Comissão investe em agenda punitivista principalmente desde fevereiro, quando bolsonaristas assumiram o colegiado
Caroline de Toni [ao centro], presidente da CCJ, e Bia Kicis [à direita] - Bruno Spada / Câmara dos Deputados
Com a próxima sessão marcada para a tarde de terça-feira (9), a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados tende a manter no radar pautas de endurecimento penal, agenda que tem sido priorizada pelo colegiado, hoje comandado pela bolsonarista Caroline de Toni (PL-SC).
Esta será uma das últimas reuniões antes do recesso legislativo, que terá início em 18 de julho. A onda reacionária na comissão ganhou maior fôlego a partir de fevereiro, quando a deputada assumiu o posto, e vem enfrentando uma dura obstrução por parte de parlamentares do campo progressista. O grupo vê a CCJ como um dos principais pontos de irradiação da agenda fundamentalista para o restante do Legislativo federal.
Para Erika Kokay (PL-DF), uma das suplentes da CCJ, o momento atual da comissão traduz o resultado de uma associação entre a bancada da bala, os representantes do ruralismo e os interlocutores da chamada “bancada da Bíblia”, que se conjugam na busca por uma legislação voltada ao populismo penal.
“O que está em curso na Câmara é uma aliança dos fundamentalismos. Tem o fundamentalismo patrimonialista, em que se incluem os ruralistas, os que acham que o patrimônio – os seus próprios patrimônios, no caso – devem reger o Brasil; o fundamentalismo religioso e o fundamentalismo punitivista. Então, são fundamentalismos que se articularam. Individualmente eles têm um determinado peso e, juntos, passam a potencializar o seu próprio peso no Parlamento, na Câmara. E essa é a pauta que está posta.”
Ataque a movimentos populares
É nesse cenário que a CCJ tem colocado para andar uma série de projetos que se situam na zona de intersecção entre os interesses desses grupos políticos. A lista inclui, por exemplo, as diferentes pautas que buscam enquadrar e criminalizar movimentos populares, principalmente o Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra (MST), entidade que figura como alvo simbólico e recorrente dos discursos e ações políticas da ala bolsonarista.
A comissão já adiantou a tramitação de projetos de lei (PL) como o PL 4432/2023, que cria o chamado “Cadastro de Invasores de Propriedades (CIP)”, e o PL 8262/2017, que autoriza proprietários de terra a acionarem forças policiais para retirada de "invasores" de suas áreas sem necessidade de ordem judicial.
O parecer produzido pelo relator do PL 8262/2017, Victor Linhalis (Podemos-ES), é ainda mais duro e propõe que fazendeiros possam utilizar a própria força para esse tipo de ação. Polêmica, a proposta pode ter o relatório modificado e tende a retornar à agenda do colegiado na próxima semana.
“Eles buscam mobilizar um eleitorado de extrema direita e dar respostas fáceis e mentirosas para problemas complexos. Então, [eles dizem que] o problema do desemprego ou dos baixos salários, por exemplo, não é de uma agenda econômica antipovo, com um país que tem uma das maiores taxas de juros do mundo, com os mercados comandando a política do Banco Central e, ao mesmo tempo, fazendo uma chantagem permanente [com o governo], etc. O problema, supostamente, estaria nos movimentos populares. Eles tentam fazer esse tipo de narrativa”, analisa a deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS), integrante titular da CCJ.
Endurecimento penal
A comissão também tem agilizado medidas como o PL 238/2019, que altera a Lei de Execuções Penais para condicionar direitos de detentos do sistema prisional à coleta de material biológico para obtenção do perfil genético do preso. A ideia é dificultar o acesso da população carcerária a medidas como progressão de regime, saída temporária, entre outras.
Também figura no rol de intenções do grupo o PL 6831/2010, que amplia as penalidades para estupradores. Esta proposta é uma dobradinha da ala bolsonarista com o famigerado “PL do Estupro”, o PL 1904/2024, que criminaliza mulheres e crianças que queiram fazer aborto após as 22 semanas de gestação quando a gravidez resultar de estupro.
Diante da repercussão negativa que o projeto gerou para os seus autores, parlamentares do grupo agora buscam enrijecer as penalidades para estupradores para tentar se esquivar da crítica de que tentam impor às vítimas de estupro uma pena de prisão maior do que aquela prevista pelo Código Penal para estupradores.
Outra pauta que teve destaque na agenda reacionária do grupo nos últimos meses foi a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 45/23, que criminaliza a posse e o porte de qualquer quantidade de droga e teve a admissibilidade aprovada pela CCJ em meados de junho.
A CCJ tem no radar também neste momento a discussão de uma matéria – recém-tirada da gaveta – que convoca um plebiscito para discutir a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos no país. A proposta retornou ao jogo político por obra de Caroline de Toni.
“Veja como há um processo permanente de buscar esse tipo de projeto, por isso temos que trabalhar na reação. É uma linha de recrudescimento penal, de demagogia penal – a questão do ‘PL das saidinhas’, por exemplo, foi uma expressão disso. É um discurso muito raso que eles utilizam para tentar encantar a sociedade com isso. Agora nós vamos ter que enfrentar esse plebiscito”, afirma Kokay.
Bolsonarismo x centrão
Para Melchionna, o avanço dessas pautas só tem se mostrado possível por conta da sintonia entre parlamentares da ala bolsonarista e membros do centrão, grupo da direita liberal que hegemoniza as cadeiras não só na CCJ, mas também nos diferentes espaços da Câmara. Os dois segmentos se aliam diante de pautas que buscam enrijecer a política penal do país, bem como diante de agendas econômicas neoliberais. A psolista diz ver um “casamento de conveniência” entre os dois grupos.
“A CCJ é hoje o retrato real do que significa esse casamento entre a extrema direita e o fisiologismo do centrão, que é encabeçado pelo Arthur Lira, presidente da Câmara. É uma combinação de uma agenda econômica de austeridade, uma agenda econômica pró-mercado, combinada com a tentativa, e é uma tentativa permanente, de restrição de liberdades democráticas e de ataques aos movimentos sociais, como é o MST, que nós vimos que foi alvo ano passado do que chamo de ‘CPI da Farsa’, que foi aquela CPI do MST, que, graças à força do movimento social e ao nosso enfrentamento, foi derrotada, mas que é a expressão política disso.”
A deputada afirma que a junção de forças entre o centrão e os parlamentares mais ideologicamente próximos do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) não causa surpresa. “A gente já sabia que seria assim. Vencer o Bolsonaro na eleição era uma coisa, mas vencer o bolsonarismo é algo que exige uma luta permanente. E a gente tem que ter claro em mente que o Lira e a turma do centrão são aliados da agenda do bolsonarismo, tanto é que a CCJ, a principal comissão da Casa, se converteu no quintal das pautas deles para ficar toda hora retroalimentando uma política anti-MST, anti-mulheres, anti-povo brasileiro, anti-trabalhadores e de diminuição do Estado social e de aumento do Estado penal. Cabe a nós seguir na luta contra essas agendas.”
Edição: Rodrigo Chagas