Reconhecer o trabalho de cuidado é não apenas uma questão de justiça social, mas também um imperativo para o desenvolvimento econômico
Clarice Binda
Desde os primórdios, as mulheres desempenham um papel fundamental na sociedade, assumindo a responsabilidade de cuidar dos que estão ao seu redor com um olhar generoso e atento. Esse cuidado extrapola o ambiente familiar, permeando o espaço profissional em setores como saúde, educação infantil e assistência social, todos majoritariamente ocupados por mulheres. Mas a pergunta que se impõe é: quem cuida das cuidadoras?
A chamada “economia do cuidado” abrange atividades essenciais de apoio a pessoas dependentes, como crianças, idosos e pessoas com deficiência. Esse trabalho, muitas vezes invisível e não remunerado, é crucial tanto para o funcionamento da economia quanto para o bem-estar da sociedade. Contudo, a desvalorização desse trabalho está intimamente ligada à persistente desigualdade de gênero.
De acordo com a Oxfam (2020), as mulheres são responsáveis por 75% do trabalho de cuidado não remunerado em todo o mundo e representam dois terços da força de trabalho no cuidado remunerado. A falta de reconhecimento, combinada com a ausência de políticas públicas de suporte, limita de forma significativa as oportunidades para as mulheres, reforçando barreiras estruturais em suas trajetórias profissionais.
Um dos reflexos dessa realidade é que muitas mulheres enfrentam grandes desafios para progredir em suas carreiras devido à chamada “dupla jornada”. Após o expediente formal, são elas que assumem a maior parte das tarefas domésticas, enquanto os homens, em muitos casos, ainda não compartilham essas responsabilidades de forma equitativa. Esse cenário faz com que muitas mulheres recusem promoções ou oportunidades de crescimento, pois o trabalho de cuidado as aguarda em casa.
No contexto da Defensoria Pública, essa desigualdade também se manifesta de maneira clara. Embora as mulheres representem mais da metade dos membros da instituição em todo o país, apenas 40% ocupam cargos de liderança, como o de Defensoras-Gerais. A disparidade é ainda mais acentuada nas Corregedorias Gerais, onde apenas 18% das chefias são ocupadas por mulheres. Nos Conselhos Superiores, os homens dominam mais de 70% dos colegiados responsáveis por tomar decisões estratégicas.
Frente a essa realidade, a Oxfam propõe uma estratégia pautada nas “4R”: reconhecimento do valor do cuidado, redução da carga de trabalho não remunerado, redistribuição das responsabilidades entre gêneros nas esferas públicas e privadas, e maior representação das cuidadoras nos processos de tomada de decisão.
Debate
Diante desse cenário, a Associação das Mulheres Defensoras Públicas do Brasil (AMDEFA) tem como campanha deste ano promover o debate sobre a política de cuidados no âmbito das Defensorias Públicas. A ausência de um Conselho Nacional da Defensoria Pública resulta em uma fragmentação de normas e práticas, que afeta de maneira desigual as defensoras públicas de todos o Brasil. Por isso, é urgente que se lance um olhar atento às condições de trabalho das mulheres defensoras públicas e à criação de políticas de cuidado dentro da instituição.
Com o objetivo de trazer à tona tal discussão, em nível nacional, que a Amdefa realizará, no dia 19 de novembro, em Brasília, o seminário “Definindo o cuidado como justiça” que visa fortalecer a rede de proteção aos direitos das mulheres nas carreiras do serviço público com escopo nos deveres de cuidado, sua compatibilização com a vida profissional e a necessária adaptação das instituições para reconhecer cuidados domésticos como trabalho.
Reconhecer o trabalho de cuidado é não apenas uma questão de justiça social, mas também um imperativo para o desenvolvimento econômico e o bem-estar coletivo. Políticas que valorizem o cuidado e promovam a igualdade de gênero são fundamentais para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva, incluindo o ambiente das próprias Defensorias Públicas.
- Clarice Binda é defensora pública do Maranhão há 15 anos, com atuação atualmente no Núcleo de Direitos Humanos da DPE-MA. É especialista em Direitos Humanos e Acesso à Justiça (FGV-SP) e mestranda em Direitos Fundamentais (ULisboa). É co-fundadora e vice-presidenta da Associação das Mulheres Defensoras Públicas do Brasil (AMDEFA)