Secretaria de Segurança Pública do DF tem esquema especial para identificar e prender suspeitos desses crimes, muitas vezes praticados em casa. Judiciário e sociedade civil também criam ações com o objetivo de acolher vítimas
No Distrito Federal, de janeiro a março de 2023, foram registrados 94 casos de estupro de vulnerável, sendo que 75% das vítimas neste período têm menos de 14 anos. Outro dado alarmante mostra que 77,7% dos estupros de vulneráveis registrados no primeiro trimestre deste ano aconteceram no interior das residências. Sensação de culpa, vergonha, medo, dor, mau desempenho escolar são apenas algumas das sequelas da exploração sexual em crianças e adolescentes. Esse tipo de violência pode prejudicar desde o convívio social até a saúde mental, interferindo no futuro da vítima, se algo não for feito para lidar com o trauma. Especialista ouvida pelo Correio explica que é preciso acompanhamento psicológico para que as crianças e jovens possam superar o trauma. Autoridades e sociedade civil estão mobilizadas no DF para combater a violência sexual infantojuvenil e também para ajudar as vítimas a superarem os traumas causados.
A importunação sexual também é uma forma de violência e pode provocar traumas e cicatrizes psicológicas. Na capital do país, 33% dos 170 casos de importunação sexual registrados nos três primeiros meses de 2023 ocorreram com menores de 18 anos. "A criança que foi abusada sexualmente tem uma mudança de comportamento que faz ela se retrair e explorar bem menos o mundo. Se ninguém percebe, ela vai tentando administrar sozinha, porque se sente envergonhada e com sentimento de culpa. Isso gera solidão e dano à autoestima da criança", analisa a psicóloga Jhanda Siqueira.
A especialista explica que, para superar o trauma de uma violência sexual, é preciso que a vítima e os pais ou responsáveis vivenciem a situação ao invés de fingir que nada aconteceu. "Muitas famílias tentam abafar e não falar sobre o assunto. Mas uma forma de minimizar o trauma é afastar a vítima do abusador, não culpabilizar a vítima e dar amor. É importante levar a criança a espaços onde ela possa ser criança. E encaminhá-la a um psicólogo. É preciso passar pela dor para poder superá-la", observa Jhanda.
A Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP/DF) destaca que esse tipo de violência, envolvendo vulneráveis, ocorre, na maioria das vezes, no interior de residências, em ambientes familiares, sendo a denúncia o principal mecanismo para que os órgãos de segurança possam elaborar estratégias de atuação preventiva e, ainda, para identificar e prender autores (Confira no quadro ao lado como denunciar).
Gravidez precoce
Além da possibilidade de contrair doenças, o abuso sexual sofrido por crianças ou adolescentes pode gerar também uma gravidez precoce e indesejada, o que certamente prejudicará a saúde da vítima. A Organização Mundial de Saúde (OMS) considera gravidez na adolescência, a gestação que ocorre entre 10 e 20 anos de idade. É considerada de risco, independentemente da presença de comorbidades associadas e o perigo aumenta consideravelmente nas jovens menores de 15 anos.
"O impacto físico vai desde síndromes hipertensivas, anemia, eclampsia, parto prematuro, restrição do crescimento fetal, podendo levar ao óbito materno. Para o bebê, as consequências principais são o baixo peso ao nascer e malformações congênitas", explica o pediatra Henrique Flávio Gomes.
O profissional explica ainda que as consequências psicológicas de uma gravidez precoce podem reverberar em vários aspectos da vida da mãe. "Afastamento social na escola e sociedade, que pode se estender para dentro da própria família. Mudanças na autoimagem. Ansiedade e depressão. Abandono escolar e falta de profissionalização. Assustadores 80% das mães adolescentes são abandonadas pelos parceiros", acrescenta o médico.
Educação sexual
Especialistas ouvidos pelo Correio pontuaram que a educação sexual precisa ser feita de forma coordenada entre família, escola e poder público. "O debate sobre a educação sexual é de extrema importância para as crianças. Não devemos esperar a adolescência para abordar o tema. De maneira lúdica, o tema pode ser abordado em diversas faixas etárias justamente para a criança saber como agir em um caso de tentativa de abuso sexual", aponta o pediatra Henrique Flávio Gomes.
"É papel tanto da família quanto da escola educar sexualmente a criança. O jeito como os pais se expressam e abordam a própria relação na frente dos filhos também é uma forma de educar sexualmente. Os pais são espelhos de relações para os filhos. A escola também é importante, pois é onde estão as outras crianças da mesma idade. A escola também tem o papel de fornecer valores e ensinar as crianças a se relacionarem respeitando limites. É explicando limites que se previne abusos", completa a psicóloga Jhanda Siqueira.
Conscientização
Dezoito de maio marca o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Em alusão à data, ao longo de todo o mês, estão sendo realizadas atividades de conscientização, prevenção e combate à violência sexual infantojuvenil.
O Parque da Cidade tem recebido, durante o mês de maio, ações referentes ao combate à exploração sexual infantil. Para este mês, está previsto o lançamento da Rádio Ana Lídia, com o objetivo de conscientizar os frequentadores do local e entrarem na luta contra a pedofilia, abusos às crianças, exploração infantil, de fomentar a publicidade das crianças desaparecidas do DF e vai transmitir ainda uma programação musical específica para o público infantil. Além disso, o foguetinho do Parque Ana Lídia recebeu, pela primeira vez, iluminação especial em apoio ao Maio Laranja.
Combate e prevenção
A Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) atua por meio de um protocolo criado em parceria com a Universidade de Brasília (UnB), validado em pesquisa científica de depoimento especial de crianças e adolescentes. Esses depoimentos são realizados desde 2018, com a instituição da Lei 13.491, que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência. Esse depoimento especial é feito por profissionais capacitados, em ambiente adequado, dentro da DPCA, para que as crianças possam se sentir seguras.
O programa de Prevenção Orientada à Violência Doméstica (Provid), da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), também contribui com a prevenção para interromper o ciclo da violência sem que elas sejam revitimizadas. O tratamento diferenciado é dado tanto às crianças e adolescentes quanto às vítimas ou testemunhas.
Virando vidas
O DF conta com uma tecnologia de intervenção social onde adolescentes e jovens em situação de vulnerabilidade social — principalmente vítimas de abuso e violência sexual — têm acesso a um processo sociopsicopedagógico, que cria condições para que eles possam adquirir conhecimento e habilidades, recuperando a autoestima necessária para ingressar no mercado de trabalho. O projeto se chama Vira Vida, existe desde 2008 e foi criado pelo Conselho Nacional do Serviço Social da Indústria (Sesi). Até 2021, 595 alunos concluíram o processo e 372 foram inseridos no mercado de trabalho.
"São indivíduos que não tinham sonhos e estavam escondidos por serem vítimas da pior perversidade do homem que é a violência sexual. O Vira Vida resgata essas pessoas e devolve para a sociedade bem melhor do que quando chegaram. O processo dura 12 meses. Nós devolvemos dignidade para estes indivíduos. O Vira Vida resgata, qualifica, dá dignidade e ajuda na inserção socioprodutiva deles", descreve Cida Lima, assessora de responsabilidade social do Sesi-DF e coordenadora do programa Vira Vida.
Na última segunda-feira, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) promoveu o evento Faça bonito, aprendiz: bora virar vidas?, que reuniu representantes de instituições públicas e privadas com o objetivo de promover a inserção dos jovens do Vira Vidas no mercado de trabalho por meio da oferta de vagas de jovem aprendiz, estágio ou vínculo empregatício direto.
O MPDFT conta com o programa Adolescente Aprendiz, voltado para jovens que se encontram em situação de vulnerabiliade extrema, que inclui vítimas de violência sexual. "Acreditamos que transformamos vidas por meio da ferramenta da profissionalização. A bolsa de aprendizagem está destinada para aqueles que jamais conseguiriam disputar uma vaga em iguais condições com outros jovens que tiveram oportunidades", explica a vice-procuradora Selma Sauerbronn.
O Correio conversou com duas alunas do projeto Vira Vidas, vítimas de violência sexual, que declararam que o amor e acolhimento recebido foi fundamental para recuperarem a dignidade após os abusos sofridos. Juliana* (nome fictício), 18 anos, conheceu o programa Vira Vidas por meio do Programa de Atendimento às Pessoas em Situação de Violência e Riscos (PAV), para onde são encaminhados pelo Conselho Tutelar os jovens vítimas de violências. Por meio do Vira Vidas, Juliana entrou para o programa Jovem Aprendiz da Caixa e pôde vivenciar o mercado de trabalho. "O amor recebido aqui, nunca recebi em lugar nenhum", conta ela. "Eu pretendo ser psicóloga no futuro. Quero fazer faculdade e ajudar as pessoas assim como eu fui ajudada", completa a jovem.
Ângela* (nome fictício), 19, também conheceu o programa Vira Vidas pelo PAV e está trabalhando no MPDFT como adolescente aprendiz. "O programa está me ajudando muito. Agora, vejo que posso ter um futuro. Eu me enxergo com outra perspectiva de vida, descobrindo novos sonhos e podendo realizá-los", afirma Ângela.
Como denunciar
O registro de ocorrência pode ser feito em qualquer delegacia localizada nas regiões administrativas e também por meio da Delegacia Eletrônica, disponível em https://www.pcdf.df.gov.br/servicos/delegacia-eletronica.
Denúncias também podem ser feitas pelo 197.
Para casos específicos envolvendo crianças e adolescentes, o DF conta com a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), localizado no Departamento de Polícia Especializada (DPE).
Violações sexuais contra crianças crescem quase 70% no Brasil
Dados são relativos aos três primeiros meses deste ano
Publicado em 17/05/2023 - 14:27 Por Beatriz Arcoverde – Repórter da Agência Brasil - Brasília
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Sinais sutis como agressividade, falta de apetite e isolamento social podem denunciar que algo errado está ocorrendo na vida de uma criança ou adolescente. É o que afirma a pedagoga e diretora de uma escola em Brasília, Carol Cianni.
O abuso sexual é uma das causas de comportamentos assim e o crescimento desse tipo de crime no Brasil assusta. Só nos três primeiros meses deste ano, 17,5 mil violações sexuais contra crianças ou adolescentes foram registradas pelo Disque 100. Os dados são do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania e apontam um aumento de quase 70% em relação ao mesmo período de 2022.
Nesta quinta-feira (18), Dia Nacional de Enfrentamento ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, o governo federal realiza diversas campanhas de conscientização sobre o tema.
Como identificar que uma criança ou adolescente está sofrendo algum tipo de violência sexual? Mais importante que isso é saber orientar os jovens sobre como se defender desse tipo de situação.
Prevenção
Carol Cianni destaca que a família e a escola têm papel fundamental na prevenção. Para ela, levar o tema para a sala de aula de forma leve e assertiva, explicando que o corpo é algo íntimo e sagrado, ajuda no entendimento dos alunos. Ela diz, também, que a escola precisa ficar atenta a qualquer mudança no comportamento dos alunos para intervir de forma rápida.
"Na escola, os professores observam tudo: como a criança brinca, como ela se alimenta, como ela deita para relaxar na hora do descanso e como se relaciona com os colegas. Então, temos uma observação atenta a todos os detalhes do comportamento da criança para que a gente possa ajudá-la. Isso porque os pedidos de socorro dos pequenos vêm de forma muito sutil", explica.
Alerta
Já a psicóloga Caroline Brilhante afirma que a maior parte dos abusos contra crianças e adolescentes é praticada por pessoas próximas da vítima e em ambientes conhecidos da família. Por isso, é importante estar sempre alerta.
Ela frisa que monitorar e restringir o acesso à internet pode evitar que a criança se exponha a situações de risco.
"Uma das formas de prevenir é restringir o tempo de tela da criança [na internet] e até mesmo do adolescente. Implantar filtros no acesso a conteúdos que estejam fora da faixa etária. Ter atenção ao comportamento da criança ou jovem em relação a sexo porque o interesse súbito sobre o assunto pode indicar algum problema", salienta.
As denúncias de qualquer abuso sexual ou outro crime contra os direitos humanos podem ser feitas - de forma anônima e gratuita - pelo Disque 100.
Edição: Kleber Sampaio