cair nos abismos das acusações e divisões sobretudo frente a certos problemas que a vida insiste em nos apresentar. O diálogo, a compreensão mútua, a solidariedade real, o amor ao próximo correm o risco de se tornarem palavras vazias sobretudo na boca dos que se julgam seus representantes.

Violência contra as mulheres em dados

Cfemea Perfil Parlamentar

Direitos Sexuais e Reprodutivos

logo ulf4

Logomarca NPNM

Cfemea Perfil Parlamentar

Informe sobre o monitoramento do Congresso Nacional maio-junho 2023

legalizar aborto

...