Quase lá: Conheça a obra de Ayọ̀bámi Adébáyọ̀

FIQUE COMIGO

OBRA DE Ayọ̀bámi Adébáyọ̀

Por Tabitha Dorcas

Falar de Ayọ̀bámi Adébáyọ̀ é, a meu ver, falar de uma das mais estonteantes autoras de ficção literária da África Ocidental. Nascida em 1988 em Lagos, na Nigéria, estudou na Universidade de Obafemi Awolowo, onde se formou em Literatura Inglesa. Em 2014 aprofundou os seus estudos em Criação Literária na Universidade de East Anglia. Ayòbámi é também jornalista, e teve o seu primeiro romance intitulado Fique Comigo (Stay With Me) publicado em 2017.

Esse livro trata de vários assuntos importantes, destacando-se a fragilidade do amor matrimonial, o luto, as interferências culturais na vida de um casal, o rompimento de laços familiares, a traição e as consequências da falta de comunicação entre as pessoas. Tudo isso é abordado tendo como fundo um contexto de turbulência política e social da Nigéria dos anos 80, que vivia sob ditadura militar.

Os protagonistas do enredo, Yejide e Akin, conheceram-se na universidade, apaixonaram-se e casaram. Passados quatro anos de casados, Yejide não engravidava e isso era motivo de preocupação para as suas famílias. Como uma boa parte de nós sabe, é comum nas nossas culturas africanas fazer-se pressão ao casal quando há "demora" para ter filhos, e, maioritariamente recai sobre a mulher o peso e a culpa da infertilidade. Depois de se consultar inúmeros médicos de fertilidade, curandeiros, profetas e suas receitas milagrosas, ficou claro que Yejide não tinha problemas em engravidar. Sendo assim, de quem seria o problema da falta de filhos no lar?

Na cultura sob a qual o casal foi educado a falta de filhos é um bom motivo para que as famílias, principalmente a do homem, optem forçosamente pela poligamia, porque, dentre outras coisas, a poligamia é uma forma de dar continuidade à linhagem masculina. Entretanto, a poligamia não fazia parte dos planos de Yejide e de Akin. Ela cresceu num lar polígamo, era órfã de mãe e foi criada por madrastas que não gostavam nada dela, enquanto o pai pensava que todos os seus problemas se resolveriam aumentando o número de mulheres e filhos, sem ter muito tempo para cuidar de todos. Por essas razões, ter uma família monogâmica sólida e com filhos era o que Yejide mais desejava, assim teria algo para chamar de seu. Já Akin não suportava a ideia de ter mais de uma mulher pois amava Yejide, no entanto o que ele suportava menos do que qualquer outra coisa era contrariar a sua mãe, por isso permitiu que ela trouxesse outra mulher para casa como sua segunda esposa, acompanhada de seu tio e uma das madrastas de Yejide, mesmo sem o seu consentimento. No meio desta situação, Akin desejava engravidar Yejide o mais rápido possível e livrar-se da nova esposa imposta, a Fumni. Mas como faria isso? Para esta pergunta o livro apresenta-nos respostas intrigantes e perturbadoras. O que posso deixar registado aqui é que a chegada de Fumni tornou-se o fim do túnel de Yejide, o que a levou a querer engravidar não importando o custo.

As emoções instauram-se nos leitores logo nas primeiras páginas do livro, o que leva a uma leitura emocionante, turbulenta, mas também sensível, acentuando as próprias emoções dos personagens e fazendo os leitores navegarem entre o futuro e o presente. Várias perguntas surgem-nos ao longo da leitura: o que é que uma mulher africana está disposta a fazer para engravidar e manter a homeostasia do seu lar? O que é que um homem africano está disposto a fazer para conseguir o mesmo? O que pode acontecer de tão grave quando o casal não se comunica e cada um decide resolver os problemas à sua maneira? Até onde Akin e Yejide serão capazes de ir e manter-se em comunhão, em meio a tantos desafios e influências externas? Conseguirão não se perder um do outro a meio do caminho? No livro lê-se o excerto abaixo:

"É isto então: quinze anos aqui e, embora minha casa não esteja pegando fogo, tudo que vou levar comigo é uma sacola de ouro e uma muda de roupa. As coisas que importam estão dentro de mim, encerradas em meu peito como um túmulo, onde permanecerão para sempre, meu baú de tesouros sepultados." (Adébáyọ̀, 2017, p.10)

No livro, é também muito interessante ver como as escolhas alheias interferem nas nossas escolhas individuais, quer sejam domésticas ou profissionais, conscientes ou inconscientes e até mesmo políticas. No caso de Akin e Yejide, as interferências culturais tiveram bastante peso no seu relacionamento, o que nos faz refletir sobre o modo como o contexto sociocultural em que estamos inseridos pode provocar alterações significativas na nossa vida. Ainda, em relação aos protagonistas do enredo levanta-se a questão da confiança: como é quando a confiança é traída? O que advém da falta de comunicação entre casais e pessoas no geral? Respostas, pistas e pontos de reflexão são deixados no livro:

 “Eu dizia a mim mesma que respeitava meu marido. Me convenci de que me calar significava que eu era uma boa esposa. Mas as maiores mentiras são na maioria das vezes as que contamos a nós mesmos. Eu mordia a língua porque não queria fazer perguntas. Não fazia perguntas porque não queria saber as respostas. Era cómodo acreditar que meu marido era digno de confiança; às vezes, confiar é mais fácil do que duvidar.” (Adébáyọ̀, 2017, p.212)

Ao fim do enredo vamos percebendo que muitos problemas seriam evitados se Akin fosse honesto o suficiente com Yejide, pois, apesar de ele afirmar amá-la, só isso não bastava: só o amor não basta nas relações. A autora conduz a narrativa de modos a transportar-nos para um turbilhão de emoções e a levar-nos a pensar (e a repensar) sobre as fragilidades do amor matrimonial, as influências da Cultura nas nossas vidas, as tentativas desesperadas para salvarmos a nós mesmos e a quem amamos do sofrimento, mesmo que no fim não dê muito certo. Também, faz-nos pensar sobre os nossos limites e das outras pessoas diante das vicissitudes da vida.

Ademais, esse livro também é sobre fragilidades e insensibilidades, bem patentes quando as mães que perdem os seus bebés têm o seu processo de luto interrompido pela frase: “não fique triste, logo você vai engravidar e ter outro filho”. Como se o bebé, por ser tão novo, não merecesse ser chorado com dignidade e fosse facilmente substituível como um acessório. É igualmente uma oportunidade para pensarmos nos modos como social e culturalmente construímos os nossos ideais sobre o ‘valor da mulher’, sempre muito associados a ter filhos, e sobre o valor do matrimónio bem como as pressões que se fazem para perpetuar relações independente destas serem saudáveis ou não.   

Essa é uma história que levarei comigo por muito tempo, por ser tão impactante e ao mesmo tempo dilacerante. Fique Comigo é com certeza uma narrativa que merece ser lida e apreciada.

fonte: https://www.ondjangofeminista.com/ondjango/2023/8/3/fique-comigo

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