Respeita Meu Nome é resultado de pesquisa de estudante de Marketing da USP, que identificou empresas de telefonia como as que mais utilizam o “nome morto” de pessoas trans
Publicado no Jornal da USP em 30/01/2024
Texto: Tabita Said
Ilustração: Site respeitameunome.com
Lançada no Dia da Visibilidade Trans, 29, a plataforma Respeita Meu Nome foi criada pela Mais Labs, a primeira startup criada na USP que utiliza a diversidade como uma solução de inovação e tecnologia. Já disponível no site www.respeitameunome.com, a plataforma quer auxiliar pessoas travestis e transgêneros a notificar empresas que desrespeitem o direito ao nome social.
A ideia não é apenas abrir uma reclamação e denunciar a empresa que insista em utilizar o chamado “nome morto” da pessoa que tenha ou não retificado seu registro de nascimento. De acordo com a Mais Labs, é preciso aproximar as empresas, favorecendo um ambiente de transparência, resolução colaborativa e comprometimento com a inclusão.
O nome social é o nome pelo qual a pessoa travesti ou transexual prefere ser chamada, e possui a mesma proteção concedida ao nome de registro, assegurada pelo Decreto nº 8.727/2016. O decreto reconhece a identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.
“Não existe nada assim no mercado, é uma Plataforma como Serviço (PaaS, na sigla em inglês) para aprimorar o gerenciamento de relacionamento com o cliente trans. Hoje em dia, para uma pessoa trans ter o seu nome respeitado, ela tem que entrar em contato empresa por empresa, e cada uma delas tem sua própria diretriz, sua forma de fazer essa alteração. É muito burocrático, cansativo e a Respeita Meu Nome quer democratizar esse processo”, explica Maria Claudia Miranda Cardoso, fundadora da plataforma.
Na imagem, Maria Claudia Miranda Cardoso, mulher negra e trans da USP, estudante de Marketing e fundadora da plataforma Respeita Meu Nome - Foto: Delírio Ecossistema Criativo
Inclusão na ciência
A iniciativa surgiu após uma pesquisa realizada por Maria Claudia e Othon Arruda, estudantes do curso de Marketing da Escola de Artes, Ciências e Humanidades (EACH) da USP, em São Paulo. Realizada durante a disciplina do professor Otávio Freire, a pesquisa analisou 409 tweets relacionados a casos em que marcas não respeitaram o nome social de pessoas trans e que foram relatados na rede social X, no primeiro semestre de 2023, quando ainda se chamava Twitter.
O trabalho também identificou os desdobramentos desses tweets e as interações entre marcas e usuários por meio das menções diretas e indiretas. Na amostra, o perfil da empresa de telefonia Oi (@oi_oficial) foi o mais mencionado, sendo responsável por mais de 46% do total. De acordo com a pesquisa, grande parte das menções era relacionada a um desrespeito ao nome social, relatado por algum usuário. Em seguida, os perfis mais mencionados foram o do deputado federal Nikolas Ferreira (10%) e os das empresas Gol e Vivo (5%).
Nuvens de tags indicam menções diretas e indiretas a empresas e usuários no Twitter que relataram desrespeito ao nome social de pessoas trans - Fonte: Cedida pela pesquisadora
“As empresas que trabalham com bases de dados muito grandes, como é o caso das empresas de telefonia, muitas vezes têm um padrão que se dá a partir da documentação cadastrada. E os processos jurídicos e burocráticos não são tão ágeis para entender e se sensibilizar para a questão do uso do nome social”, destaca Freire.
Otavio Bandeira De Lamônica Freire - Linkedin
Para o professor de marketing, os usuários estão entendendo que existem outras pessoas por trás das marcas que não estão recebendo suas reclamações. “O bacana da plataforma da Maria é ser mais um agente de mudança. Se ela conseguir o apoio de várias organizações, passará a fazer parte de uma onda; será mais uma voz importante e com certeza não vai ficar só na questão do preconceito nem só ligada à questão do nome social, deve ampliar bastante”, afirma.
Respeito em números
Os dados foram tratados com auxílio de software para análises linguísticas e de texto. Os tweets foram divididos em quatro categorias, de acordo com os argumentos utilizados pelos usuários para fundamentar suas falas.
O grupo 1, o maior deles, é composto de usuários que partilham conhecimentos básicos da comunidade trans, abordando temas mais voltados à saúde.
O grupo 2 é próximo do primeiro, porém com posts mais voltados ao compartilhamento de experiências cotidianas positivas ou negativas, sobretudo com relatos de microagressões e algum engajamento na luta por direitos.
O grupo 3 foi identificado na pesquisa como “enfrentamento”, por apresentar argumentos de defesa mais ativos, comportamento combativo e utilização das redes para expor instituições ou usuários, exigindo reparação e buscando cativar aliados.
Por fim, o grupo 4, o menor deles, é o mais distinto dos demais por utilizar vasto conhecimento jurídico e embasamento legal para fundamentar suas falas. Neste grupo, foram identificados usuários em ambos os espectros: os que apoiam as causas da comunidade trans e os que banalizam ou diminuem suas demandas.
Para Freire, embora o trabalho tenha utilizado uma pequena amostragem, ele foi muito cuidadoso em analisar comentários que podem estar enviesados e carregados de extremismos. “O que traz ali já é muito importante: ela vê que as redes sociais podem ser um espaço em que, sim, existe um preconceito, mas ao mesmo tempo existe um enfrentamento”, diz.
O docente lembra ainda que o trabalho demonstra o caráter prático do ensino da USP, que tantas vezes é tida como uma universidade teórica. “Tanto que 10 dos 16 unicórnios brasileiros eram oriundos da USP. Temos a Agência USP de Inovação, as incubadoras… Estamos dando um conhecimento forte e bem aplicado. A Maria Claudia está fazendo coro à questão do empreendedorismo, que é extremamente importante”, destaca.