Mulheres se uniram no Dia Internacional da Mulher para marchar por políticas de enfrentamento à violência de gênero, e também em "defesa do bem viver, contra a fome, o machismo, o racismo e o facismo". O ano de 2023 começou marcado por oito vítimas de feminicídios no DF, o que causou a revolta de muitas mulheres e uma das maiores motivações para a marcha que aconteceu, ontem, no Eixo Cultural Ibero-Americano.
Na mira do Judiciário: 96% dos feminicidas foram condenados no DF
Levantamento do Ministério Público do DF revela aumento no número de medidas protetivas de urgência recebidas. Pena média para o crime de feminicídio é de 20 anos de prisão
Em um ano, o Ministério Público do Distrito Federal (MPDFT) recebeu mais de 15 mil solicitações de medidas protetivas de urgência para casos de violência contra a mulher. O número, de 2022, é o maior dos últimos 16 anos e consta em uma análise estatística inédita realizada pelo MP. O levantamento traz, ainda, os quantitativos dos requerimentos de medida protetiva e de prisão e das principais incidências penais dos inquéritos policiais (IPs) e termos circunstanciados (TCs).
O levantamento revela uma diminuição de quase 6,2% no número de inquéritos e termos circunstanciados recebidos pelo MPDFT entre 2021 e 2022 (veja Ips e TCs recebidos). Enquanto em 2021, o quantitativo foi de 15.928, no ano passado, o número ficou em 14.942. No entanto, o dado pode trazer um outro lado e, por isso, é preciso uma análise mais detalhada, destaca o promotor Thiago Pierobom, titular da 2ª Promotoria de Violência Doméstica em Brasília e colaborador do Núcleo de Direitos Humanos do MPDFT. "É um dado que precisamos amadurecer. Por que houve redução desses registros? Será que é um reflexo dessa tendência restritiva na interpretação da Lei Maria da Penha, que os casos agora estão deixando de ser considerados de violência doméstica contra a mulher? Será que são as mulheres que estão denunciando menos", indaga.
Quanto às denúncias oferecidas pelo MP no que diz respeito à violência doméstica, o Ministério Público ajuizou, em 2022, um total de 5.638 denúncias, um aumento de 9,8% comparado ao ano de 2021 (5134 denúncias). Chama a atenção às denúncias oferecidas em 2018 e 2019, os dois anos que apresentam os maiores quantitativos, com 6.791 e 6.481, respectivamente. "Apesar dos registros de ocorrência que o MP recebeu terem diminuído no ano passado, isso mostra que precisamos compreender melhor. Saber o que podemos, por exemplo, fazer para aumentar a confiança das mulheres em denunciarem", enfatiza.
O promotor cita, ainda, uma segunda pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que revela um número significativo de mulheres que optam por não registrar ocorrência policial contra o companheiro ou o ex, mas resolver o problema com a ajuda de familiares ou instituições de apoio.
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Medidas
Com o propósito de assegurar que toda mulher tenha direito a uma vida sem violência, as medidas protetivas são uma das portas ao combate à violência. Ela busca, com base na Lei Maria da Penha, evitar o contato do agressor e pode ser concedida em até 48 horas pelo juiz. O crescimento no número de medidas protetivas de urgência recebidas pelo MP acende um alerta. Desde 2006, o maior número de medidas recebidas foi no ano passado (15.044). Em 2021, o quantitativo foi de 14.587. Já em 2020, 13.539.
As medidas protetivas podem ser pedidas por qualquer mulher que tenha sido vítima de violência doméstica e familiar. Os pedidos são feitos nas delegacias, no Ministério Público ou na Defensoria Pública. A Lei Maria da Penha não prevê limite de validade para a medida protetiva, de modo que o juiz deve conceder um prazo a analisar caso a caso.
Para o promotor Thiago, as condenações nos casos de violência doméstica, como ameaça, lesão corporal ou stalking (perseguição), são brandas. Mas, na avaliação dele, não é a quantidade da pena que inibe o agressor — a se dar como exemplo o feminicídio, que mesmo o autor estando sujeito a uma sentença de 30 anos de prisão, não deixa de cometer o crime —, mas as ações socioculturais desenvolvidas. "Querer aumentar as penas não vai resolver o problema da mulher. O ofensor não lê o Código Penal antes de praticar a violência. Não é só aumentar, mas transformar essas representações socioculturais", pontua.
Como exemplo em ações preventivas e educacionais, o promotor cita a realização de um conjunto de políticas públicas de prevenção e proteção à mulher articuladas entre os diversos setores, como o Judiciário, Executivo e Legislativo. "Estamos falando das de saúde, educação, assistência social, trabalho, emprego e renda. De uma maior inclusão de mulher nos espaços de poder, de decisão, nas mudanças culturais que a médio e longo prazo desconstroem a normalidade de comportamentos violentos no âmbito da masculinidade."
Já para casos de feminicídios consumados ou tentados, o promotor garante: não há impunidade. Uma pesquisa do MPDFT documentou que nos feminicídios cometidos em 2016 e 2017 na capital federal, em 96% dos casos os agressores foram condenados pela Justiça a penas médias de 20 anos de prisão. Entre janeiro e março de 2023, o DF registrou um total de nove assassinatos de mulheres em menos de três meses. O número é quase a metade do total de feminicídios praticados em todo o ano de 2022.
Marcha por mais direitos da mulher
Mulheres se uniram no Dia Internacional da Mulher para marchar por políticas de enfrentamento à violência de gênero, e também em "defesa do bem viver, contra a fome, o machismo, o racismo e o facismo". O ano de 2023 começou marcado por oito vítimas de feminicídios no DF, o que causou a revolta de muitas mulheres e uma das maiores motivações para a marcha que aconteceu, ontem, no Eixo Cultural Ibero-Americano.
A artista plástica, Daniela Iguizzi, 51 anos, levou um trabalho feito há quatro anos para expor na marcha, onde tentou expor várias vezes o trabalho em Brasília, mas foi censurada. "Alguns artistas que são a representação do machismo vão contra ao meu trabalho. Eu falo com certa força, então esse trabalho representa muito para as mulheres, queria poder expor no Ministério da Mulher", ressalta. A obra se chama "Medo", por representar o que as mulheres sentem ao estar em transportes públicos, em todo lugar, até mesmo na própria casa.
Com representantes de movimentos femininos e sindicais, estudantes, trabalhadoras de todas idades e crianças, o grupo andava em direção ao Palácio do Buriti, com várias marchinhas, como "Você vai se arrepender de levantar a mão para mim" e "Mulheres negras não param de lutar".
Entre as mulheres presentes, estava a deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG) que contou ao Correio, a importância da retomada às ruas. "Nós, mulheres indígenas, realizamos a marcha mesmo no contexto da covid-19. Entendemos que o parlamento mais forte é o chão de luta, uma voz importante no combate ao feminicídio, mas sobretudo ao 'amorcídio', porque quando matam mulheres, a humanidade está perdendo a capacidade de amar."
Realizada de forma anual, a assessora técnica e de articulação política do CFEMEA, Jolúzia Batista, explica que a marcha é uma iniciativa política própria dos movimentos de mulheres feministas no mundo inteiro. "Existe há mais de um século. No Brasil, desde o período da redemocratização as marchas têm acontecido em todos os estados, possivelmente".
Entre tantas protestantes, cada uma fazia o apelo com o próprio simbolismo, algumas com cartazes, outras com dança e música, standards, como a aposentada Inês Vargas Marques, 63, que faz parte do grupo "Mães da Resistência", em defesa dos filhos LGBTQIA por um espaço na sociedade. "Estar aqui hoje é lutar pela vida, que é algo sagrado para as mulheres e nós estamos sendo mortas com cada vez mais frequência.", diz.
A Central Única dos Trabalhadores (CUT), que realizou o evento, começou o ato a partir do Acampamento 8M, onde reuniu 150 mulheres, em Planaltina-DF, no instituto de falar sobre a violência contra as mulheres.
Quatro perguntas para
Mayla Santos, sócia-fundadora do Instituto Retomar
Como você avalia a penalização para crimes de violência contra a mulher e de feminícidio?
O Brasil tem boas leis no combate à violência contra a mulher e feminicídio, sendo que a Lei Maria da Penha já foi, inclusive, reconhecida pela ONU como a terceira melhor lei de proteção à mulher do mundo. Contudo, ter boas leis no combate à violência de gênero não impedem que mulheres sofram todos os tipos de violência e sejam mortas pelo simples fato de serem mulheres, todos os dias.
Acredita que o Judiciário tem desempenhado uma boa função no combate a crimes desse tipo?
O Judiciário desempenha uma função importante no combate à violência doméstica e de gênero, principalmente, se considerarmos a análise e deferimento de medidas protetivas de urgência em tempo hábil, como o afastamento do agressor do lar e proibição de aproximação da vítima. Minha crítica ao Judiciário seria ao tratamento dado a vítima de violência doméstica, que muitas vezes não é feito sobre uma perspectiva de gênero, apesar de termos juízes bastante engajados e atuantes no TJDFT. Em 2021 o CNJ lançou um Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, que deve ser observado por todo o Judiciário, e tem como escopo nortear o trabalho dos magistrados de modo que os julgamentos se realizem em observância ao direito à igualdade e não discriminação, sem violência institucional.
Qual sua análise sobre os agressores que já foram condenados e estão nas ruas?
Não raras vezes vemos casos em que o agressor já sofreu uma ação penal ou mesmo já teve medidas protetivas em seu desfavor por uma outra relação afetiva, mas voltou a ter as mesmas condutas ou até condutas mais graves em uma relação futura. Isso nos demonstra que para além de punir agressores, precisamos investir em políticas de educação e reabilitação.
"Peguei o pior índice de feminicídio da história do DF", diz Celina Leão
A governadora em exercício comentou sobre os nove feminicídios registrados no DF durante evento na Câmara Legislativa
Durante a palestra Mulheres em Espaço de Poder, realizada pela Defensoria Pública do Distrito Federal (DPDF), nesta quinta-feira (9/3), a governadora em exercício Celina Leão fez um comentário sobre os nove casos de feminicídio registrados no DF em 2023.
“Este ano, eu peguei o pior índice de feminicídio da história do Distrito Federal. Fui sacolejada naquilo que mais amo, que é a pauta das mulheres. Quando a lei existe e ela tá longe da aplicação, a gente precisa perceber que o estado precisa melhorar para salvar essas mulheres”, ressalta.
De acordo com a parlamentar, das nove vítimas, quatro nunca haviam feito ocorrência alguma contra o parceiro. “Esse crime é da sociedade. Nós precisamos denunciar, é preciso perceber e avisar sobre mulheres que sofrem violência. Não é à toa que quatro dessas mulheres [vítimas de feminicídio] sequer tinham um boletim de ocorrência”, disse.
A governadora ressaltou que o feminicídio é um crime continuado que não finaliza com a morte da mulher. Ela anunciou a implementação de uma bolsa para crianças filhos de vítima de feminicídio, que será concedida até os 18 anos de idade.
“Lançamos também um aluguel social para aquelas mulheres que não conseguem sair da violência por conta da questão patrimonial e precisam se mudar. Dependendo da condição da mulher, (isso) irá ajudá-la a sair da situação de violência junto com seus filhos sem sofrer a violência patrimonial”, finaliza.
"O movimento das mulheres é libertador", diz Celina Leão durante evento
Evento ocorreu nesta quinta-feira (9/3), no auditório da Câmara Legislativa da Câmara Legislativa. Governadora comentou sobre feminicídios registrados no DF
Na manhã desta quinta-feira (9/3), a governadora em exercício Celina Leão esteve presente na palestra Mulheres em Espaço de Poder, realizada pela Defensoria Pública do Distrito Federal (DPDF) em parceria com a Secretaria da Mulher. Durante o pronunciamento, a governadora ressaltou a importância de mulheres estarem à frente de cargos de poder, além da necessária de que homens também apoiem a causa.
“Precisamos de homens que nos apoiem neste movimento, que é coletivo. (…) O movimento das mulheres é libertador, é o que permite que elas cheguem em cadeiras STJ, legislativas. É o movimento que coíbe que esses homens nos matem”, disse.
O evento contou com a participação da ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Laurita Vaz, da deputada distrital e procuradora Especial da Mulher da CLDF, Dra. Jane, da comandante-geral do Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal (CBMDF), coronel Mônica de Mesquita, da subdefensora Pública-Geral, Dominique de Paula, e pela secretária da Mulher, Giselle Ferreira.
Declaração Internacional da Marcha Mundial das Mulheres – 8 de Março de 2023
Leia também em espanhol, inglês e francês no site da MMM Internacional
Neste 8 de Março de 2023, Dia Internacional de Luta das Mulheres, nós da Marcha Mundial das Mulheres trazemos à memória viva a luta das mulheres trabalhadoras, que no início do século XX se ergueram em forte resistência e oposição ao capitalismo.
Para nós, que acreditamos na solidariedade feminista internacional, recordar as origens desta importante data no calendário das lutas feministas nos fortalece em nosso processo permanente de construção do nosso feminismo popular e também de nos posicionarmos contra a cooptação desta data pelo neoliberalismo.
Vivemos um momento em que a ofensiva da direita global se organiza para consolidar o fascismo em todo o mundo, quer seja através da disputa pelas democracias ou na ofensiva dos poderes imperialistas e conservadores que tentam travar os avanços da resistência popular das mulheres e dos povos.
Denunciamos o poder corporativo das empresas transnacionais extrativistas, tais como a indústria bélica e farmacêutica, que controlam os nossos territórios, as nossas vidas, os nossos trabalhos, os nossos corpos, as nossas subjetividades e as nossas sexualidades.
Lutamos ativamente contra o avanço dos autoritarismos e das forças conservadoras e fundamentalistas que têm ameaçado os direitos pelos quais lutamos. Novas formas de colonialismo refletem-se também em políticas migratórias que reforçam o racismo e a xenofobia, as fronteiras, a criminalização das pessoas refugiadas e o crescente bloqueio econômico, político e financeiro dos povos cujos governos não se curvam aos interesses deste sistema predatório.
As mulheres e os povos do mundo nunca deixaram de lutar, mesmo perante os projetos de assassinato e criminalização dos movimentos sociais. Neste contexto, destacamos as nossas resistências, alternativas e propostas para transformar o mundo, colocando a vida no centro.
Seguimos defendendo nossos corpos e territórios em oposição à dinâmica da mercantilização da natureza, e apostamos na soberania alimentar e na agroecologia. Acreditamos que é possível estabelecer relações sociais em harmonia com a natureza, baseadas na reciprocidade, onde os cuidados são compartilhados.
Somos um movimento internacionalista e há 25 anos reafirmamos o poder da nossa organização territorial, regional e global como a força da nossa ação, através da organização popular, educação popular e processos de comunicação feminista e popular, na construção de estratégias coletivas.
Temos resistido e apostado em processos que reforçam as agendas feministas em aliança com outros movimentos sociais para a construção da soberania popular, partilhando os nossos conhecimentos e práticas.
Seguiremos em marcha para alcançar mudanças políticas, econômicas e sociais e construir um mundo melhor para todos os povos. Neste ano em que iremos realizar o nosso 13º Encontro Internacional, reafirmamos:
Força feminista para transformar o mundo! Até que todas sejamos livres!
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