Quase lá: Rede de Mulheres Negras do Nordeste: a reparação bate à porta

Movimento é o nome do que as mulheres negras dessa região sabem fazer! A Rede de Mulheres Negras do Nordeste juntou mais de 100 mulheres negras dos 9 Estados, organizadas em grupos, coletivos, organizações e outras redes para celebrar e repactuar os sonhos de transformação e revolução.

03082023 articulação bn

 

ARTICULAÇÃO BN

Existe um ditado nordestino que diz: “pedra que rola não cria limo.” E essa pedra que rola dá conta de criar tanto movimento que é impossível ficar no mesmo lugar.

Movimento é o nome do que as mulheres negras dessa região sabem fazer! A Rede de Mulheres Negras do Nordeste juntou mais de 100 mulheres negras dos 9 Estados, organizadas em grupos, coletivos, organizações e outras redes para celebrar e repactuar os sonhos de transformação e revolução.

Nós, Blogueiras Negras, construímos ativamente – através de nossa Área de Articulação – o processo do encontro, contribuindo com nossa experiência, nosso afeto e metodologias participativas que foram importantes para a maioria das mulheres negras ali presentes.

 
FT: Rede de mulheres negras do nordeste

Jovens, mais velhas, crianças e adolescentes sentiram, planejaram e criaram perspectivas para as mulheres negras do Nordeste de maneira tão afetuosa, divertida e comprometida, que o encontro fechou com chave de ouro as atividades do Julho das Pretas.

Aracaju (SE) foi o lugar escolhido, onde pudemos praticar o cuidado e o autocuidado, reforçando o conhecimento sobre a origem da Rede e sua história ao longo do tempo. A primeira roda de conversa relembrou as circunstâncias desse movimento inicial da criação da rede e quais foram as mulheres negras que sonharam e concretizaram a Rede de Mulheres Negras do Nordeste. Ouvimos sobre o papel das mulheres maranhenses, das mulheres negras do Piauí e da Bahia, além de todo o contexto político dos demais Estados da região que impulsionaram o surgimento dessa articulação tão potente.

Ouvimos Halda Regina (Ayabás – Instituto da Mulher Negra do Piauí) relembrar e celebrar o papel de Rosana Fernandes (CESE) e o histórico potencializador das formações políticas, embrionárias do processo à época. Atentas, escutamos Josanira Luz (Grupo de Mulheres Mãe Andresa) contar como as mulheres negras do Maranhão sonhavam com uma articulação regional, já que o estado se sentia isolado na luta contra o racismo.

Outro ponto alto foi a análise de conjuntura na perspectiva das mulheres negras jovens. Mediada por Lays Araújo (Blogueiras Negras), a conversa experimentou uma metodologia que permitiu a participação das diferentes mulheres e nos possibilitou escutar diversas experiências – desde mulheres negras quilombolas a guardiãs das águas e das florestas, das meninas organizadas e daquelas que trabalham nos equipamentos públicos como CRAS e CAPS, inclusive de mulheres negras organizadas em torno de questões mentais. Foi um momento ímpar em que falamos com Alane Reis, da Revista Afirmativa, sobre hegemonia e a disputa dos nossos movimentos por pessoas brancas. Também conversamos sobre política e segurança pública com Sarah Menezes (Inegra do Ceará), que trouxe uma abordagem construída a partir de dados do Anuário de Segurança Pública. Além disso, compartilhamos os efeitos do pós-pandemia e o colapso do Sistema Único de Saúde através da leitura de Laila Oliveira, da Auto-organização de Mulheres Negras Rejane Maria (SE).

Para projetar nosso futuro, tivemos uma oficina divertida e coletiva, liderada por Naiara Leite (Odara Instituto da Mulher Negra). Desenhando e rabiscando no papel, os grupos de mulheres sonharam os próximos 10 anos da Rede, num projeto de futuro que deseja o fortalecimento interno, a auto-organização e a formação política da região, além de se pensar como referência no que diz respeito a incidência, ao monitoramento e a pesquisas para as mulheres negras nordestinas.

Os dias findaram com muita celebração, arte e confraternização, proporcionando às mulheres negras presentes sentirem a potência e a força da unidade – com toda divergência política e diversidade de opiniões. O encontro de 10 anos da Rede de Mulheres Negras do Nordeste mostrou que o autocuidado e o cuidado coletivo entre nós precisam continuar sendo prioridade para a continuidade do movimento.

Blogueiras Negras saíram radiantes de alegria, confiantes no trabalho que realizamos e desejando fazer muito mais. Sentimos que há espaço para fortalecer e expandir nossas relações com organizações, revigorando um movimento de respeito mútuo em torno de construções políticas alinhadas pelo combate ao racismo e ao bem-viver.

Passamos esses dias não apenas discutindo reparação política a partir do sistema, mas entendendo que as nossas estratégias e jeitos de fazer, como o bem-viver, podem ser ações reais para garantir a plenitude de nossas vidas, num horizonte de superação do racismo, das mais diversas formas de violência, da LGBTfobia, do machismo, da intolerância religiosa, do cárcere, da fome e da pobreza. Desfrutamos do melhor e do pior de nós, ao mesmo tempo em que conversamos sobre ética, práticas de cuidado e a continuidade do movimento na região, pela generosidade, o afeto e a resistência das meninas e adolescentes negras.

Voltamos com a certeza de que as Blogueiras Negras fazem parte de uma comunidade de mulheres negras nordestinas que sonham em construir um mundo melhor para todas, todos e todes. Regressamos empolgadas com as novas possibilidades de parceria, com planos no papel e no coração de seguirmos caminhando ao lado e dentro dos movimentos sociais.

Estamos construindo a revolução, em marcha, como nos propôs o tema do Julho das Pretas, tendo a reparação não como meta, mas como um continuum da luta, como uma possibilidade real de um fazer político que rejeita as experiências ruins do passado e aproveita o melhor de todas nós. Em Aracaju, a reparação, o afeto e o jeito político de fazer único bateram à porta e nós os deixamos entrar.

 
 
 
 
 
 

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