Mário Scheffer analisa dados divulgados pelo Conselho Federal de Medicina e afirma que é necessário aprimorar os cursos de medicina no País para a formação de profissionais cada vez mais capacitados
A proporção de médicos para cada mil habitantes aumentou em todas as regiões do País – Foto: Reprodução/Prefeitura Municipal de Jundiaí
Dados divulgados pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) demonstraram que o número de médicos no Brasil vem aumentando e já está próximo dos 600 mil, quase o triplo quando comparado ao ano de 2000, quando havia pouco mais de 230 mil profissionais de medicina no País. Além disso, a presença feminina na área também está crescendo e a tendência é que, nos próximos anos, haja mais médicas mulheres do que homens no cenário nacional. O professor Mário Scheffer, do Departamento de Medicina Preventiva (DMP) da Faculdade de Medicina (FM) da USP, explica que esses dados já haviam sido adiantados pelo estudo Demografia Médica no Brasil, o qual ele coordena desde 2010.
Segundo o especialista, o fator responsável por esse crescimento exponencial no número de profissionais é a grande abertura de cursos e vagas de medicina durante a última década. Ele explica que mais de 200 mil novos médicos se formaram nos últimos anos e, desse modo, é esperado que na próxima década seja atingido o número de 1 milhão de profissionais da medicina atuando no País.
Mário César Scheffer – Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Crescimento
De acordo com Scheffer, a proporção de médicos para cada mil habitantes aumentou em todas as regiões do País e, ainda que haja uma maior concentração geográfica dos profissionais nas capitais e grandes centros urbanos, os dados mostraram também uma certa descentralização, ou seja, houve uma maior dispersão territorial dos médicos. Ele conta que, a partir desse cenário, é importante que os gestores do Sistema Único de Saúde (SUS) implementem programas como o Mais Médicos, que possam auxiliar na formação, remuneração e condições adequadas de trabalho para levar e fixar os médicos em locais que têm historicamente dificuldade em retê-los.
“A partir desses dados, não é mais admissível que tenhamos municípios no nosso território em que não haja médicos. Mas, além dessa distribuição geográfica, temos também um problema de maior presença dos médicos na rede privada do que nos serviços do SUS, o que explica em parte as filas de espera nas especialidades no SUS, principalmente porque os especialistas estão concentrados majoritariamente em serviços privados que não atendem o SUS”, ressalta.
Presença feminina
Conforme o professor, mesmo que as mulheres estejam conquistando seu espaço na medicina, elas ainda sofrem com a desigualdade de gênero dentro da profissão. Ele explica que, nos últimos 12 anos, as pessoas do sexo feminino são maioria entre os novos registros de medicina, ou seja, de profissionais recém-formados. Além disso, ele ressalta que o estudo Demografia Médica apontou para que, em 2025, as mulheres ultrapassem os homens na população total de médicos do País.
Scheffer reforça que mais mulheres estão escolhendo a medicina como profissão e dentro das universidades a mudança já é perceptível, já que elas representam cerca de 60% dos novos ingressantes em cursos da área. O professor crê que essa mudança de cenário pode ser positiva e a feminilização pode aprimorar o futuro tanto da medicina quanto do sistema público de saúde do País.
Apesar disso, o especialista conta que os estudos têm alertado para a persistência das desigualdades de gênero, como na especialização e nas disparidades salariais. Ele conta que, das 55 especialidades médicas reconhecidas atualmente no País, os homens ainda são maioria em 36 delas. Os números ainda são mais surpreendentes nas especialidades cirúrgicas, em que os profissionais masculinos são maioria em todas elas.
“As mulheres médicas também têm menor remuneração do que os médicos homens e isso aparece tanto em nossos inquéritos quanto nos estudos com base na declaração de renda. Essa desigualdade salarial entre os gêneros persiste mesmo quando é feito o ajuste por fatores de trabalho, como carga horária semanal, tempo de prática e também especialidade médica”, aponta.
Cursos e faculdades
Para o professor, é necessário um acompanhamento frequente dos cursos e escolas de medicina, de modo que o ensino ofertado seja de qualidade e capaz de formar bons profissionais. Ele conta que atualmente o País conta com 390 cursos de medicina, mas as escolas são muito heterogêneas em termos de tempo de existência e qualidade. A maioria delas são novas, privadas e foram abertas principalmente após a Lei Mais Médicos de 2013.
Conforme o especialista, as turmas de medicina em faculdades privadas possuem mais alunos do que as classes de universidades públicas, assim como menor razão de docente por número de estudantes. Muitas dessas instituições privadas, segundo ele, sequer possuem campo de prática adequado para o ensino na medicina, tampouco um corpo docente com a qualificação necessária para a formação adequada dos estudantes.
“Já que o Brasil decidiu pela abertura crescente de cursos de medicina, é preciso urgentemente definir um modelo de avaliação dessas escolas médicas, mas é importante que seja uma avaliação com periodicidade e consequência, capaz de diminuir o número de vagas e até mesmo levar ao fechamento de escolas que estão funcionando nos dias atuais sem a capacidade de formar bons médicos”, analisa.
Especialização
De acordo com Mário Scheffer, a melhor maneira de formar um médico especialista é por meio da residência médica, que é uma formação em serviço e dura de dois a cinco anos. Contudo, ele afirma que foi criada uma imensa defasagem entre a oferta de graduação e de residência e, enquanto existem no País cerca de 245 mil estudantes cursando graduação em medicina, apenas 45 mil médicos estão realizando residência médica atualmente.
Para o docente, o sistema de saúde precisa tanto de generalistas, desde que bem formados, quanto de especialistas. No entanto, essa defasagem é preocupante, porque tem aumentado o número de médicos sem título de especialista ou sem residência médica concluída e, com essa baixa oferta de especialistas, as filas de espera nas especialidades ficam maiores e os pacientes levam muito tempo até serem atendidos.
“Basta olhar para as filas de espera do SUS para cirurgias e consultas em várias especialidades médicas. Entre as especialidades com déficit de médicos atualmente, principalmente no SUS, podemos citar, com base nos nossos estudos, a medicina de família e comunidade, que é uma especialidade muito importante para a atenção primária à saúde. Além disso, temos também a psiquiatria, considerando a necessidade de ampliar cada vez mais a rede de atenção à saúde mental, bem como anestesistas e médicos oncologistas para o tratamento do câncer”, finaliza.
*Estagiário sob supervisão de Marcia Avanza e Cinderela Caldeira