Em artigo, jornalista aponta a importância do fortalecimento da luta pela terra como enfrentamento à tentativa de criminalização do MST
Por Pinheiro Salles*
MST e seus agressores
Quando o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) multiplica as ações em defesa da reforma agrária, mais justificativas os inimigos buscam para intensificação da violência no campo. A bancada ruralista na Câmara dos Deputados oferece maior ênfase à troca de favores com suas bases direitistas. Polícia Militar e pistoleiros a serviço do latifúndio apresentam iniciativas para revigorar a política golpista, a truculência e a estupidez que perpassaram o governo do inelegível ex-presidente Jair Bolsonaro.
Então, deve-se perguntar: por que os grandes fazendeiros acumularam tanto ódio ao MST e tão graves crimes praticam contra quem reivindica a conquista da reforma agrária no Brasil? Modestamente, ouso apresentar aqui algumas observações e parcimoniosas informações pertinentes. O MST nasceu em janeiro de 1984, passando imediatamente a enfrentar a intransigente hostilidade da UDR (União Democrática Ruralista), de lamentável memória.
Essa organização teve à sua frente, dentre outros, um integrante de família acusada de múltiplos insultos aos seus trabalhadores, especialmente nas imediações da antiga capital goiana. As agressões incluíam o trabalho escravo, que se sobressaía rotineiramente, até reproduzindo métodos de tortura utilizados nos quase cinco séculos de escravidão. A propósito, pode-se repetir a declaração de um ministro do Trabalho (Walter Barelli) em 1993: “Temos de reconhecer que isso ainda existe. E que essa é a maior mancha da história brasileira”.
Como se compreende, é secular o problema da questão agrária em nosso país. Sempre se colocou em evidência o conservadorismo dos grandes proprietários rurais. A concentração de terras alcança um dos mais altos índices do planeta. Privilegiados são uma minoria de latifundiários e vastos conglomerados monopolistas-financeiros. A enorme desigualdade social é mantida pelas classes dominantes, continuamente, com a prática e o estímulo da violência que atinge os trabalhadores do campo e os povos indígenas.
Ligado a tudo isso pode-se citar o exemplo do massacre de Eldorado dos Carajás. Ocorreu em abril de 1996. Em uma tocaia preparada pela Polícia Militar, foram assassinados com tiros de fuzil 21 membros do MST. Os sobreviventes, incluindo mulheres e crianças, permaneceram dias escondidos no mato, sob o terror policial. O sofrimento era a soma do frio, da falta de comida e da incerteza sobre a continuidade da vida. Assim, interrompeu-se a marcha pacífica em direção à capital do estado, quando se pretendia defender a reforma agrária junto ao governo do Pará.
As perseguições ao movimento não têm limite. Elas se manifestam das mais distintas formas (está aí a CPI das Injúrias, na Câmara dos Deputados). O principal aglomerado de pessoas acampadas em Goiás fica no município de Formosa. O acampamento Dom Tomás Balduíno, com 280 famílias, existe há nove anos. E, recentemente, vem sofrendo todo tipo de violência. Segundo a CPT (Comissão Pastoral da Terra), fazendeiros vizinhos “cortam cercas para o gado destruir as plantações dos acampados, usam agrotóxicos e causam incêndios criminosos” (O Popular, 10 e 11 de junho último).
Mas, querendo-se ou não, o fato é que os tempos são outros. O MST não vai recuar face às manobras, ameaças e às próprias balas dos grileiros e demais bolsonaristas. As ocupações retornaram este ano com vigor inédito. Está sendo, portanto, destravada a luta encoberta pelo derrame de armas nos últimos quatro anos. Afinal, coragem e ousadia nunca faltaram às mulheres e aos homens que dedicam a vida à democratização da terra e à construção de uma sociedade justa, igualitária, verdadeiramente democrática. Sem fome, sem opressão e, sobretudo, sem o opróbrio do trabalho escravo, que ainda hoje, vergonhosamente, avilta a nossa condição humana.
*Pinheiro Salles é jornalista e militante político. Permaneceu nove anos nos cárceres da ditadura
militar em São Paulo e no Rio Grande do Sul.