Erica da Cruz Santos afirma que a ansiedade patológica, como resultante dessas condições, pode acarretar danos físicos e psicológicos se não for tratada
Relatório da ONG Think Olga Esgotadas”, aponta quais as causas que levaram a um cenário atual de sobrecarga das mulheres, que estão mais ansiosas, estressadas e insatisfeitas. Além disso, o Instituto Datafolha já havia relatado que mulheres e jovens possuem mais ansiedade na sociedade atual.
De acordo com o levantamento, 86% das brasileiras consideram ter muita responsabilidade, 48% sofrem com dificuldades econômicas em um universo no qual 28% se declaram como única fonte de renda do lar e cerca de seis em cada dez mulheres, entre 36 e 55 anos, são responsáveis pelo cuidado direto de alguém.
Erica da Cruz Santos, psicóloga, mestre em Ciências pelo Instituto de Psicologia (IP) da USP e supervisora do Serviço de Psicologia e Neuropsicologia do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), discorre sobre as causas e consequências desse cenário.
Ansiedade
Segundo a especialista, as consequências associadas à sobrecarga das mulheres — como estresse, fadiga e irritabilidade — ficaram mais evidentes após a pandemia. O lado socioeconômico e a sobrecarga de trabalho, dentro e fora de casa, são alguns dos motivos que impactam esse esgotamento.
Erica explica que existem dois tipos de ansiedade observados diante dessa sobrecarga: “Ansiedade normal tem a ver com um desconforto que é dentro do esperado, por exemplo, diante de algum evento novo, alguma situação que seja indesejável”. Por outro lado, ela ressalta que a ansiedade patológica vai produzir uma resposta emocional que pode acarretar danos físicos e psicológicos, possui uma frequência alta na vida do indivíduo e a mulher não consegue ser — ou se enxergar — produtiva.
Tratamento
A psicóloga comenta que isso é uma responsabilidade compartilhada de observação, na qual faz-se necessária uma rede de apoio para que as mulheres se conscientizem e identifiquem os sintomas. Ademais, devem ser realizadas estratégias de enfrentamento — período de tempo para si, como atividade física ou um tempo maior com amigos e familiares, visto que a sobrecarga está diretamente ligada a um ciclo, sem pausas, de multitarefas.
Em casos de ansiedade patológica, muitas vezes é fundamental o auxílio profissional, a partir de consultas com psicólogo e psiquiatra para obter a primeira avaliação. Então, se prescrito, iniciar um acompanhamento regular ou, até mesmo, um tratamento medicamentoso.
O tratamento, ressalta a especialista, é um processo demorado, ou seja, dificilmente terá o resultado poucos meses após iniciar o uso da terapia ou dos medicamentos, “a ideia é que ele seja um suporte por um período, para que essa fase aguda da ansiedade ou da depressão seja enfrentada. A partir do momento que a pessoa consegue fazer um acompanhamento longitudinal, isso vai sendo reavaliado. Então, as pessoas não precisam ter medo de buscar tratamento ou ajuda”.
Consequências
Erica afirma que problemas psicoemocionais em mães podem impactar diretamente a forma como elas percebem e caracterizam seus filhos e, para contornar isso, deve ser feito uma distribuição das tarefas e dos cuidados para que a sobrecarga não tenha tanta intensidade.
“Essa fadiga em excesso pode afetar as capacidades relacionadas à atenção e à memória e vai impactar o sono e a alimentação. Nós temos que pensar no indivíduo como um todo e esses impactos podem trazer a instalação de um transtorno mental”, finaliza a psicóloga.
Jornal da USP no Ar
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Particularidades do universo feminino podem contribuir para o surgimento de transtornos mentais
O desenvolvimento de casos de depressão, por exemplo, pode ser resultante da oscilação dos níveis hormonais do ciclo reprodutivo, diz Joel Rennó Júnior
Lançada em 2023, a obra Tratado de Saúde Mental da Mulher – Uma Abordagem Multidisciplinar reúne o trabalho de 30 anos do Programa Saúde Mental da Mulher, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, e contempla todos os aspectos importantes que envolvem o cenário da saúde mental do universo feminino.
Joel Rennó Júnior, professor e médico do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, coordenador do programa e editor chefe da edição, comenta como as peculiaridades do universo feminino influenciam no desenvolvimento de transtornos mentais.
Criação do programa
De acordo com Rennó Júnior, o Programa Saúde Mental da Mulher foi criado em 1993, no Instituto de Psiquiatria. O Hospital das Clínicas possui um grupo de interconsultas, responsável pelo atendimento de diversas áreas clínicas.
Dentre eles, havia um que atendia transtornos psíquicos do ciclo reprodutivo feminino, como o transtorno disfórico pré-menstrual (TPM) e problemas surgidos no pós-parto. “A partir desses atendimentos surgiu a possibilidade – por conta da demanda da época – de um grupo específico relacionado aos transtornos desse ciclo, e o Programa Saúde Mental da Mulher surgiu”, explica o médico. Atualmente, ele faz parte do Instituto de Psiquiatria, mas não está mais vinculado ao grupo de interconsulta.
Epidemiologia dos transtornos psiquiátricos
Para Rennó Júnior, é importante pensar nos transtornos psicológicos através das vivências femininas. Antigamente, acreditava-se que as mulheres tinham mais distúrbios mentais porque procuravam mais assistência médica. Entretanto, pesquisas e evidências começaram a mostrar que algumas peculiaridades do gênero feminino contribuem para a maior prevalência de transtornos mentais em mulheres. O desenvolvimento de casos de depressão, por exemplo, pode ser resultante da oscilação dos níveis hormonais do ciclo reprodutivo.
“A perimenopausa, período que antecede, em média, cinco anos o início da menopausa, é caracterizada por flutuações hormonais e alterações relacionadas a sintomas vasomotores e um agravamento de sintomas depressivos”, exemplifica o médico. Mulheres que têm sintomas de TPM acentuados apresentam riscos maiores de desenvolver um quadro de depressão pós-parto; já mulheres que desenvolvem essa condição têm mais risco de desenvolver quadros depressivos na perimenopausa.
Antigamente, segundo Rennó Júnior, as mulheres não eram incluídas nos estudos que testavam a eficácia de medicamentos. “Não se sabia, por exemplo, se um antidepressivo era tão eficaz para o sexo feminino quanto para o masculino, e não havia correlação disso com o uso de contraceptivos orais e reposição hormonal”, pontua. O médico acredita que essas questões femininas precisam ser estudadas para proporcionar uma melhora na qualidade de vida, lutar contra estigmas e oferecer tratamentos eficazes para as problemáticas.
De acordo com o médico, existem fatores socioeconômicos no Brasil que contribuem para o desencadeamento de transtornos psicológicos em mulheres. “O baixo status socioeconômico é um fator de risco importante para o desencadeamento de casos de depressão pós-parto. A violência contra a mulher – seja sexual, psicológica ou física – muda o curso de vida das vítimas e gera transtornos mentais extremamente significativos.”
Oportunidade
O programa Saúde Mental da Mulher do Hospital das Clínicas está com vagas abertas para mulheres gestantes e mulheres no pós-parto – até o sexto mês – para triagens. Aos interessados, é preciso entrar em contato através do e-mail
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