Quase lá: 10 de outubro: Dia Nacional de Luta contra a Violência à Mulher

10 de outubro é o Dia Nacional de Luta contra a Violência à Mulher. A data foi instituída em 1980, a partir de um movimento que começou em São Paulo, quando mulheres se reuniram nas escadarias do Teatro Municipal para um protesto contra o aumento de crimes de gênero no Brasil.

De lá para cá, a legislação mudou para proteger mulheres vítimas de violência. A Lei Maria da Penha completou 17 anos e já passou por uma série de mudanças. Além dela, a Lei do Feminicídio, que torna o crime um homicídio qualificado e o coloca na lista dos hediondos, com penas mais altas.

Ainda hoje, porém, a violência contra a mulher é uma realidade que exige respostas governamentais firmes e vigilância da sociedade civil. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram que, no Brasil, cerca de 50 mil mulheres sofreram algum tipo de violência a cada dia em 2022.

A violência contra a mulher é uma violação de direitos humanos e um grave problema social. É preciso criar mais políticas públicas, aumentar a rede de proteção à mulher e combater a cultura do agressor.

fonte: https://themis.org.br/10-de-outubro-dia-nacional-de-luta-contra-a-violencia-a-mulher/

 

Por Francielly Kodama, gshow — São Paulo

Dia Nacional de Luta contra a Violência à Mulher: veja relatos de quem sofreu e saiba como ajudar — Foto: gshow

Dia Nacional de Luta contra a Violência à Mulher: veja relatos de quem sofreu e saiba como ajudar — Foto: gshow

[Alerta de gatilho: este texto contém informações sensíveis sobre violência doméstica, abusos sexuais e psicológicos.]

“No começo era um conto de fadas [...] e, depois, virou um pesadelo”, é o que diz o relato de uma vítima de violência doméstica que, para sua segurança, vamos chamá-la de Aurora. Mas, infelizmente, muitas mulheres não sobrevivem para contar a história com suas próprias palavras.

Segundo o levantamento do G1, foram registrados mais de 1,4 mil feminicídios no Brasil em 2022: isso equivale, em média, a uma morte a cada seis horas. O portal também apurou que, entre os meses de janeiro e junho de 2023, 111 mulheres foram assassinadas no estado de São Paulo.

E é para que desfechos como este diminuam cada vez mais – e que, cada vez mais também, seus algozes sejam punidos –, que o NUDEM (Núcleo de Defesa dos Direitos da Mulher), a Casa da Mulher Brasileira, o DEAM (Delegacia de Atendimento à Mulher) e vários outros órgãos públicos e redes de acolhimento trabalham sem parar. Mas essa luta começou muito antes!

Em 10 de outubro de 1980, mulheres lotaram a entrada no Teatro Municipal de São Paulo para protestar contra o aumento dos crimes de gênero. A partir deste movimento, a data ficou conhecida como o Dia Nacional de Luta contra a Violência à Mulher: o próprio nome já diz, não é uma efeméride de comemorações, é de luta.

Vítima de violência doméstica relata que a relação começou como um "conto de fadas e "se tornou um pesadelo" — Foto: gshow

Vítima de violência doméstica relata que a relação começou como um "conto de fadas e "se tornou um pesadelo" — Foto: gshow

Lutar para que estes números mudem para melhor em um futuro próximo:

  • Casos de feminicídio no Brasil em 2021 e 2022: 1,3 e 1,4 mil
  • Estupros e estupros de vulnerável em 2021 e 2022: 68,8 mil e 74,9 mil
  • Assédio sexual em 2021 e 2022: 5,2 mil e 6,1 mil
  • Denúncias por violência de gênero entre janeiro e julho de 2022: 31 mil
  • Casos de violência doméstica em 2021 e 2022: 237,6 mil e 245,7 mil
  • Pedidos de medida protetiva em 2021 e 2022: 480,7 mil e 522,1 mil (dos quais 80% e 85%, respectivamente, foram concedidos)

Os Dados foram levantados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública no “Anuário Brasileiro de Segurança Pública”, que também informa outros detalhes a respeitos destes crimes:

  • 81,7% dos feminicídios foram cometidos por um companheiro ou ex-companheiro
  • 50% dos feminicídios foram cometidos com armas brancas e 29,2% com armas de fogo
  • 65,6% dos feminicídio aconteceram em via pública e 32% dentro de casa
  • 16% das vítimas de feminicídio têm entre 18 e 24 anos e 15,2% têm entre 35 a 39 anos
 
É necessário, para além de mero deferimento de medida protetiva, entender que uma violência desse tipo envolve diversos fatores, diversas políticas públicas e que todo mundo tem que trabalhar em conjunto, porque se a vítima não tiver alternativa, muitas vezes ela vai acabar voltando para a situação de violência, não por vontade, mas por falta de alternativa. Então, as medidas protetivas estão sendo mais atendidas e estão sendo mais pedidas, mas o número de feminicídio também aumentou. Alguma coisa está acontecendo e é importante a gente envolver diversas áreas para garantir as condições necessárias para essa mulher ter autonomia e ter condição de ficar protegida.”
— Tatiana Bias Fortes, coordenadora do NUDEM

Relatos de quem viveu na pele

De acordo com o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, muitos casos de violência sexual contra vulneráveis acontecem dentro do ambiente familiar, sendo a maioria deles contra a mulher. Esta mulher, que chamaremos de Bárbara, compartilha o abuso que sofreu na infância. Na volta da escola para casa, ela ficava na casa de algum vizinho próximo e conta que o abuso foi "acontecendo aos poucos" pela algoz.

"À medida em que a minha abusadora ganhava confiança no que ela estava fazendo e que eu não ia contar para ninguém, ela ia aumentando a dose do abuso. Aí começou assim, com esse papo de que vamos brincar de 'mamãe e filhinha'. Só acabou porque a gente mudou de casa. Na época, eu não falei nada para ninguém, porque eu fui muito ameaçada e porque eu sentia uma culpa muito grande."

"Outro ponto importante é que, desde pequena, eu sempre frequentei a igreja evangélica. Então, naquela época, eu também já tinha muito impregnado em mim o que era pecado, culpa, o quanto isso impedia que eu fosse para o céu. Eu pensava muito nisso na época: 'Se os meus pais souberem, além de eles ficarem muito tristes comigo, talvez nem queiram mais ser meus pais, eu vou para o inferno'. Demorei quase 20 anos para trazer esse assunto à tona."

Apesar de relatar não ter tido traumas para relacionar, sexualmente, com outras pessoas, o abuso impactou em muitos outros aspectos ao longo da vida, incluindo a maneira como se enxergava e como tentava conquistar o afeto das pessoas.

"O abuso roubou a minha infância, minha ingenuidade. Desde muito cedo, eu via meu corpo como uma moeda de troca, não só pelo sexo, mas os olhares, a conquista para conseguir aquilo que eu queria das pessoas. Eu queria que as pessoas me amassem, que tivessem algum tipo de afeto por mim. E eu não me importava de trocar esse tipo de afeto, mesmo que fosse uma migalha, pelo meu corpo."

"Eu usava o meu corpo para conseguir a atenção desses caras e eles me davam atenção, porque queriam o meu corpo. Mas, na minha cabeça, eles queriam o meu amor. E eu tive muitas frustrações nesse sentido e, ainda hoje, isso é uma coisa que eu preciso me policiar, infelizmente. Hoje, eu estou na terapia, já ressignifiquei muita coisa, já entendi que só o meu amor próprio tem que me bastar!"

Aurora* vive, hoje, com a família e o filho pequeno, mas sentiu na própria pele a temperatura do violentômetro subir. O casamento que começou carinho e elogios foi dando espaço para um cenário de horror e opressão, a ponto de Aurora se diminuir para caber na realidade do marido violento e possessivo.

“No começo era um conto de fadas, ele era uma pessoa gentil e carinhosa, apesar de ter um comportamento explosivo com outras pessoas. Com o tempo, ele começou a demonstrar ciúmes nos lugares em que eu ia com ele, falava que eu estava me oferecendo para os outros. Depois me pedia desculpas, falava que 'perdia a cabeça porque me amava'. Eu me sentia culpada e o perdoava. Depois veio a gravidez e já começaram os apertões no braço, quando bebia se transformava em outra pessoa, ficava mil vezes pior. Foi um pesadelo. Foi, principalmente, depois que o meu filho nasceu, que eu comecei a abrir minha mente, vi que aquilo estava errado aquilo e tentei, algumas vezes, me separar. Mas ele percebeu que eu abri os meus olhos e começou a ameaçar a minha família.”

“Na minha cabeça eu ia viver eternamente daquele jeito, prisioneira, porque eu perdi minha identidade, eu não fazia mais nada por mim, eu vivia pelo meu filho, pela casa e por ele. O estopim de tudo isso foi em janeiro de 2022, quando fomos ao litoral. Atrás da casa, tinha um matagal. Ele pegou a pá, me levou até a cozinha e falou: ‘Você vai cavar a sua própria cova. Acho que foi Deus mesmo que tocou no ouvido dele e ele desistiu de me matar. Ele recuou e falou: ‘Hoje eu estou bonzinho, eu vou te dar mais uma chance’.”

Agora segura, Aurora conta que o que viveu ficou no passado, mas um passado que segue deixando rastros. Ela trabalha com manicure enquanto procura outro emprego, mas raramente recebe ao menos um retorno sobre a vaga.

“Fora o trauma psicológico, porque até hoje eu não me abri para ninguém, eu fiquei com essa dificuldade de procurar emprego. Não sei o que os recrutadores pensam, ‘nossa, solteira e com filho pequeno?’ Porque eu não vou falar o que eu passei. Eu sei que sou descartada por ter um filho pequeno, mas é isso, eu peço forças a Deus todos os dias. Eu tenho que ter força, porque eu tenho um ser que depende de mim e que é tudo para mim”, ela termina o relato.

*Aurora, segundo a mitologia romana, é a deusa do amanhecer, que indica o começo de um novo dia. E que chegue o dia em que crimes como esses sejam coisas do passado, que a mulher ocupe cada vez mais espaços relevantes, que sua palavra não seja invisibilizada e que tomem consciência, de uma vez por todas, sobre a força da mulher!

Como funcionam as redes de apoio

Além do suporte sociofamiliar, ou seja, aquele núcleo composto por familiares e amigos próximos, existem ONGs que atuam na causa ajudando com os primeiros passos até chegar ao poder público. É este órgão que vai oferecer a assistência social, jurídica, médica, psicológica, acesso a abrigos necessários para manter a integridade da vítima e dispositivos legais de punição contra o autor do crime.

Lei Maria da Penha: sancionada em agosto de 2006, ela estabelece como crime qualquer ato de violência doméstica, como a física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Conforme descrevem os artigos, a lei assegura a todas as mulheres "as oportunidades e facilidades para viver sem violência" (como medidas protetivas de urgência ou pensão), permite que somente ela possa renunciar à denúncia e ainda:

“Art. 3º - Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.”

Delegacia de Defesa da Mulher (DEAM): muitas vítimas temem o interrogatório realizado pelos agentes, com ocorrências frequentes de questionamentos invasivos e até acusatórios. Estas unidades da polícia civil, que funcionam 24 horas, são especializadas no atendimento de crimes de gênero e foram criadas para oferecer uma assistência digna às vítimas de qualquer tipo de violência de gênero.

Núcleo de Defesa dos Direitos da Mulher (NUDEM): é o braço da Defensoria Pública que atua, de forma coletiva, no combate, prevenção e violência contra a mulher. Tatiana Bias Fortes, coordenadora do núcleo, explica que são eles, por exemplo, quem fazem as notas técnicas de projetos de leis sobre o tema, participa ativamente de ações propostas ao Supremo Tribunal Federal (como a descriminalização do aborto e violência obstétrica) e fiscaliza os dispositivos de apoio à mulher (como abrigos sigilos para a vítima).

“A gente, normalmente, não faz os atendimentos ou acompanhamentos individuais, a não ser que seja um caso muito emblemático e em lugares em que não têm defensoria para atuar pela mulher. Aí a gente acaba assumindo, mas o nosso forte são mesmo as demandas coletivas e controle de políticas públicas.”

Centros de Referência a Mulheres (CRMs) e Centro de Referência de Atendimento à Mulher (CRAM): espaços espalhados pelas cidades dedicados aos primeiros atendimentos por telefone ou presencial, encaminhamento para as autoridades pertinentes ou hospitais, apoio psicológico e atividades para capacitação da vítima.

Casa da Mulher Brasileira: além de ter uma cobertura semelhante aos CRMs e CRAMs, a CMB conta com funcionários da Defensoria Pública e Ministério Público atuando dentro da unidade, apoio da Guarda Civil Metropolitana para execução de medidas protetivas de urgência e serviço de deslocamento para o Centro de Referência da Assistência Social ou centros de apoio, além de funcionar como um abrigo para vítimas e seus filhos que não têm para onde ir ou precisam de um local seguro.

A Casa da Mulher Brasileira, com unidades em várias cidades do país, oferece assistência médica e jurídica e abrigo para vítimas de violência doméstica — Foto: Divulgação

Ana Cristina de Souza, coordenadora de Políticas para Mulheres e da Casa da Mulher Brasileira, explica que não existe um atendimento padronizado e que tudo é avaliado caso a caso, de acordo com a necessidade de cada mulher.

“Até porque a gente sabe também que, quando se trata das violações de direitos, essas mulheres têm algumas coisas que precisam ser melhor elaboradas. Elas precisam de um tempo e esse tempo é respeitado, o atendimento é humanizado e respeita o tempo dessa mulher.”

De acordo com Ana Cristina, os alojamentos de passagem recebem, em média, 50 mulheres – com ou sem filhos – por mês. Infelizmente, algumas delas decidem voltar casa devido a uma dependência emocional muito forte, medo ou por muitos outros motivos.

“Algumas chegam com uma demanda de autores de violência persecutória, autores de violência extrema e que ameaçam a integridade física dessa mulher. E, como a Casa não tem endereço sigiloso, ela não pode ficar muito tempo. A gente também acaba desenvolvendo algumas estratégias em um caso de uma possível retomada da violência, sempre damos algumas orientações como deixar sempre uma malinha escondida com os documentos, peças de roupa. Se ela precisar pode ligar e nós também perguntamos se podemos entrar em contato com ela de tempos em tempos e estabelecer algum tipo de horário que ela entenda que aquela ligação não vá oferecer riscos.”

“Quando a gente fala nos serviços que são ofertados dentro da Casa, a gente sabe que, para além da questão da dependência emocional, a dependência financeira também é um dos fatores que vai manter essas mulheres na condição de violência. Então, trabalhamos com elas questões de empregabilidade, empreendedorismo e capacitação para retorno ao mercado de trabalho. Para nós, esses também são eixos importantes e que fazem parte do processo de atuar com estas vítimas", detalha Ana Cristina.

Reconheça os sinais de violência contra a mulher

 

“Eu costumo sempre dizer que a violência física, ela é a mais perversa de todas, porque quando essa mulher chegou na violência física, já passou por todos as outras: violência moral, patrimonial, sexual e psicológica”, destaca a coordenadora da Casa da Mulher Brasileira.

Em parceria com a Secretaria de Direitos Humano, a CRM desenvolveu uma ferramenta chamada Violentômetro, que mostra, de maneira didática, a escalonada da violência. Muitas vezes esse ciclo começa a dar sinais com algum comentário depreciativo ou ofensa, passa para certas proibições e outros tipos de manipulação até, de fato, chegar na violência verbal e física:

“Infelizmente, a nossa cultura romantiza demais a violência, quando isso é o sinal de um homem inseguro. Mas aí olham isso como amor, como cuidado e a gente vai confundindo tudo no processo e se colocando numa situação de vulnerabilidade. Então, o violentômetro vai falar exatamente disso.”

Violentômetro é uma ferramenta criada para alertar os sinais de violência, que muitas vezes começam de maneira sutil até chegar na agressão física — Foto: gshow

 

Como pedir ajuda

  • 190 – Polícia Militar
  • 180 – Central de Atendimento à Mulher (para fazer denúncias e pedir orientações)
  • 100 – Disque Direitos Humanos (para pedir ajuda ou informações sobre redes de apoio e acolhimento) ou Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.
  • DEAM – Delegacia de Atendimento à Mulher
  • NUDEM – Núcleo Especializado de Promoção e Defesa dos Direitos das Mulheres
  • Centros de acolhimento público disponíveis na cidade

fonte: https://gshow.globo.com/moda-e-beleza/noticia/dia-nacional-de-luta-contra-a-violencia-a-mulher-veja-relatos-de-quem-sofreu-e-saiba-como-ajudar.ghtml

 


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