Quase lá: Doutora Honoris Causa, Creuza Oliveira ministra potente aula sobre as faces da violência no trabalho doméstico remunerado

Referência na luta e conquista dos direitos das trabalhadoras domésticas do Brasil, Creuza Oliveira, presidente de honra da Fenatrad, ministrou uma aula aberta na última quinta-feira, 7 de dezembro, na Faculdade de Educação da UFRGS.

 

 

 

Foi a primeira aula ministrada por Creuza após receber o título de Doutora Honoris Causa pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). A atividade, realizada pela Akkani e pela Themis, fez parte da programação dos 21 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência Contra as Mulheres.

“A gente costuma dizer que Creuza é nossa Laudelina dos tempos modernos. Laudelina de Campos Melo foi a trabalhadora doméstica que fundou a primeira associação da categoria, na década de 30, e hoje é uma grande referência na luta da categoria. E Creuza é a referência atual deste movimento”, afirmou a coordenadora da área de Trabalho Doméstico Remunerado da Themis, Jéssica Miranda Pinheiro.

Creuza explicou as faces da violência no trabalho doméstico remunerado a um auditório repleto de trabalhadoras domésticas, líderes sindicais, Promotoras Legais Populares e Jovens Multiplicadoras de Cidadania. Em uma contextualização histórica, Creuza falou sobre os navios negreiros que traficavam escravos para o Brasil e as consequências deste período nas condições atuais da vida das mulheres negras.


“Analisando o processo histórico do Brasil, a gente vê que a primeira fase do sofrimento da população negra começou neste tráfico de pessoas humanas. Passamos por isso, não escolhemos e nem pedimos para vir para o Brasil, fomos traficadas e traficados”, disse Creuza, dando início a uma fala potente que desconstrói a narrativa hegemônica da história brasileira.


De acordo com a tesoureira da Akanni, Beatriz da Rosa Vasconcelos, a aula aberta foi um reconhecimento da mulher preta que fez a diferença na vida de todas nós. “Enquanto alguém é presidente da República, governador, deputado, vereador ou funcionário de empresa, a trabalhadora cuida de sua casa e de sua família. Isso tem que ser valorizado e deixar de ser invisível à sociedade. Creuza traz isso em sua fala potente e emocionante. É extremamente importante ela falar na universidade.”

A íntegra da aula está disponível no Facebook da Themis.

Crédito das fotos: Janaína Kalsing

Confira alguns trechos da aula de Creuza Oliveira:

“Nos debates do Movimento Negro Unificado, a gente fala: a Princesa Isabel assinou a lei áurea, mas esqueceu de assinar a nossa carteira de trabalho, esqueceu de nos dar moradia, esqueceu de nos permitir educação. Então, não nos deu nada”.


“Nós, trabalhadoras domésticas, fazemos parte da classe operária brasileira, construímos este país, contribuímos com a economia brasileira e mundial, e a riqueza desse país não é distribuída de forma justa, pois moramos de forma precária na periferia. E o que é público é de péssima qualidade, pois quem usa os serviços públicos somos nós, negras, e não há investimento nestes serviços, porque é a população negra quem os usa.”

“Não foi fácil pra gente conquistar essa cidadania. Mas ainda há muito o que avançar. Estamos no processo da libertação total, porque antes era a senzala, hoje a gente tem uma senzala moderna, nas casas, onde os quartos de empregada não tem ventilação, não tem espaço. É o depósito de coisas quebradas, da ração do cachorro e do gato, dos brinquedos das crianças que não se quer jogar fora – ‘coloca lá no fundo, no quarto da Maria’. É o quarto da privação, ou das privações. Geralmente, esse quarto tem a fechadura quebrada. Por que será que a fechadura do quarto de empregada está sempre quebrada?”

“Nós precisamos nos valorizar. A gente tem que mudar a história. Todos têm o direito e nós também temos. Hoje, aumentou o número de trabalhadoras com maior escolaridade. Há domésticas formadas em Direito, Pedagogia, formadas e continuam trabalhando como trabalhadoras domésticas. Rosângela é formada em Pedagogia, agora faz mestrado, e continua trabalhando na mesma casa há 22 anos”.

“A trabalhadora doméstica está no âmbito privado, está sozinha numa residência. Não é como em uma empresa, onde o trabalhador e a trabalhadora estão no meio de outras pessoas. Um ajuda o outro. É diferente da trabalhadora que está sozinha dentro de uma residência, que ouve o patrão e a patroa falando mal do sindicato e da organização. É uma lavagem cerebral terrível para essa trabalhadora.”

 


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