Projeto Memória resgata o legado de Lélia Gonzalez com exposição. Intelectual e ativista é tema de mesas de debate e palestras
Lélia Gonzalez (1935-1994) lembra a Carlandréia Ribeiro um provérbio africano: “Até que os leões contem suas histórias, a glória da caça será sempre do caçador”. Nascida há quase 90 anos, a intelectual e ativista belo-horizontina, referência no pensamento sobre feminismo negro, é homenageada a partir desta quarta (10), com o Projeto Memória, que chega à sua cidade natal por meio de exposições, documentário, painéis, seminários e outras atividades relacionadas ao amplo e forte legado de Lélia Gonzalez.
“Esse projeto, que traz a figura da Lélia para o centro do debate, é fundamental por ser uma oportunidade de contarmos a nossa história através da nossa própria voz, e não de quem nos escravizou e colonizou”, sintetiza Carlandréia, que irá mediar o painel “O Pensamento Decolonial de Lélia Gonzalez e sua Contribuição para a Educação”.
Enquanto educadora, Carlandréia alega que a iniciativa tem ainda o papel de cumprir a Lei 10.639, sancionada pelo presidente Lula em 2003, que instituiu o ensino da história e da cultura afro-brasileira e africana no currículo de todas as escolas brasileiras, como reparação ao “processo de destituição da nossa humanidade e das nossas memórias”.
“É um convite à sociedade para abrir a escuta. Lélia continua sendo uma intelectual profícua, que deixou uma contribuição incomensurável na construção do conhecimento”, assinala Carlandréia, que tomou contato com a obra de Lélia ainda na juventude, quando veio à capital mineira estudar teatro e se deparou com o Movimento Negro Unificado (MNU), do qual a filósofa, antropóloga, escritora e professora foi uma das fundadoras, “junto a outras lideranças exponencias”, como Diva Moreira e Marcos Cardoso. Em sua trajetória acadêmica que não se distinguia da militância, Lélia cunhou conceitos emblemáticos, como o de “pretuguês”, a língua carregada de ancestralidade.
“Pode soar uma brincadeira, mas é de uma profundidade brutal quando pensamos em preconceito linguístico. Os idiomas africanos do tronco linguístico banto não têm a letra L, portanto quando eu, uma mulher negra, pronuncio ‘Framengo’, não estou rompendo com a norma culta, mas evocando uma memória do nosso vocabulário”, exemplifica Carlandréia, para quem Lélia, “nos provoca a pensar porque a maioria de nós não fala kimbundo, iorubá ou tupi-guarani”, num país de dimensões continentais como o Brasil, massificado pelo uso do português, constatando “a violência do processo colonizador”.
Outro destaque é para “a convocação de Lélia ao movimento feminista a fazer um recorte de raça”. “Para nós, mulheres negras, existem questões candentes e específicas da nossa vivência e existência”, pontua Carlandréia. Em novembro, ela apresentou, no CCBB, o espetáculo “A Poética de Conceição Evaristo e a Voz Insurgente de Lélia Gonzalez”, em que abordou o drama de Lélia, cujo marido, de origem espanhola, cometeu suicídio por não suportar o racismo da própria família, inconformada com o seu casamento com uma mulher negra.
Perder “o grande amor da vida”, levou Lélia a incorporar o sobrenome do marido. Aos 59 anos, ela morreu do coração, vítima de infarto. “Lélia morreu de tristeza”, acredita Carlandréia, que denuncia o racismo institucional que negligencia a saúde da população negra no Brasil.
Serviço.
O quê. Projeto Memória homenageia Lélia Gonzalez
Onde. Centro Cultural Banco do Brasil (Praça da Liberdade, 450)
Quando. Desta quarta (10) a 2 de setembro; de segunda à sexta, das 10h às 22h; sábados e domingos, das 9h às 20h
Quanto. Gratuito
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