Quase lá: A revolução pacífica da mulher

"Assim, por ti, Mulher, a Humanidade e o Mundo, grávidos desse Novo Mistério da Encarnação serão transfigurados e redimidos para sempre", escreve Iris Boff, pedagoga, escritora e poetisa, profundamente ligada ao ecológico e ao feminino da criação, em artigo publicado no blog de Leonardo Boff, 09-03-2023.

Eis o artigo.

Na pureza de intenções de tua cabeça, no inocente pudor do teu corpo, na irradiação vital de tua alma, desata os laços de tua blusa, para expandir a inteligência do teu coração.

Desabotoa parte do vestido, para ampliar teu campo liberdade. Segura a saia erguida para correr pelos campos de orvalho, na velocidade que as mudanças exigem.

Não tenhas vergonha do teu corpo, sagrado canal da vida.

Mulher, sai da caverna, dessa trincheira de milênios, imposta a ti. Tome posse do teu poder revolucionário porque é integrativo, criativo e regenerativo. Mostre que a Mulher não é só a metade da humanidade mas a parceira e parteira, Mãe, avó e filha da outra metade. Anuncia ao Mundo que a Nova Humanidade está se gestando em teu corpo e em tua mente. Expressa esse poder de integração. Consciente dessa Plenitude, tu sentes que sabes e sabes que sentes porque tens no ventre um cérebro e no cérebro um ventre.

Mais forte e mais poderosa que uma bomba atômica, teu útero transforma uma pequenina célula num Ser Vivo completo e perfeito.

Aí estão o poder e a revolução pacífica, desarmados e silenciosos da mulher.

Como uma grande enciclopédia, teu corpo é portador da origem do Mundo. Pois, cada vez que uma Nova Vida o habita, em apenas 9 meses nele se repetem os milhões de anos da longa, paciente e paulatina história ascendente da nossa Humanidade.

Portadora desse Mistério, não traias nem negues esse conhecimento, dom gratuito da Natureza e de Deus. Num mundo órfão e exilado dessa Espiritualidade, usa esse poder místico, familiar e doméstico. Marca posição, demarca teu território, age e reage como estás acostumada a fazer com o fruto de tuas entranhas.

Mulher! Mãe, como amparas uma criança que começa a andar, toma a mão dessa Humanidade, que como criança está confusa e tateante em dar novos passos nos perigosos e complexos caminhos do nosso tempo. Aponte, estimule, console, ampare.

Mulher, Amada e Amante, Mulher “Do Lar”, em teus braços acolhe e embala nosso homem moderno, cansado e desencantado de ser o único autor e responsável pelo progresso, esse “brinquedo perigoso “que ele mesmo construiu. Com a vida ameaçada, assustado e exilado do teu colo, quer voltar para casa. Tu sabes muito bem de abrigo, de segurança, de proteção e de paz.

Há momentos da nossa história, que a noite é longa, escura e assustadora. Mulher Antiga, Sábia Anciã, tu que nessas situações te orientas pelo ritmo com que teu coração pula, pensa e age. Faze como antigamente, canta em nossos ouvidos as canções de amor e acalanto. Gravadas nas profundas fibras de nosso coração, elas hão de ser mais fortes que os gritos de guerra, os gemidos de dor, de angústia e de desespero.

Mulher! Artista, Sacerdotisa, Xamã, sai do teu silêncio, arranque a mordaça da tua boca, tome a Palavra, primeira, a palavra mater, Matriz de todas as outras que é da Magia, da arte, do canto, da poesia e da dança que derrubam fronteiras, unem e reúnem tantas diferenças.

Mulher Profetiza, Intelectual, Pública, Política, Analfabeta, Anônima. Tua fala primeira foi doméstica como de toda mãe, burilada e testada quotidianamente. Em meio a uma guerra contínua de nervos te fizeste portadora do maior partido pacifista do mundo, o Partido das Mulheres. Erga essa bandeira, tome o poder dessa palavra mais eloquente que algumas leis ou conversações machistas, misóginas e que muitas vezes dividem, ferem e matam o ser de tuas entranhas.

Mulher! Por séculos e séculos ficaste exilada em tua caverna no chamado mundo privado. Foste a guardiã do Fogo Sagrado da Vida. Sai dela com essa tocha na mão para a derreter o gelo das relações humanas, reunir diferentes pessoas em volta da fogueira, iluminar e desarmar as pessoas para projetos de Paz, de Justiça Amor e de Cura.

Assim como por séculos e séculos exerceste o cuidado com a casa e com os filhos e filhas, limpas, arrumas, enfeitas, ensinas, educas, instrui os administradores públicos, muitos deles analfabetos da lição do Cuidado, de como se mantêm ordem, beleza, sobretudo Vida e segurança na Família Humana e na casa do mundo, tão devastada, saqueada e desordenada.

Mulher! Feiticeira, Curandeira, Xamã, com a memória do mundo no teu corpo e a vibrante energia do teu coração, sê um incenso purificador no nosso mundo poluído. Como fazes com a criança, sopre em nossas feridas e machucados, sê a mediadora nas disputas, alimenta com tua graça e criatividade os famintos de cuidado, de aconchego e de sentido.

Assim como costuras, lavas, passas nossas roupas, veste e reveste esta nova Humanidade despida de sua dignidade.

No século passado o Homem fez a grande revolução do Saber pelo intelecto. Neste século far-se-á, com a iniciativa da mulher, carregando o homem junto à microrrevolução da Sabedoria pelo afeto. Mulher! Resgata o que foi considerado vulgar e menor: a expressão dos sentimentos e as vibrações do coração. Vamos alfabetizar todo o analfabeto emocional. Não sejas econômica e escassa. Beija, abraça, dança, canta, chora, namora, luta, brinca, briga, ama para engravidar o Dom da Vida.

Não esqueças, zela por tua integridade, guarda o que não entendes em teu coração, mantenha a Magia dos teus segredos, inclina de vez em quando os teus joelhos e vai para Àquele lugar que gostas de ir, que te é familiar, no fundo da tua Caverna, onde sempre estiveste e nunca partiste. Nesse Lugar o Sagrado Fogo de tua Alma te aguarda. O Mistério do Mundo precisa de um receptáculo para teu sêmen de Amor.

Assim, por ti, Mulher, a Humanidade e o Mundo, grávidos desse Novo Mistério da Encarnação, serão transfigurados e redimidos para sempre.

Iris Boff é pedagoga, escritora, feminista, ecologista e poetisa. Por anos animou grupos de base em todo o Paraná para as virtualidades do novo paradigma ecofeminista.

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fonte: https://www.ihu.unisinos.br/626874-a-revolucao-pacifica-da-mulher

 


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