É o que mostra o Atlas da Violência, com base em registros do SUS de 2022 — quando mais de 144 mil mulheres foram atacadas
Um estupro ocorreu a cada 46 minutos no país, em 2022. A constatação é do Atlas da Violência, publicado ontem pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Com base nos registros do Sistema Único de Saúde (SUS) daquele ano, mais de 144 mil mulheres foram vítimas de algum tipo de violência. As meninas de até 14 anos são as mais vulneráveis e sofrem, proporcionalmente, mais ataques sexuais do que as mulheres adultas.
Esses dados vêm à tona no momento em que tramita em regime de urgência, na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 1.904/24 — que iguala o aborto com mais de 22 semanas de gravidez ao homicídio e torna a pena da mulher que recorre ao procedimento mais alta do que a do estuprador. O Atlas mostra que a violência sexual foi a principal agressão contra meninas de 10 a 14 anos de idade — correspondeu a 49,6% dos atendimentos registrados no SUS. Entre as meninas de até nove anos, a forma mais frequente de violência foi a negligência ou abandono (37,9% dos casos), seguida pela predação sexual (30,4%).
O estudo detalha que, a partir dos 15 anos e ao longo da vida adulta, a violência física se torna a mais comum contra a mulher. Entre aquelas comunidades entre 15 e 19 anos, a agressão corporal esteve presente em 35,1% dos casos.
Esse percentual aumenta para 49% entre as mulheres entre 20 a 24 anos, e permanecendo acima dos 40% até os 59 anos. No caso das idosas, a negligência volta a violência mais praticada — afeta 37,5% das mulheres entre 75 e 79 anos e 50,4% das que têm mais de 80 anos.
Principais agressores
Em casos de violência doméstica e familiar, os homens são os principais agressores — responsáveis por 86,6% dos ataques. Mas homens e mulheres se igualam quando se trata de violência contra crianças de zero a nove anos. Os números indicaram que crianças e adolescentes estão extremamente vulneráveis a abusos dentro dos próprios lares.
Entre as mulheres de 30 a 35 anos, os homens foram responsáveis por 95,8% das agressões — aproximadamente 80% dos episódios foram dentro das residências das vítimas. A rua foi o segundo local mais frequente, com 6,1% dos casos.
"Se tivéssemos que descrever o que é ser uma mulher no Brasil, poderíamos dizer que na primeira infância a negligência é a forma mais frequente de violência, cujos principais autores são pais e mães, na mesma proporção. A partir dos 10, e até os 14 anos, essas meninas são vitimadas principalmente por formas de violência sexual, com homens que ocupam as funções de pai e padrasto como principais algozes. Dos 15 aos 69 anos, a violência física provocada por pais, padrastos, namorados ou maridos é a forma prevalente entre as mulheres", descreve o Atlas da Violência.
Sintomas
A psicóloga e neuropsicóloga Juliana Gebrim deixa claro que os sinais da violência, inclusive a sexual infantil, são perceptíveis. "Os sinais podem variar entre os indivíduos, mas alguns são muito comuns. Percebemos mudanças bruscas, como regressão a comportamentos infantis, chupar o dedo ou fazer xixi na cama, por exemplo. A criança também começa a evitar lugares associados ao abuso e pode desenvolver fobias inexplicáveis, além de demonstrar um conhecimento sexual inadequado para a idade", observa.
Segundo Juliana, isso faz com que a criança atacada "pode se tornar extremamente retraída ou, ao contrário, demonstrar agressividade e irritabilidade. Mudanças no desempenho escolar também são frequentes, assim como sintomas de ansiedade e depressão. Em alguns casos, a criança pode exibir comportamentos autolesivos, como cortar-se ou outras formas de automutilação".
Para o psicólogo cognitivo-comportamental Artur Gomes, as recentes pesquisas sobre o impacto da violência sexual infantil mostram os efeitos duradouros do abuso no desenvolvimento cerebral. "Estudos mostram que pode levar a problemas de memória e nas respostas emocionais para o restante da vida. Pode resultar em problemas emocionais e comportamentais, como resistência ao tratamento psicológico, ansiedade e depressão que complicam o processo terapêutico, e a dificuldade em confiar nos outros e desenvolver relacionamentos saudáveis", salienta.
Cristina Castro, CEO do Instituto Glória — que combate a violência contra meninas e mulheres — destaca a importância de se criar uma rede de proteção formada por pessoas próximas e que não tenham medo de intervir quando notarem algo fora do lugar. "Sessenta e oito por cento das violências contra mulheres e meninas acontecem dentro de casa. É muito importante não relacionar o abuso apenas à responsabilidade dos pais notarem, mas, também, a toda a rede de proteção dessa criança. Tios, avós, pessoas do convívio escolar — todas essas pessoas são redes de apoio", afirmou.
Estagiária sob a supervisão de Fabio Grecchi
Meninas com até 14 anos são proporcionalmente as maiores vítimas de violência sexual, mostra Atlas
Relatório aponta que quase metade da violência contra meninas de 10 a 14 anos tem caráter sexual no Brasil
Meninas de até 14 anos sofrem proporcionalmente mais violência sexual do que mulheres adultas, aponta o Atlas da Violência 2024. Divulgado nesta nesta terça-feira (18), o relatório foi feito por Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Segundo a análise, em 2022, 30,4% da violência sofrida por crianças do sexo feminino na faixa de 0 a 9 anos teve caráter sexual. Na faixa etária de 10 a 14 anos, o número é ainda maior, de 49,6%. Entre 15 e 19 anos, foi de 21,7%. Depois disso, ele cai para 10,3% de 20 a 24 anos. A redução continua, nas faixas seguintes, até chegar a 1,1% no grupo acima de 80 anos.
A violência sexual contra meninas voltou ao centro do debate devido ao Projeto de Lei Antiaborto por Estupro, que determina a prisão ou internação (no caso de menores de 18 anos) de vítimas de estupro que fizerem aborto depois de 22 semanas de gravidez.
Meninas que foram vítimas de estupro são um dos grupos que mais recorrem ao procedimento para interromper a gravidez após 22 semanas, de acordo com especialistas. Por isso, essa faixa até 14 anos seria uma das mais afetadas caso o PL venha a ser aprovado pelo Congresso Nacional.
“Seis em cada dez vítimas de violência sexual no Brasil têm no máximo 13 anos”, disse a diretora-executiva do Fórum, Samira Bueno, durante a apresentação dos dados do Atlas. “A gente está falando de crianças que nem entendem o que estão sofrendo. Que muitas vezes vão descobrir uma gravidez quando já passou da 20ª semana justamente porque não tem compreensão da violência que está sofrendo, que não têm discernimento para entender aquilo.”
Atualmente, o aborto é permitido no país em gestação decorrente de estupro, risco à vida da mulher e anencefalia fetal.
Os números de violência usados no Atlas têm como base os registros do Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação), um sistema criado pelo Ministério da Saúde para notificar, compulsoriamente, qualquer caso suspeito ou confirmado de violência doméstica/intrafamiliar, sexual, autoprovocada, tráfico de pessoas, trabalho escravo, trabalho infantil, tortura, intervenção legal e violências homofóbicas contra as mulheres e homens em todas as idades.