Foto em close de menina negra com o rosto encoberto por uma máquina fotográfica Canon, que ela segura em pose de fotógrafa.
Crédito: Pixabay/cat6719

O programa formativo online “O papel do jornalismo periférico e antirracista na proteção das crianças negras”, iniciativa do Nós, mulheres da periferia, em parceria com Alma Preta Jornalismo e Marco Zero Conteúdo, está com as inscrições abertas até o dia 15 de outubro de 2023. Válido apenas para jornalistas, estudantes de jornalismo e comunicadores com atuação no nordeste do Brasil, o cadastro e participação são gratuitos, e a lista dos selecionados será anunciada em 30 de outubro, por e-mail e  nas redes sociais. Os participantes terão a chance de concorrer a uma bolsa no valor de R$ 10 mil, juntamente com a mentoria para produção de uma reportagem.

A ação tem o apoio da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, organização que atua na defesa da garantia de direitos para a primeira infância.

Serão selecionadas 35 pessoas para participarem, em novembro, de quatro encontros semanais online, sempre às terças-feiras a partir das 18h30. As formações serão ministradas por especialistas nos temas de primeira infância e racismo, numa colaboração com as equipes do Nós, mulheres da periferia e Alma Preta Jornalismo. No final, uma oficina prática proporcionará aos jornalistas o aprofundamento no assunto através da escrita sensível e de posicionamento crítico. 

As sugestões de pautas, contendo obrigatoriamente o recorte racial, deverão ser propostas em parceria por dois ou mais jornalistas. A dupla ou grupo contemplado pelo edital receberá uma mentoria editorial, realizada em seis encontros no decorrer de 2024, com as equipes do Alma e Nós. A reportagem vencedora será  publicada em pelo menos dois veículos independentes e periféricos da região. 

Esta proposta representa não apenas a oportunidade de aprendizado, mas também uma porta de entrada para a criação de conteúdo jornalístico inclusivo e interseccional – sobreposição de opressões e discriminações existentes que recaem principalmente em relação às minorias políticas – que destaca a importância de olhar para as distintas realidades e territórios ocupados por mulheres e crianças negras. 

A intenção é que, cada vez mais, a imprensa brasileira apoie o desenvolvimento de reportagens que promovam a conscientização e a ação pela equidade racial (tanto dentro quanto fora das redações) e da defesa dos direitos das comunidades negras, fortalecendo assim o compromisso com a justiça social na sociedade para a adoção de políticas públicas eficazes.

Clique aqui para fazer a sua inscrição.

O perigo da história única

A escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie ofereceu uma perspectiva valiosa sobre o poder ao afirmar que ele reside na habilidade não apenas de contar as histórias de outras pessoas, e sim de fazê-la sua história definitiva. “Sempre senti que é impossível se envolver direito com um lugar ou uma pessoa sem se envolver com todas as histórias daquele lugar ou daquela pessoa. A consequência da história única é esta: ela rouba a dignidade das pessoas. Torna difícil o reconhecimento da nossa humanidade em comum. Enfatiza como somos diferentes, e não como somos parecidos”, relata no livro O perigo de uma história única, publicado em 2018. 

Pegar toda a complexidade de uma pessoa e de seu contexto e reduzi-los a um só aspecto, normalmente o negativo, é algo praticado no Brasil desde o período colonial, impondo às populações negras e indígenas condições subalternas e de marginalização. Dessa maneira, seguindo a previsibilidade dos fatos históricos num país de longa trajetória escravocrata, a chegada da imprensa por aqui no século 18, vinda de Portugal, sob o rigoroso monitoramento da Coroa portuguesa, ajudou a massificar, ao longo dos anos, as ideias racistas de exclusão do povo preto. O homem negro, na figura do bandido ameaçador, e a mulher negra, objetificada e sem espaço para a expressão intelectual, são os exemplos dos estereótipos únicos estampados até pouco tempo nos influentes veículos de comunicação do país. 

Quando falamos da criança negra, notamos que, aos poucos, ela começa a ser escutada cuidadosamente pelos profissionais de comunicação. 

Na contramão da mídia hegêmonica, o programa formativo pretende qualificar a cobertura jornalística antirracista. O foco é ampliar os conhecimentos a respeito das variadas narrativas e investigar os desafios que permeiam o cotidiano das mães, além de garantir as condições de existência das pessoas negras ainda na primeira fase da vida.  

Na formação, os debates irão abordar a violência racial e suas manifestações na vida das crianças negras, o papel da política pública no cuidado às mães negras, a presença da criança na família, escola e na sociedade, bem como as melhores práticas e ética na cobertura jornalística dos direitos da primeira infância.

Mayara Penina, especialista em Educação Infantil e diretora de conteúdo do Nós, salienta a relevância dessa formação para fomentar discussões no ecossistema do jornalismo. “Este ciclo formativo tem o objetivo de debater nossa atuação jornalística quando abordamos infâncias negras em todas as editorias. O olhar cuidadoso e responsável para o nosso campo de atuação deve pautar um jornalismo antirracista”. 

Já Pedro Borges, editor-chefe da Alma Preta Jornalismo, reconhece que o programa é fundamental para debater o racismo estrutural e seu impacto no cotidiano de mães e crianças negras. “Iniciativas como essas só poderiam vir de uma reunião desses veículos com compromisso com os direitos humanos nas suas diferentes perspectivas e interseccionalidades. Juntos, topamos o desafio de olhar para a primeira infância com olhar mais cuidadoso”.

A gerente de comunicação da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Sheila Ana Calgaro, defende o apoio a iniciativas em rede que incitem o debate no campo da comunicação sobre os direitos de crianças negras, como essencial para a reflexão sobre o racismo. “Através de projetos de comunicação colaborativos e interconectados, podemos construir um ambiente propício para a reflexão e discussão sobre os direitos das crianças negras, promovendo uma análise profunda do racismo em nossa sociedade.”

Sérgio Miguel Buarque, coordenador executivo da Marco Zero conta que a equipe da organização está muito empolgado com o início dos trabalhos. “Um projeto fundamental tanto no conteúdo quanto na forma. No conteúdo, por discutir caminhos para um jornalismo antirracista, comprometido com proteção das crianças negras. Na forma, por fortalecer redes de jornalismo, fora do eixo Rio de Janeiro/São Paulo, atuando de forma colaborativa e integrada.”

Serviço

Programa formativo: O papel do jornalismo periférico e antirracista na proteção das crianças negras.

Inscrições:  Aqui

Prazo final: 15 de outubro.

Divulgação dos selecionados: 30 de outubro. 

Sobre o Nós, mulheres da periferia

O Nós, mulheres da periferia é um site jornalístico dedicado a repercutir a opinião e a história de mulheres negras e periféricas. Seu compromisso é oferecer um outro jeito de ver os acontecimentos no Brasil e no mundo e contribuir para a construção de uma sociedade plural, antirracista e não patriarcal. Em atividade desde 2014, o objetivo do veículo é democratizar o debate público e aproximá-lo da realidade brasileira, que tem uma população majoritariamente formada por mulheres negras. Seguindo uma linha editorial transparente com suas leitoras e leitores, o fazer jornalístico do Nós, mulheres da periferia é guiado por valores como ética, confiabilidade e independência.

https://www.nosmulheresdaperiferia.com.br/

Sobre a Alma Preta Jornalismo

A Alma Preta é uma agência de jornalismo especializada na temática racial. O objetivo é construir um novo formato de gestão de processos, pessoas e recursos através do jornalismo qualificado e independente. A história da agência começou em 2015 como um coletivo de universitários e comunicadores negros, que perceberam desde jovens a necessidade de produzir pautas antirracistas no Brasil. Desde então, o veículo ganhou notoriedade pelo caráter político na produção de nossos conteúdos editoriais por acreditarem que seu trabalho tem o dever de informar, visibilizar e potencializar a voz da população negra.

www.almapreta.com.br

Sobre a Marco Zero Conteúdo

A Marco Zero Conteúdo é uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, que tem por objetivo qualificar o debate público promovendo o jornalismo investigativo e independente. Em um cenário de concentração de mídia e perda de credibilidade dos meios de comunicação tradicionais, como vem ocorrendo no Brasil, a Marco Zero aposta na produção de reportagens e conteúdos que exponham as relações de poder, dando destaque a temas de interesse público invisibilizados pela mídia corporativa.

Sobre a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal

Organização que atua desde 2007 aos direitos da primeira infância. Atua para transformar a vida das crianças do nascimento até os 6 anos, principalmente as mais vulneráveis, abrindo caminho para um futuro com mais perspectivas e um país com mais equidade. Para tanto, elegem quatro prioridades: mobilizar as lideranças públicas, sociais e privadas; sensibilizar a sociedade; fortalecer as funções dos pais e dos adultos responsáveis pelas crianças e melhorar a qualidade da educação infantil no nosso país.

www.fmcsv.org.br

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