Ao CB.Poder (Correio Braziliense), Ana Cláudia Loiola disse que alguns órgãos estão implementando mudanças para garantir mais participação feminina na segunda instância do Judiciário, por meio de promoção por merecimento, e que é preciso mudar o olhar de quem julga
Em entrevista ao CB.Poder — parceria entre o Correio Braziliense e a TV Brasília— a juíza de direito e titular da Primeira Vara Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), Ana Cláudia Loiola, acredita em uma maior participação das mulheres no tribunais. Ela conversou com as jornalistas Adriana Bernardes e Ana Maria Campos sobre o projeto da paridade de gênero, as resoluções do Conselho Nacional de Justiça em prol dessa equidade e como um ambiente masculino pode afetar o julgamento de um crime contra a mulher.
Qual o objetivo do movimento pela paridade de gênero?
Faço parte do movimento pela paridade de gênero, que congrega juízes e juízas de todo o Brasil das diversas esferas do judiciário. Com o objetivo de trazer uma maior igualdade substancial dentro da estrutura do Poder Judiciário, principalmente acesso à segunda instância e aos cargos de direção junto às estruturas dos órgãos de administração dos tribunais.
O CNJ aprovou resoluções sobre a paridade da mulher na segunda instância, qual avanço você enxerga nessas resoluções?
Nesse primeiro momento, o avanço foi permitir um aceleramento do ingresso das mulheres no Poder Judiciário fazendo com que chegassem mais mulheres na segunda instância relativamente às promoções por merecimento. Existem tribunais que já estão implementando essas modificações. Temos acompanhado como serão feitas essas promoções para que tenha mais mulheres.
De que forma o CNJ propõe essa mudança de cultura dentro do Poder Judiciário para que a mulher tenha mais voz, oportunidades?
Essas resoluções dizem respeito ao ingresso na segunda instância, promoção do juiz para o cargo de desembargador, com relação à promoção por merecimento. Então, as resoluções trazem critérios diferenciados para as mulheres e listas próprias. É um avanço não como o movimento esperava, mas já está caminhando para um aumento no percentual de mulheres na segunda instância. A resolução não trouxe nenhuma previsão para os tribunais superiores, onde a disparidade de gênero é ainda maior. Nossa última preocupação foi com a nomeação de uma ministra no Superior Tribunal Federal (STF), no lugar da ministra Rosa Weber, e não foi o que aconteceu. Hoje, nós temos 11 ministros, dos quais apenas 1 mulher. Nos demais tribunais superiores, vemos essa diferença, mas sem um normativo que ao menos recomende uma mudança nesse cenário.
As mulheres ocupando posições mais de destaque causam incompreensão desses homens com olhar mais machista?
Acredito que sim. Isso acaba refletindo na forma como lidamos com o trabalho diário. É necessário adotar determinadas posturas para mostrar que nós não somos sentimentais, emotivas. Isso faz com que tenhamos posturas mais duras, mais agressivas para firmar nesse mundo muito masculino. As mulheres estão fora do radar para serem chamadas para as comissões. Então, é necessário uma intervenção dos órgãos, para que possam regular a fim de proporcionar vagas para as mulheres, pelo menos nesse momento, até a firmação com o número suficiente para a nossa efetiva participação.
O fato de o judiciário ser um ambiente bastante masculino, esses casos de abuso sexual, violência doméstica, esse olhar machista interfere negativamente para a mulher?
Sim, de forma a prejudicar mesmo a análise do fato e impedir que o julgador se coloque no lugar da vítima. Refletir sobre a verossimilhança daquilo que está sendo trazido, porque esses crimes sexuais costumam acontecer sem nenhuma testemunha. Nós trabalhamos com a palavra da vítima e outros elementos. Dentro da análise dessa palavra da vítima, deve ser considerada também sobre a perspectiva de gênero. Questões como a mulher se veste, se é solteira ainda são avaliadas para dar credibilidade à palavra de uma vítima. Inclusive o CNJ criou uma cartilha, Perspectiva de Gênero, para ser aplicada nos casos de mulheres vítimas de violência para uma melhor interpretação do caso.
A Cartilha está transformando o olhar do poder judiciário ou ainda é cedo para avaliar?
Eu parto sempre do pressuposto da forma como eu analiso. Antes da elaboração dessa cartilha, já era uma preocupação minha não fazer nenhum juízo de valor sobre os elementos que são trazidos para gente. Não me interessa o comportamento da vítima, o que ela faz ou o que já fez. Temos que tratar cada caso como único. Se melhorou com a cartilha, não sei porque não tenho esses dados, mas acredito que tenha melhorado. Ela veio para aperfeiçoar o olhar que o juiz deve ter.
Se a questão de gênero fosse debatida na faculdade, na formação desses advogados que venham a ser juízes, desembargadores, isso mudaria o cenário?
Sem dúvida, temos uma cadeira relacionada a essa questão de gênero nos bancos das faculdades de direito, eu sou professora de graduação e sei como é um assunto importante. O aluno já forma essa consciência quando sai da faculdade para exercer o serviço profissional.
*Estagiário sob a supervisão de Márcia Machado