Irmã de Marielle Franco, a ministra da Igualdade Racial diz que só celebraria a prisão dos três supostos mandantes do assassinato se a vereadora estivesse viva
A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, afirmou que a revelação dos supostos mandantes do assassinato da irmã dela, a vereadora Marielle Franco, é a "prova legítima da violência política do país". "A prova legítima de que, muitas vezes, os corpos negros são considerados descartáveis, podem tombar a qualquer custo e qualquer motivo", enfatizou, em entrevista aos jornalistas Rosane Garcia e Carlos Alexandre de Souza, no Podcast do Correio Braziliense.
No domingo, a Polícia Federal prendeu preventivamente os irmãos Chiquinho Brazão, deputado federal (ex-União Brasil-RJ), e Domingos Brazão, conselheiro do Tribunal de Contas do estado; e o ex-chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro Rivaldo Barbosa.
Para Anielle, foi uma "resposta primordial" na apuração do assassinato, que ocorreu há seis anos, mas frisou que é difícil falar em celebração pelas detenções. "A família não tem o que comemorar. Acho que ninguém precisa comemorar e celebrar nada. Eu conseguiria celebrar se minha irmã estivesse viva, mas nas circunstâncias, consegui entender a importância de termos chegado onde chegamos, depois de seis anos e 10 dias. Mas acho que a democracia brasileira não tem o que celebrar com uma vereadora negra sendo assassinada com cinco tiros na cabeça e três tiros no corpo".
Anielle criticou o adiamento, na Câmara, da decisão sobre a prisão de Chiquinho Brazão. "Hoje, as pessoas falam: 'Ah, vamos esperar mais um pouco'. Não, a gente precisa muito fortalecer esse passo que foi dado. É um deputado daquela Casa que está sendo acusado de assassinato, de tramar crime. Que país é este que a gente quer? Qual o lugar da democracia que a gente quer que caminhe?" A seguir, os principais trechos da entrevista:
Qual é a sua avaliação sobre os últimos acontecimentos em relação ao caso de Marielle?
Desde domingo, a gente tem vivido momentos de uma mistura de sentimentos enquanto família. É inadmissível a gente entender e acatar o motivo pelo qual Marielle foi assassinada, que tenha sido por lutar por justiça social e defender as pessoas que mais precisam neste país. Tem muita coisa. Acho que a gente teria, talvez, um programa inteiro para falar das minhas impressões e dos sentimentos do que aconteceu, do último domingo para cá, mas acho que é a prova legítima da violência política do país, é a prova legítima de que, muitas vezes, os corpos negros são considerados descartáveis, podem tombar a qualquer custo e qualquer motivo. Tem de ter também uma avaliação de que o próprio Estado, que deveria estar protegendo, tinha um ex-delegado à frente do caso, um ex-chefe da Polícia Civil, que já havia trabalhado com a minha irmã, e estava ali sendo uma das pessoas que arquitetaram o crime.
Qual é o sentimento da família?
A família não tem o que comemorar. Acho que ninguém precisa comemorar e celebrar nada. Óbvio que, sim, tem um passo importantíssimo que foi dado, tem que reconhecer, principalmente, o trabalho da Polícia Federal; tem que reconhecer a troca para um governo democrático progressista de um governo que era totalmente o contrário ao que a gente defende; o trabalho do Ministério Público Federal e estadual; todo o trabalho que foi feito anteriormente. Mas, para a gente, é difícil falar "vamos celebrar que eles estão na cadeia". Eu conseguiria celebrar se minha irmã estivesse viva, mas, nas circunstâncias, consegui entender a gravidade do crime, a importância de termos chegado onde chegamos, depois de seis anos e 10 dias, onde a gente teve uma resposta que é primordial. Mas acho que a democracia brasileira não tem o que celebrar com uma vereadora negra sendo assassinada com cinco tiros na cabeça e três tiros no corpo.
Como avalia este momento?
Entendo que agora a gente está numa disputa de narrativas no nosso país. A gente não pode desumanizar lutas e pautas que são tão caras para nós. O fato de hoje termos um aumento de mulheres negras em bancadas, o aumento de pessoas negras em espaços de poder, de decisão, seja no jornalismo, seja em qualquer outro lugar, não faz com que a gente tenha garantia de estar vivo. A resposta disso é o crime da minha irmã. Se a Marielle foi eleita, como as pessoas chamavam de fenômeno de 46 mil votos no Rio de Janeiro, que é uma capital que a gente está vendo uma tríade no poder, e, ainda assim, ela é tombada e descartada, a gente precisa entender que agora não é uma questão de quem vota em A, B ou C. É uma questão de fortalecimento da democracia. É uma questão do que a gente quer e para onde a gente quer que este país vá.
Por que a senhora fala em disputa de narrativas?
É inadmissível a gente ter uma parcela da população que zomba de uma morte como a dela ou como a de qualquer um. Tem gente que está zombando do menino que está enterrado no Rio de Janeiro porque não subiu para entregar a comida. Tem uma parcela da sociedade que acha que as pessoas negras não são nada. E é esse tipo de pensamento que a gente precisa combater. Por isso, falo que tem uma disputa de narrativa, de posicionamento, e o assassinato da minha irmã, infelizmente, escancara isso. Escancara as relações políticas com milícias, com polícia, escancara que, infelizmente, lugares onde deveriam estar cuidando da população e pensando na melhoria do país estavam arquitetando um crime triste.
É um ponto muito importante que a senhora está tocando de desrespeito a toda uma parcela imensa da população que é vítima de violência dessas alianças criminosas que estão sendo feitas e que matam jovens negros.
A Benedita da Silva, que hoje é deputada e tem 40 anos de política, fala que vive violência política desde que entrou. É por isso que eu gosto de repetir e reiterar que a nossa disputa, hoje, pela permanência nesses espaços não pode passar por uma pessoa e por um espaço de poder, de decisão ou de fala: "Vamos matar, vamos tombar, vamos aniquilar essa pessoa em benefício próprio". Quais os trabalhos que Marielle tinha, desde defender mães negras faveladas, pessoas que, infelizmente, são consideradas nada? E aí, as pessoas que agem em benefício próprio pensam: "Vamos tirar do caminho porque pode ser que seja melhor que a gente". Que disputa de narrativa é essa? Agora, estamos esperando a Câmara votar se a prisão de um deles permanece ou não. Hoje, as pessoas falam: "Ah, vamos esperar mais um pouco". Não, a gente precisa muito fortalecer esse passo que foi dado. É um deputado daquela Casa que está sendo acusado de assassinato, de tramar crime. Que país é este que a gente quer? Qual o lugar da democracia que a gente quer que caminhe? Então, toda e qualquer mulher negra agora tem que sair da política porque quem tem que comandar são os homens? É difícil.
Acredita que há pontos a serem esclarecidos?
Acho que tem muita coisa para debater, e é por isso que o enfrentamento do nosso corpo político do ministério tem sido algo que virou nossa missão de vida. Eu não esperava a surpresa que tivemos no domingo, mas eu também entendi que isso era possível. Acompanhamos o caso, a Marielle era a relatora da intervenção militar no Rio de Janeiro, e a gente sabia que poderia ter coisas muito grandiosas por trás. Mas agora fica meio questionamento: qual o motivo? Foi porque ela lutava por quem mais precisava? Para onde o nosso país vai caminhar? É ok a gente zombar de um crime como esse? Será que virão outros? São questionamentos que eu acho que precisam trazer para a mesa do debate, porque influenciam o futuro de uma nação inteira.
Nesse episódio da Marielle, o que se percebeu é que a polícia organizada e o Ministério Público foram capazes de desvendar os supostos autores. Por que isso não acontece com maior intensidade?
Acredito muito que não somente o caso da Marielle, mas tantos outros vêm de uma tríade. É um pouco do que tem no Rio de Janeiro, do que tem sido desenhado em São Paulo, em Salvador e em vários dos lugares mais violentos do nosso país. No caso da minha irmã, o que a gente pode observar é um delegado, um político e alguém para executar. É essa a tríade que eu estou falando, porque está comprovado, a Polícia Federal tem esse relatório, esse depoimento e essa delação que demonstram que eram em três camadas para que se chegasse ao crime, mas também para que se mantivesse impune. Quando a PF e o governo federal entram, a história muda. Outro ponto é quando se fala sobre os corpos que são tombados. Estivemos no Rio há duas, três semanas atrás, e tinha a Ana Paula, mãe do Jonathan, que ficou 10 anos esperando pelo julgamento e, quando vem o resultado, vem junto o desespero. O filho é assassinado com um tiro nas costas, e dizem que não teve intenção de matar, então, infelizmente, não são casos isolados. Não estamos falando só do Rio de Janeiro, estamos falando de vários. O que eu quero dizer é que é um gargalo e um assunto que tem que ser tratado com muita seriedade.
O que é segurança pública do país?
É a manutenção da vida desses jovens, por isso o Juventude Negra Viva no governo, por isso que a gente tenta sentar com o Ministério da Justiça e pensar onde podemos acolher esses jovens. Não é somente a segurança pública, não é só isso que os jovens querem, eles querem o direito de ir e vir, dignidade de vida, educação, alimentação, empregabilidade. A gente está agora com um desafio enorme na população, que é o aumento de jovens negros que estão se suicidando por não verem perspectiva de vida.
O Programa Juventude Negra foi lançado na Ceilândia, que faz fronteira com a maior favela do país, que é o Sol Nascente. Essa fragilidade foi muito identificada aqui em Brasília?
Não é a maior, porém há, sim. É por isso que a gente escolheu a Ceilândia. Por isso, a gente levou o presidente Lula pela primeira vez naquele lugar, com dois mil jovens, para que a gente pudesse fazer o plano a várias mãos. Nós já fomos jovens, então a gente sabe o que cada jovem quer. Para fazer um plano que hoje tem 400 páginas, com 18 ministérios no total e todo mundo assinar e se comprometer à frente do presidente, eu precisava ouvir os jovens. As maiores reivindicações eram empregabilidade, saúde e se manter vivo. A gente precisa fazer com que isso vire concreto. Tem que ser algo que, daqui a pouco, esteja na boca de todo mundo. Reconhecer esse gargalo foi importante, mas ter parceria para fazer, também. Não posso vir aqui e não falar sobre isso, porque a questão da saúde da população negra é uma reivindicação de muitos anos de movimento negro, e a Nísia (Trindade, ministra da Saúde) traz isso para o gabinete dela e acolhe. E agora tem um plano nacional para a saúde mental dos jovens negros, principalmente para os homens. É um leque, para que a gente possa, de fato, levar para a juventude deste país e esperança de vida, seja com bolsas, seja com intercâmbio, seja com acesso à saúde, à empregabilidade. E encontramos os parceiros para que isso dê certo.
Essa é a ação mais importante que foi feita para a juventude negra da história do Brasil. Qual é o primeiro ato concreto que a senhora gostaria de destacar?
Acho que esse da saúde mental, para mim, é um carro-chefe. Muitas pessoas hoje não reconhecem a importância de cuidar da saúde mental, de dar uma parada, de ter esperança de vida. Quando a Nísia aceita fazer e garantir, por meio dos municípios, porque não tem como esse plano ser implementado apenas pela União, a gente está fazendo esse conjunto com os governos e com os municípios. É importante falar também que esses municípios aceitaram essas participações e que estão conosco lado a lado, independentemente das posições que eles hoje carregam politicamente. Eles precisam entender que a juventude dele está viva. Esse é o meu diálogo maior, que é uma missão desde que eu perdi a minha irmã, e as pessoas falavam: "Não quero falar com ela porque ela é a irmã da Marielle". O diálogo é a base de tudo. Se a gente se respeitar, mesmo que discorde, a gente tem que falar. Foi assim que nós entramos e viajamos o Brasil inteiro com o Movimento Juventude Viva. Esse, pra mim, é um projeto incrível e que as pessoas precisam saber e ter acesso.
Há outros pontos importantes do programa?
Quando a gente fala de empregabilidade, não fala: "Vou contratar uma empresa X que vai contratar mil jovens negros por ano". A gente já tem inúmeras empresas que aceitaram esse recorte conosco. Os intercâmbios que fizemos para licenciaturas para pós-graduação, graduações, ter acesso a outra cultura, ter acesso dentro das casas de cultura, com a ministra da Cultura, Margareth Menezes. A partir dali, pensar a cultura negra, que também é fundamental, e uma boa parte da população da cultura, mais 30%, são de pessoas negras. Acatar e aceitar, pensar a segurança e o combate à vulnerabilidade com as câmeras nos uniformes (dos policiais). Isso não é um projeto do Plano Juventude Negra, é um projeto que existe em quase todas as capitais que têm maior índice de violência. Esse projeto é para impulsionar e entra com recursos do Ministério da Justiça. Esse é um plano que tem R$ 1 milhão de investimento para os próximos quatro anos. Já iniciamos a fase de debater com a Casa Civil, o presidente aprovar. Agora estamos em cima para que cada ministério cumpra com a sua parte, e temos feito isso pessoalmente, tanto eu quanto Roberta Eugênio, que é secretária executiva do ministério, para garantir uma boa participação, adesão e a concretização desse plano.
O Projeto de Lei 1958/2021, sobre cotas para negros em concursos públicos, está no Congresso. Qual é a sua avaliação?
É impossível começar a falar do projeto de lei no serviço público sem falar da nossa vitória e do avanço que a gente teve, no ano passado, da lei de cotas no ensino superior. Articulamos tanto no Senado quanto na Câmara. Foi muito importante e muito bonito termos conseguido renovar. Muita gente não entendia a importância da lei de cotas e até hoje reivindicam, mas de 3%, há 20 anos, de pessoas negras que entravam nas universidades, pulou para 53%, com uma faculdade mais diversa, mais plural e com mais acesso. Sou fruto da lei de cotas, minha irmã foi também, e tantas outras. Isso foi um dado histórico que conta muito para que a gente, agora, pressione a lei de cotas no serviço público, porque uma lei que, durante 10 anos, infelizmente, a gente passou um bom tempo sem concurso público. Agora, a gente está a poucos meses de essa lei expirar e acabar. Então não é como a lei de cotas. Se ela não for renovada, acaba. Pela primeira vez, neste ano, o Ministério da Gestão e Inovação está fazendo o nosso Concurso Nacional Unificado, que tem dois milhões de pessoas inscritas, 56% das pessoas inscritas são mulheres, e 420 mil pessoas declaradas negras. A gente está falando de um concurso que as pessoas estão esperando há muito tempo e que, se a gente não consegue renovar, a gente vai ter algum problema com essas pessoas. O ponto é que a gente tem que, não só renovar, mas também aprimorar essa lei, porque eu acho que a gente precisa fazer esse debate com qualidade e explicar por que essa lei é importante.
O que falta para isso?
Agora com a renovação, a gente traz para incluir na lei quilombolas e indígenas. Pela primeira vez, a gente teve o censo quilombola e o censo indígena. A gente precisa reconhecer a existência dessas populações. O segundo ponto, que remete ao que falei inicialmente, que é muito tempo sem ter concurso público, as pessoas urgem por isso, estão esperando isso por muito tempo. E aí volta um governo que decide fazer, e não só isso: a qualidade dos serviços nos atendimentos, para quando você chegar ao lugar ser atendida pelos seus, que entendem o que você passa e pensa. Por isso que, quando a gente fez o decreto, no início do ano passado, e que está aí, com metas estipuladas, que está caminhando de 30% de pessoas negras na administração pública, é o dever de casa. Eu não posso falar para você cuidar da sua casa se eu não cuido da minha, então, eu tenho que cuidar da minha primeiro. O PL de cotas é uma articulação nacional. Estive com o Rodrigo Pacheco, sentei com os senadores, a proposta está na CCJ, e é terminativo lá. A votação está prevista para 9 ou 13 de abril no Senado. Sendo aprovado, já vai direto para a Câmara, onde continua nossa articulação, que está sendo feita desde o ano passado. Um serviço público mais plural é um serviço público mais democrático, mais racializado, mais diverso. Espero que a gente consiga essa vitória até junho.
Como tem sido a receptividade no Congresso?
Tem sido boa. Acho que, independentemente do posicionamento, é algo que sempre tenho tentado passar e fazer. Não acredito na maneira de fazer política grosseira, de ódio, fake news, de palanque de horror, mas eu gosto de ser respeitada. Quando a gente senta para debater e falar sobre um caso como esse, que é tão importante, as pessoas entendem e acatam. Quem aceitar sentar conosco para que a gente apresente os números, os dados e aceite estar conosco nessa demanda, que é histórica no movimento, mas também para o país, a gente fará.
Em que Casa a senhora acha que seria mais difícil o convencimento?
Talvez na Câmara. Temos um respaldo suficiente para mostrar o quanto é importante se renovar. A gente tem se articulado muito no Congresso, pois é necessária essa união e coletividade, que só traz ganhos e benefícios para a população brasileira. Os líderes do governo também têm ajudado com esse encaminhamento. Estou confiante e tenho chamado todos os deputados e deputadas para, não só dialogar, mas construir e pensar juntos para essa aprovação.
Em relação à representação dos negros na política, quais são os locais que a senhora tem boas expectativas?
Tenho boas esperanças e expectativas em todos. Nós, à frente do ministério, às vezes não conseguimos dar conta de tudo do lado de fora, mas temos que dar conta do lado de dentro. Porém, eu acredito que tem um efeito e um movimento de bancadas negras. Começando pela nossa própria bancada negra no Congresso, é histórico, há ali lideranças muito importantes, que vão impulsionar os municípios Brasil afora. Na minha leitura política, acredito que vamos ter um retrato do que se pode esperar para 2026. Tenho visto muitas movimentações de vários candidatos e candidatas negras, tanto prefeitáveis quanto vereanças, que, historicamente, há muitos anos não tínhamos. Tem crescido o interesse, a representatividade, mas também os acessos. O que temos hoje, no Congresso, se mostra no número de deputadas. No Rio de Janeiro, temos um número que, há alguns anos, não era uma realidade.
Isso pode ser visto como uma consequência do seu trabalho?
Espero que sim. Não é um lugar fácil. Quando eu perdi a minha irmã, me perguntei: "Quem cuida agora dessas mulheres negras que foram eleitas?". Eu me fiz essa pergunta há quatro anos, na primeira eleição municipal após a morte da Marielle. Não dá para que a gente chegue a espaços, e as pessoas pensem que é só uma cota. É uma mentalidade que precisa ser mudada dentro da política constitucional brasileira. As mulheres e homens que estão chegando, corajosamente, com os seus corpos nesses espaços, precisam ser respeitados, além de entenderem que têm dimensão e protagonismo tanto quanto qualquer outro. O meu trabalho pode impulsionar, porém é uma luta mais histórica, daqueles que vieram antes.
O que vemos no Congresso é um machismo muito grande, seja interrompendo, seja agredindo as mulheres. Como lidar com esse pessoal?
Se fosse comigo, eu não sei qual seria a minha reação, quando o deputado foi para cima da deputada Talíria Petrone (PSol-RJ), dizendo: "A Marielle acabou". Todo mundo gosta de comprar uma boa briga, ainda mais quando você tem um histórico de lutar pelo que acredita. Contudo, estou falando de uma boa briga em prol da população. Aquele não é um lugar para show de fake news e horrores. É inadmissível o que é feito com aquelas mulheres lá dentro. É uma falta de respeito enorme, uma falta de comprometimento com as pautas da população. Quem vota nessas pessoas precisa estar atento. Não tem como dar 1 milhão de votos para um cidadão que, no dia a dia, não respeita as mulheres que trabalham com ele, mesmo que pensem diferente. Esse cara faz igual com a mãe, a irmã e a tia? Ou será que é só um teatro de horror? Existe uma disputa de narrativa, valores e pensamentos no país. A ideia não é dividir mais. Precisamos conseguir dialogar com respeito. Aquele não é um lugar de arquitetar crimes, xingar, empurrar, cuspir na cara, ameaçar. Atitudes precisam ser tomadas. Esperamos que os deputados eleitos tenham uma boa educação e senso crítico.
Esses deputados podem estar espelhando os seus próprios eleitores?
É uma construção de pensamentos muito difícil. O caso da minha irmã se tornou o ataque da oposição. O xingamento, o linchamento… A primeira fake news da minha irmã saiu duas horas após o assassinato dela. Os eleitores de oposição se legitimam pelo discurso de outros políticos e perpetuam a fake news. Esses deputados, infelizmente, são espelhos de quem votou neles. Mas como a gente chega a essa população para falar que precisamos de humanização nesse espaço? É um desafio do governo atual. Eu não acredito em uma política que é feita com ódio, fake news, mentira e benefício próprio. A gente precisa que as pessoas que estão do outro lado entendam que a política precisa ser usada em benefício do coletivo. A banalização tem ocorrido em ano de eleição, ou não. A questão principal é que Marielle foi símbolo de ataque. As pessoas me xingam, e já cuspiram na minha cara por ser irmã dela. Nunca dialogam comigo, não sabem nem de onde eu vim.
No Supremo Tribunal Federal (STF), há o debate da descriminalização da maconha. Por outro lado, temos no Senado um movimento de medidas mais duras de segurança. Essas ações de endurecimento no combate ao crime têm impacto na juventude negra?
Toda vez que é esse o debate, sempre penso que o caminho é na educação. Eu, como professora há 22 anos, sempre acho que esse impasse tem que ser por meio da oportunidade para os nossos jovens. Segurança pública é importante, mas quais são as oportunidades que este país, concretamente, está oferecendo para esses jovens? A gente precisa olhar pelo outro lado. Quando a gente encontra uma missão de vida para lutar, é mais fácil. Quando professora, eu falava: "Não desistam! Estudem, pois o conhecimento de vocês ninguém tira".
O Ministério da Educação está ciente que nos livros não há a participação dos negros?
Está melhor. Além dos vários pontos que eu trago, além de segurança pública, pensar em empregabilidade, cultura, saúde. Está na Constituição garantir vida digna para as pessoas. É inadmissível, em 2024, ainda termos debates que não são letrados nem racializados. É a humanização da coisa. Se esses jovens são os que mais estão morrendo, há um passo a passo, precisa de uma escola pública, um serviço público, uma oportunidade de emprego. É um conjunto de políticas públicas eficazes para serem aplicadas.
E o letramento racial para a polícia?
Se esse policial tivesse tido acesso, oportunidade, instrução, educação, cultura, talvez chegaria diferente naquele lugar. Tem que garantir o acesso desde pequeno, com dignidade. Para que se tornem adultos e profissionais respeitosos.
O racismo é um problema mundial. Qual foi o lugar ou a política que a senhora conheceu em outros países que poderiam ajudar o Brasil?
Foram muitas viagens no ano passado. Quando eu entrei no ministério, havia uma carência de as pessoas serem ouvidas. Não adianta fazer política dentro de um gabinete, com ar-condicionado. Tem que estar no quilombo, na favela, principalmente ouvindo as pessoas. Eu destacaria Francia Márquez, primeira vice-presidenta da Colômbia. É uma ativista ambiental, quilombola, mas, para além disso, uma ativista que tem impulsionado muito a educação sobre política. Não apenas em política institucional. É no seu corpo, enquanto pessoa negra, de se entender em vários locais. Houve várias iniciativas nacionais que me chamaram a atenção, que é um dos projetos dentro do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, como as cozinhas solidárias feitas por mulheres negras. Tem salvado vidas, é um projeto que elas conseguem, não apenas produzir seu próprio alimento, mas também dividir com as suas favelas.
*Estagiárias sob a supervisão de Cida Barbosa