Cristina de Sousa Santos, 32 anos, morreu após ser baleada pelo ex-companheiro Murillo Samuel Muniz de Jesus, 26, contra o qual tinha medida protetiva. Ele foi flagrado cometendo o crime e levou um tiro da Polícia Militar
(crédito: Redes sociais)
O Distrito Federal registrou o nono caso de feminicídio, em 2023. Na madrugada desta quarta-feira (12/4), Cristina de Sousa Santos, 32 anos, morreu após ser baleada pelo ex-companheiro no Conjunto T, da Estância 1, em Planaltina. Murillo Samuel Muniz de Jesus, 26, foi à casa da vítima em mais uma tentativa de reatar o relacionamento.
A Polícia Militar foi acionada para atender um chamado de Maria da Penha. Ao chegarem ao local, os PMs flagraram Murillo efetuando os disparos. Para contê-lo, os agentes deram ordem de parada, mas ele se virou para a equipe com a arma em punho. Os policiais revidaram e uma bala acertou a cabeça dele. Até o fechamento desta reportagem, ele permanecia internado em estado grave, no Hospital Regional de Planaltina (HRP). Cristina levou quatro tiros na perna esquerda, nos braços e no tórax. Ela foi transportada com hemorragia interna também para o HRP, mas não resistiu aos ferimentos.
Quando denunciou Murillo por agressão e obteve a medida protetiva contra ele, Cristina relatou que a relação durou nove anos, mas nunca moraram juntos. Eles estavam separados havia cerca de dois meses, tinham uma filha de 8 anos e o agressor não aceitava o fim da relação.
O caso é investigado pela 16ª Delegacia de Polícia (Planaltina). Em posse do autor, havia uma pistola, calibre .765, uma algema de metal e um laudo médico em nome dele. No carro, a PM encontrou cerca de R$ 4,7 mil.
Ao Correio, vizinhos lamentaram o ocorrido. "É um crime muito brutal e absurdo", disse um morador do conjunto onde morava Cristina, que preferiu não se identificar. Ele relatou ter ouvido os disparos por volta da meia-noite. Assustado, olhou pelo portão da residência e viu as luzes da viatura da polícia. "Eu saí e vi um corpo próximo ao portão. Muito triste", lamentou. O morador não conhecia Cristina. "Acho que ela morava na rua há pouco tempo", comentou.
Outra moradora, que também pediu para não ter o nome divulgado, contou que via Cristina na academia da região. "Ela sempre ia malhar e, algumas vezes, vi ele (Murillo) atrás dela, sempre muito insistente", relembrou. Ela lamentou a tragédia. "Se acabou o relacionamento, o homem tem que aceitar e seguir em frente. Agora, acabou com a vida dela e com uma família."
SAIBA MAIS
Medida protetiva
Murillo estava proibido de se aproximar de Cristina e de manter contato com ela, devido à medida protetiva. Em depoimento à Justiça, a vítima relatou que havia sido agredida pelo autor outras vezes, mas não registrou ocorrência até 27 de março deste ano, quando Murillo entrou na casa dela e a chamou para conversar, insistindo para reatar o relacionamento e oferecendo carona.
Segundo relato da vítima, ela se recusou a conversar e a aceitar a carona. Murillo a agarrou pelo braço e tentou esganá-la. Ao gritar por socorro, o ex-companheiro a soltou. Depois disso, Cristina chamou a PM, mas Murilo havia fugido do local quando os policiais chegaram.
A vítima disse, ainda, que o ex-companheiro ia quase todos os dias na casa dela para insistir que reatassem. No depoimento, ela revelou que Murillo sempre ameaçava: "Ela não será de mais ninguém".
Força-tarefa
Em fevereiro, foi criada uma força-tarefa no Distrito Federal para propor políticas públicas voltadas à prevenção do feminicídio, à proteção e ao acolhimento a mulheres vítimas de violência. Em 3 de abril, o grupo, coordenado pela Secretaria da Mulher, apresentou o relatório de trabalho elencando 37 ações de curto, médio e longo prazos e 104 atividades, com destaque para o lançamento do Disque Defensoria, que tem um canal exclusivo de atendimento às mulheres — o “Ligue 129 — ramal 02”. Também estão previstas a construção de quatro Casas da Mulher Brasileira, a implementação de uma rede de apoio para os órfãos do feminicído e a instituição de um serviço de atendimento de saúde específico para pessoas expostas a situações de violência.
Três perguntas para Mariana Nery, advogada especialista em direito da mulher e em gênero
Como a Justiça e a segurança pública podem ser mais rígidas em relação ao crime de Feminicídio?
O Brasil é um país regido pelo patriarcado, machismo e sexismo, um exemplo disso foi a demora na aprovação da Lei Maria da Penha. Diante disso, a Justiça e a segurança pública podem ser mais rígidas em relação ao crime de feminicídio aplicando a lei corretamente. Infelizmente, não é esse o cenário que vemos atualmente. As leis de proteção à mulher não têm surtido o efeito desejado. Afinal, de nada adianta a palavra escrita se não existirem pessoas dispostas a cumpri-las. A vítima tem medo de denunciar por vários motivos: desde dependência financeira até medo de perder os filhos, de ser agredida ou morta e, também, de ser revitimizada nas delegacias e no Judiciário. Se a polícia, o Judiciário e as políticas públicas de proteção à vítima, como a Casa da Mulher Brasileira, funcionassem, os números de feminicídio seriam bem menores.
Mesmo com medida protetiva, mulheres continuam sendo vítimas dos agressores e, em alguns casos, até morrem. Nesse sentido, de que forma as mulheres podem ser amparadas para que tenham a segurança garantida?
As mulheres vão até a delegacia, fazem a denúncia e imediatamente são criados dois diferentes processos. Um em que a polícia apura as violências sofridas e o da medida protetiva. Muitas vítimas não entendem essa diferença e elas ficam muito perdidas. Ligam para elas para avisar, mas ninguém explica que precisam, no caso de descumprimento, avisar ao juiz imediatamente para que ele possa aplicar as penalidades. Uma medida protetiva que o agressor vê, descumpre e isso e não tem consequência nenhuma, ele vai continuar fazendo. Então, é importante trazer ao juízo. Essa mulher precisa da Defensoria Pública ou de uma advogada para falar para o juiz que a medida foi quebrada, para que sanções sejam aplicadas. (Descumprir decisão judicial que defere medidas protetivas de urgência previstas tem pena prevista em lei de três meses a dois anos).
E se nenhuma dessas alternativas funcionar?
Caso nada funcione, essa mulher deve se afastar de casa, tentar ficar com amigos e parentes, até perceber que o agressor não está mais evoluindo nas agressões perpetradas.
Opinião
Jessica Marques, especialista em direito penal do escritório Kolbe Advogados Associados
Raríssimas são as vezes em que ocorre um feminicídio sem que não tenha havido situações anteriores de abuso e violência doméstica. E não é novidade que o Estado não tem mecanismos suficientes para oferecer uma proteção efetivas para as mulheres vítimas de violência doméstica. Justamente por isso é que deve haver um trabalho em conjunto entre a sociedade, as mulheres e o Estado. Ou seja, a sociedade e as mulheres devem registrar cada vez mais toda e qualquer violência sofrida por uma mulher, e o Estado, por meio da Justiça e da segurança pública, deve tratar com mais rigidez os casos de violência doméstica, para que se evitem situações futuras de feminicídio.
A ideia é não apenas deferir medidas protetivas, mas determinar a prisão cautelar do agressor, principalmente quando tratarmos de casos de violência física ou de reiteração de violência psicológica, uma vez que, nesses casos, a liberdade do agressor confere risco à vítima e à própria sociedade. Além disso, não se pode esquecer que as medidas protetivas, muito embora sejam eficazes em determinados casos, não estão se mostrando tão assecuratórias, em razão do número alarmante de feminicídios. Principalmente porque, na maior parte das vezes, as vítimas se direcionam à delegacia desacompanhadas de um profissional da área e conseguem, apenas, o deferimento das medidas protetivas básicas, que são as de proibição de contato e de aproximação. Contudo, vale esclarecer que a legislação confere várias outras medidas que poderiam contribuir para uma segurança mais efetiva da mulher que busca proteção e assim evitar a ocorrência de um futuro feminicídio.
Assim, não há dúvidas de que deve haver cada vez mais o trabalho de conscientização da mulher, no sentido de informá-la que a violência doméstica não se trata apenas da violência física, mas também da psicológica, da moral, da patrimonial e da sexual, e que há meios de proteção para todas essas ocorrências, razão pela qual deve haver a notificação à autoridade competente de toda a situação vivenciada.
Por último, cabe dizer que a violência de gênero tem origem em questões estruturais e sociais decorrentes de um sistema machista e patriarcal. Desenraizar essa cultura da sociedade brasileira é difícil, é demorado, é complicado, mas não é impossível. A implementação de mecanismos preventivos, como conscientização da sociedade, implementação de informações sobre o combate à violência contra a mulher nas escolas, nos lares, divulgação sobre os direitos das mulheres, elaboração de programas de conscientização dos agressores — tudo isso colaborará, de uma forma preventiva, para redução do número de feminicídios.
E a prevenção se torna mais eficaz do que a repressão, sobretudo, porque as consequências do feminicídio são irreversíveis.
Onde pedir ajuda
» Ligue 190: Polícia Militar
» Ligue 197: Polícia Civil
» E-mail:
» WhatsApp: (61) 98626-1197
» Site: pcdf.df.gov.br/servicos/197/violencia-contra-mulher
» Ligue 180: Central de Atendimento à Mulher. A denúncia pode ser feita de forma anônima, 24h por dia, todos os dias
Delegacias de Atendimento à Mulher (Deam): funcionamento 24 horas por dia, todos os dias
» Deam 1: atende todo o DF, exceto Ceilândia.
Endereço: EQS 204/205, Asa Sul.
Telefones: 3207-6172 /
3207-6195 / 98362-5673.
» Deam 2: atende apenas Ceilândia.
Endereço: St. M QNM 2, Ceilândia.
Telefones: 3207-7391 / 3207-7408 / 3207-7438
Secretaria da Mulher do DF
» Whatsapp: (61) 99415-0635
Promotorias nas regiões administrativas do DF
Endereços disponíveis no site do Ministério Público: mpdft.mp.br/portal/index.php/promotorias-de-justica-nas-cidades
Defensoria Pública do DF
» Núcleo de Assistência Jurídica de Defesa da Mulher (Nudem)
Endereço: Fórum José Júlio Leal Fagundes, Setor de Múltiplas Atividades Sul, Trecho 3, Lotes 4/6, BL 4 Telefones: (061) 3103-1926 / 3103-1928 / 3103-1765
WhatsApp (61) 999359-0032
Disque Defensoria: telefone 129, ramal 02
Núcleos do Pró-Vítima
» Há oito unidades de atendimento: Brasília, Ceilândia, Guará, Paranoá, Planaltina, Recanto das Emas, Itapoã e Taguatinga
» Os endereços podem ser consultados no site da Secretaria de Justiça: sejus.df.gov.br/pro-vitima/
Mulher morta a tiros tinha medida protetiva de urgência contra agressor
A vítima tinha o pedido de proteção desde março deste ano. Em depoimento à época, ela relatou que já havia sido agredida pelo ex-companheiro
Morta com quatro tiros pelo ex-companheiro na madrugada desta quarta-feira (12/4), Cristina de Sousa Santos, 32 anos, tinha uma medida protetiva de urgência contra ele desde o fim de março deste ano. O agressor, identificado como Murillo Samuel Muniz de Jesus, estava proibido de se aproximar da vítima e de manter contato com ela. O caso ocorreu em Planaltina. O agressor confrontou a polícia e foi baleado. Até a última atualização desta reportagem, o suspeito permanecia internado em estado grave no hospital.
Em depoimento prestado à Justiça à época, Cristina relatou que havia sido agredida por Murillo outras vezes, mas não havia registrado nenhuma ocorrência até o dia 27 de março deste ano, quando ele entrou na casa dela e a chamou para conversar, insistindo para reatar o relacionamento e oferecendo uma carona.
Ainda segundo relato de Cristina, ela se recusou a conversar e a aceitar a carona. Diante disso, ela contou à Justiça que Murillo a agarrou pelo braço e tentou esganá-la. Ao gritar por socorro, o ex-companheiro a soltou. Depois desse ocorrido, Cristina acionou a Polícia Militar do DF (PMDF), mas o agressor havia fugido do local.
A vítima relatou ainda que o ex-companheiro não aceitava o término do relacionamento, indo praticamente todos os dias na casa dela para insistir que reatassem. Segundo depoimento, Murillo sempre dizia que ela não seria "de mais ninguém". Os dois tiveram um relacionamento de aproximadamente nove anos e estavam separadas há dois meses. Cristina, à época do depoimento, disse que eles nunca moraram juntos. O casal tem uma filha de oito anos.
Feminicídio
Cristina morreu ao ser baleada pelo companheiro, na madrugada desta quarta-feira (12/4), em Planaltina. Policiais militares foram acionados para atender uma ocorrência de Maria da Penha e, quando chegaram na casa, flagraram o momento exato das agressões. Para conter o homem, os PMs efetuaram disparos de arma de fogo contra ele.
O tiro acertou a cabeça do criminoso. Já a mulher levou quatro tiros na perna esquerda, nos braços e no tórax. Ela foi transportada com hemorragia interna ao Hospital Regional de Planaltina. No começo desta manhã, a morte da vítima foi confirmada. De acordo com o Corpo de Bombeiros, o agressor foi levado ao hospital em estado grave e inconsciente.
O caso é tratado como feminicídio e é investigado pela 16ª Delegacia de Polícia (Planaltina).
SAIBA MAIS
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