A pesquisadora, de 66 anos, fez doutorado em Manchester, na Inglaterra, e é referência para suas alunas
Sonia Guimarães subverte alguns estereótipos de cientistas que vêm à mente. Perfis sisudos e discretos à la Albert Einstein e Nicola Tesla dão espaço para a gargalhada alta, o black power descolorido e as cores chamativas em roupas e acessórios usados pela primeira mulher negra Phd em Física no Brasil e professora do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA). “Acabei de ler minha última avaliação acadêmica. Diz que meu vestuário chama muito a atenção para o meu corpo, e que não sou boa e inteligente o suficiente”, conta a pesquisadora, de 66 anos.
O currículo, no entanto, diz o contrário. Graduada pela Universidade Federal de São Carlos, onde emendou o mestrado, e com doutorado pela Universidade de Manchester, na Inglaterra, Sonia dedicou toda a sua trajetória acadêmica ao estudo dos semicondutores, materiais que possibilitaram o desenvolvimento de telefones. Em 2020, ganhou a patente de uma técnica para a produção de sensores em cabeça de mísseis usados em aviões de guerra. “Além de cientista, sou inventora. Atuo em um ambiente que ainda é muito branco e masculino. Se eu fizesse alguma coisa diferente na minha carreira, daria vitória a quem quis me derrubar”, afirma.
Filha de um tapeceiro e uma dona de casa, Sonia foi a primeira pessoa da família a se formar na faculdade, e sempre recebeu o apoio dos pais. “É uma felicidade acompanhar a trajetória de sucesso dela, houve muito esforço para isso”, orgulha-se dona Clélia Guimarães, a mãe da pesquisadora.
Para Sonia, “a dificuldade de acesso de pessoas pretas na ciência está no racismo estrutural do país”, além da deficiência de ensino na educação básica, em especial nas escolas públicas. “Não há estímulo para o ingresso na área de exatas. Por isso, muitos desistem quando levam bomba em cálculo. Além disso, ainda há professor universitário que se certifica se o aluno negro está na sala correta. Como aguentar isso por cinco anos?”, questiona.
No ano passado, Sonia recebeu a medalha Santos Dumont de Honra ao Mérito pelas três décadas no ITA, onde ingressou como professora em 1993, época em que a instituição não aceitava meninas como estudantes (o que viria a ocorrer em 1996). Em entrevista a Pedro Bial, em 2018, a pesquisadora afirmou que o ambiente era hostil. Seis anos depois, Sonia reitera que, de lá para cá, nada mudou. “A reitoria, os professores e os alunos: todos ficaram ofendidos quando eu disse no programa que estavam acostumados a ver pessoas como eu limpando o chão”, diz. “Não sou daquelas que falam ‘sim, senhor’ para tudo. É por isso que sou odiada naquele lugar.”
Em partes. Bruna Assis, de 22 anos, aluna de Engenharia Eletrônica da instituição, afirma ver Sonia como “referência de possibilidade”. “Enquanto menina negra, é importante saber que pessoas como eu conseguem chegar a lugares onde sonham estar”, ressalta Bruna.
Sonia não teve filhos nem se casou. “Não há homem que vá querer ser meu coadjuvante”, diz. Mas, segundo ela, a dedicação à ciência nunca a impediu de nada. Entusiasta do carnaval de São Paulo, a cientista já desfilou pela X9, Dragões da Real, Tom Maior e Nenê de Vila Matilde. “Em duas delas, com meia bundinha de fora. E se alguém reclamar, que se dane para lá!”
O ITA foi procurado para falar sobre a relação com a professora, mas não retornou até o fechamento desta edição.