Nesta semana é celebrado o Dia Nacional das Tradições de Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé
Sancionado pelo presidente Lula (PT) em 2023, 21 de março é o Dia Nacional das Tradições de Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé. Mesmo com o reconhecimento da data, a realidade brasileira ainda é marcada pelo racismo religioso, que tem como consequência a discriminação e uma série de outras violências contra povos de religiões de matriz africana.
Para Makota Celinha, iniciada há 33 anos no candomblé e coordenadora-geral do Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro Brasileira (Cenarab) de Minas Gerais, é preciso ter maior empenho do Estado e da sociedade no combate ao racismo.
"Ainda precisamos provar em praça pública que nossas vidas importam e que nós temos direito às nossas práticas e tradições", afirma.
Confira a entrevista completa:
Brasil de Fato MG: Qual é o significado do 21 de março para os povos de religiões de matriz africana?
Makota Celinha: Essa data é uma ação afirmativa. Em um Estado extremamente racista e preconceituoso, nós ainda precisamos de datas como essas. Ainda não dá para, simplesmente, "deitar à sombra das árvores e tomar água de coco". Ainda precisamos provar em praça pública que nossas vidas importam e que temos direito às nossas práticas e tradições.
É uma data importante porque ela serve para essa afirmação, em um contexto de luta contra o racismo. No Brasil, nós temos uma crescente de racismo, de ódio, de intolerâncias e de preconceitos. Há um acirramento nesse quadro. Então, o 21 de março ainda é um dia fundamental para a gente.
Como o racismo religioso se expressa?
Das formas mais corriqueiras possíveis. No fato de nossos terreiros serem depredados, de ligarmos a televisão e ver as igrejas neopentecostais satanizando as religiões de matriz africana, quando o vizinho ao lado se incomoda com o cheiro do terreiro.
As formas como o racismo se expressa são as mais diversas, ainda hoje. Isso quando não temos ameaças físicas. Recentemente, por exemplo, em Esmeraldas, nós tivemos um caso de violência física. O terreiro se estabeleceu naquele local fugindo de intolerância na cidade de Ribeirão das Neves. A mãe de santo adquiriu um imóvel em Esmeraldas e, no primeiro dia que ela chegou com a mudança eles foram violentados.
Não é preciso uma arma de fogo para matar. A pessoa também morre quando sua subjetividade é atacada
Então, o racismo se expressa dessas formas. Você tem a forma subjetiva e a objetiva. A subjetiva são os olhares, quando saem da calçada onde você está, quando te olham atravessado, como se você fosse algo de outro mundo, por exemplo. E, todas elas ferem mortalmente a nossa subjetividade e os nossos direitos como cidadãos. Não importa como o racismo se expressa, da forma que for, ele será violento.
Na sua avaliação, qual é o papel do Estado para enfrentar esse cenário?
Nós precisamos responsabilizar o Estado brasileiro. O Estado brasileiro é cúmplice do racismo, a partir do momento em que ele não se coloca de forma categórica contra o racismo religioso. Não basta criarmos datas, não basta criarmos feriados, não basta sairmos em defesa. É preciso ser mais contundente no combate ao racismo. É preciso que o racista seja preso. Racismo é crime inafiançável e o Estado brasileiro tem que fazer cumprir sua própria lei.
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Então, o Estado brasileiro é cúmplice, na medida em que se omite nos casos de racismo, nas violências cotidianas contra os corpos pretos, contra as religiões de matriz africana. Ele é cúmplice por omissão. A sociedade também é. Porque, a partir do momento em que a sociedade brasileira não assume a importância da laicidade e não assume um embate vigoroso contra o racismo, ela acaba sendo cúmplice.
Como a sociedade pode contribuir para o enfrentamento ao racismo religioso?
É preciso ser mais contundente nos processos de denúncia do racismo. Porque o racismo mata, ele fere. Não é preciso uma arma de fogo para matar. A pessoa também morre quando sua subjetividade é atacada, quando é tirado o prazer de ser quem ela é , quando é tirado o direito às suas práticas religiosas. De alguma forma, aquela vida morre.
É muito importante que tenhamos responsabilidade com todas as vidas e que saibamos que o corpo do outro é extensão do meu corpo. A partir do momento em que eu tomar essa posição de respeitar o corpo do outro, eu passo a respeitar sua dignidade, seu direito de ir e vir, seu direito a suas práticas, sua cultura e sua tradição. Não basta não se racista, é preciso se antirracista, ter uma conduta social antirracista: ajudar na denúncia, na punição e a construir um novo mundo. Porque todos nós podemos mudar o mundo, basta querer.
Fonte: BdF Minas Gerais
Edição: Leonardo Fernandes
Makotas de terreiros de Minas Gerais denunciam racismo religioso
As makotas são conselheiras das mães de santo e comentam violências contra povos de religiões de matriz africana
Desde o ano passado, o 21 de março é o Dia Nacional das Tradições de Raízes de Matrizes Africanas e Nações do Candomblé. Mesmo com o reconhecimento da data, Makotas (conselheiras das mães de santo e responsáveis por cuidar dos terreiros) de Minas Gerais relatam que o cotidiano dos povos ainda é marcado pela descriminação e violências.
Dados do IBGE indicam que no Brasil existem aproximadamente 407 mil praticantes da umbanda, 167 mil do candomblé e 14 mil de outras religiões de matrizes africanas. Segundo um levantamento da startup JusRacial, em 2023, havia 176 mil processos por racismo em tramitação nos tribunais do país e um terço deles (33%) envolviam intolerância religiosa.
Em Minas Gerais, um levantamento da Secretaria de Justiça e Segurança Pública do estado (Sejusp/MG) indicou que, entre janeiro e novembro de 2021, o estado registrou 83 crimes motivados por preconceito religioso.
Para Makota Celinha, iniciada há 33 anos no candomblé e coordenadora-geral do Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro Brasileira (Cenarab) em Minas Gerais, é preciso maior empenho do Estado e da sociedade no combate ao racismo, que se expressa de diferentes formas.
“O racismo religioso se expressa também nos olhares, no sair da calçada onde você está, ou te olhar atravessado como se você fosse algo de outro mundo. E, todas as formas como ele se expressa c e os nossos direitos como cidadãos”, complementa Celinha.
Uma pesquisa da Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras, divulgada no fim de 2022, ouviu representantes de 255 terreiros e observou que quase metade deles registraram até cinco casos de violência nos dois anos anteriores.
Makota Kidoialê, do Quilombo Manzo, localizado em Belo Horizonte, explica que, para as comunidades, além de templos sagrados, os terreiros são espaços de preservação da cultura, alimentação, língua, danças e tradições dos povos negros, trazidos da África para o Brasil.
“É a preservação de tudo o que nós trouxemos para além do nosso corpo e da cor da nossa pele”, explica Kidoialê. “Quem ataca o terreiro está atacando a sua própria história.”
Para a Makota Kinanjenu, da casa Nzo Jindanji Kuna Nkos'i, o racismo também se expressa na falta de políticas públicas voltadas para os povos de terreiros. Ela destaca que, ao invés de dar suporte, muitas vezes, o Estado invisibiliza as demandas.
“Durante todo esse tempo de resistência e existência, estamos fazendo o nosso próprio Estado, porque o Estado formal limita a nossa participação. Ele fala ‘até aqui você vai, daqui para frente você não vai mais’”, relata Kinanjenu.
Fonte: BdF Minas Gerais
Edição: Leonardo Fernandes