Confira entrevista da psicóloga e assentada de São Paulo, que integra a Rede Combate à Violência Doméstica do MST, sobre a importância da Lei Maria da Penha no combate às violências
MST
7 de agosto de 2023
Oficina de Arpillera na IV Feira Nacional da Reforma Agrária, a partir da escuta e acolhimento das mulheres Sem Terra em situação de violência doméstica. Foto: Iara Milreu
Por Solange Engelmann
Da Página do MST
A violência contra a mulher está entranhada na cultura e na história brasileira, com diversos comportamentos que reforçam o patriarcado, o machismo e a misoginia. No primeiro semestre de 2022, o Brasil bateu recorde de feminicídios, com cerca de 700 casos. E as mulheres negras somaram 67% das vítimas, como evidência o relatório Violência contra Meninas e Mulheres do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, lançado em 2022.
O assassinato de mulheres e meninas em decorrência da violência doméstica e familiar ou da discriminação de gênero aumentaram de forma alarmante no país durante o governo de Bolsonaro (2019-2022). Porém, para enfrentar e combater essas violências ao longo dos anos, foram criadas várias leis voltadas ao desenvolvimento de políticas públicas, entre elas, a Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006), que nesta segunda (17), completa 17 anos de existência, na mobilização do poder público e da sociedade quanto à importância do enfrentamento à violência doméstica e familiar contra as mulheres.
A violência contra as mulheres e meninas também está presente no campo e seu enfrentamento segue diante de diversos desafios, como é o caso dos assentamentos e acampamentos do MST onde é desenvolvido um trabalho permanente de conscientização, escuta e acolhimento das mulheres que sofrem violência e a luta contra as violências e desigualdades de gênero, por meio do setor de gênero do MST. Confira abaixo a entrevista da psicóloga da Rede Combate à Violência Doméstica (RCVD/MST) e assentada no assentamento Sumaré II, em Sumaré/SP, sobre a importância da Lei Maria da Penha na luta e o enfrentamento às violências contra as mulheres no campo.
Lucilene Cruz da Silva, psicóloga e assentada. Foto: Arquivo pessoal
Página do MST: Como a criação da Lei Maria da Penha tem contribuído no combate à violência contra as mulheres no campo?
Lucilene: A Lei tem contribuído em qualquer âmbito que ocorra a violência, por exemplo nas medidas protetivas de urgência e na criação dos juizados especializados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Antes da lei, a maioria desses casos de violência contra mulher, como as ameaças, vias de fato: lesões corporais, perturbação da tranquilidade e crimes contra honra, eram analisados no Juizado Especial Criminal sob a ótica da Lei 9.099/99, que traz em seu bojo o objetivo da conciliação.
Era muito difícil para uma mulher conseguir ser atendida em suas necessidades psicossociais. Como também, era impedida a prisão em flagrante. A Lei Maria da Penha fortaleceu a possibilidade da prisão preventiva, independentemente dos motivos gerais previstos no Código de Processo Penal, inclusive para assegurar a eficácia das medidas protetivas de urgência.“
Com a criação dos juizados especializados em violência doméstica foi permitindo a especialização de juízes e servidores, para o conhecimento sobre as causas da violência de gênero e previsão de equipe psicossocial, para atender a complexidade das situações trazidas à análise.
Acampamento Marielle Vive, Oficina de Arpillera, julho de 2023. Foto: MST SP
Qual a importância da Lei no trabalho que o Coletivo da Rede de Combate à Violência Doméstica do MST vem realizando há três anos, em São Paulo?
A Lei tem sua importância no embasamento teórico e prático do seu funcionamento judicial, perante os direitos das mulheres, e nós profissionais da saúde mental, jurídica etc, devemos ter conhecimento dela para orientar as mulheres que estão em situação de violência. Assim, a Rede de Saúde Mental composta por psicólogas, advogadas, etc, realizam atendimentos às mulheres quando elas necessitam, com a escuta nos acolhimentos e orientações.
Que desafios ainda permanecem no combate à violência doméstica no campo e quais políticas públicas são necessárias para o enfrentamento a essas violências?
Desafios são muitos, a violência ainda é reconhecida, mundialmente, como um relevante problema de saúde pública, e considerado um fenômeno complexo, difuso e multicausal, que requer de todos os atores envolvidos uma visão biopsicossocial da saúde. É preciso políticas públicas voltadas para o enfrentamento requerendo ação conjunta da saúde, segurança pública, justiça, educação, assistência social, entre outros, no sentido de propor ações que desconstruam as desigualdades e combatam as discriminações de gênero e a violência contra as mulheres; interfiram nos padrões sexistas/machistas ainda presentes na sociedade brasileira; promovam o empoderamento das mulheres e garantam um atendimento qualificado e humanizado às mulheres em situação de violência e tantas outras.
*Editado por Fernanda Alcântara