50 anos após ditadura militar, país latino ainda vive marcas do golpe e vê nova constituição rejeitada pela direita
Nesta segunda-feira, 11 de setembro, é o aniversário de 50 anos do golpe militar que destituiu o presidente chileno Salvador Allende e instaurou a ditadura de Augusto Pinochet. Para comentar o assunto, o programa Central do Brasil conversou com a historiadora e professora convidada da Universidade Federal do ABC (UFABC) Joana Salém.
Para ela, há muito que se fazer no país em termos de memória, justiça e verdade. Segundo relatório do Instituto Nacional de Direitos Humanos do Chile, a ditadura de Pinochet matou aproximadamente 4 mil pessoas. De outro lado, dados de grupos de familiares apontam aproximadamente 100 mil vítimas entre mortos, desaparecidos, exilados, torturados e presos.
De acordo com a historiadora, marcas do golpe e do governo Pinochet ainda podem ser percebidas na sociedade e na economia chilena até hoje. "Existe uma polarização ideológica forte no país, principalmente com os movimentos sociais que lutam contra o neoliberalismo - que no Chile está dentro da constituição - e os poderes instituídos, os partidos de tipo mais conservador e uma força também pinochetista que existe na sociedade chilena. Sem falar das características econômicas da ditadura e da política econômica que de certa forma encontraram continuidade nas políticas econômicas da democracia."
A professora considera intermediária a reparação às famílias que sofreram com o golpe no Chile, uma vez que a constituição do país não foi alterada, por exemplo. De acordo com ela, centenas de militares foram condenados a penas pesadas, inclusive membros da alta cúpula, como por exemplo Manuel Contreras, que foi preso nos anos 1990 e comandou a Diretoria de Inteligência Nacional (DINA), o pior organismo de repressão da ditadura chilena.
"Ao mesmo tempo, outros militares foram absolvidos e existem muitas características da ditadura que se perpetuam na democracia, como a própria constituição. Podemos dizer também que tem uma polêmica, porque muitos dos militares que foram presos estão num presídio chamado Punta Peuco que é um presídio de luxo, tem quadra de tênis, tem jardins, apartamentos bem equipados com eletrodomésticos, algo que difere completamente da realidade carcerária dos presos comuns do Chile."
A situação ambígua se arrasta aos salários recebidos pelos condenados. "Eles recebem aposentadorias que são 10 a 15 vezes mais altas do que as aposentadorias dos chilenos comuns, porque os militares têm privilégios previdenciários. Ao mesmo tempo que se conseguiu punir alguns militares da alta cúpula da ditadura, esses militares ainda possuem alguns privilégios e ainda há muito o que se fazer em termos de memória, justiça e verdade no Chile."
Salém explicou ainda que as mobilizações por uma nova constituição se devem sobretudo ao fato de que o neoliberalismo é parte das instituições no Chile, de modo que muitas tentativas de ampliação de direitos sociais foram bloqueadas por argumentos constitucionais mobilizados pelas direitas do país, pinochetistas ou não. "O acúmulo das lutas desse movimento deu origem ao famoso estalido social, aquela grande revolta popular que aconteceu no Chile em 2019 e deu origem ao itinerário constituinte que votou por uma convenção constituinte com uma extrema participação popular."
:: Um ano após o 'não', nova Constituição chilena está em aberto e nas mãos de parlamentares de direita ::
Ainda assim, ela aponta que a constituição tida como a mais democrática da América Latina foi rejeitada “e o governo Gabriel Boric ao invés de retomar um processo construído de baixo para cima entregou o processo constituinte de volta para aqueles setores que nem sequer queriam alterar a Constituição do Pinochet. Então existe de fato uma frustração em relação ao governo e é uma mobilização que frequentemente chega às vias do enfrentamento como aconteceu nesses últimos dias.”
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Edição: Nicolau Soares