Quase lá: ‘O ódio ao pobre não seria tão eficiente se não passasse pelo racismo no Brasil’

Frente Nacional de Negros e Negras da Saúde Mental surge com o objetivo de construir uma agenda antimanicomial e antirracista para a política nacional do setor

Luciano Velleda - Sul21

Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

Frente Negros Negras Saude Mental
Lançamento da frente lotou o auditório da Universidade Estadual do Rio de Janeiro no último dia 11 de maio. Foto: Divulgacão

Durante o segundo turno da eleição presidencial do ano passado, a perspectiva da vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), combinada com o arco de alianças políticas em torno da sua candidatura, levou um grupo de profissionais da saúde mental a perceber a necessidade de fortalecer uma frente negra no campo da saúde mental e da reforma psiquiátrica. O objetivo era garantir que a pauta do enfrentamento ao racismo fosse central na discussão do tema.

Assim nasceu a Frente Nacional de Negros e Negras da Saúde Mental, que nesta quinta-feira (18) será lançada em Brasília, após já ter tido eventos semelhantes em São Paulo e Rio de Janeiro.

“Reconhecemos que há urgência na construção de uma Reforma Psiquiátrica que seja radicalmente antirracista, uma vez que nossos corpos sempre ocuparam os hospitais psiquiátricos e ainda somos a população que mais acessa o Sistema Único de Saúde”, destaca trecho do primeiro post do perfil criado pelo grupo em rede social, em novembro de 2022.

O movimento também nasceu com o objetivo de obter força social para fazer com que as equipes no Ministério da Saúde tivessem representatividade de cor e raça. A articulação já colheu resultado: em fevereiro, a professora Sônia Barros foi nomeada chefe do Departamento de Saúde Mental do Ministério da Saúde.

“O racismo é estruturante da lógica manicomial e, para isso, a gente precisaria garantir quadros no Ministério da Saúde, que a gente já sabia que não ia conseguir sem pressão política”, diz Tadeu de Paula Souza, professor do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e um dos membros da coordenação nacional do movimento.

Ele explica que o racismo é um promotor direto de problemas de saúde mental ao aniquilar a humanidade, desprezar e desqualificar as pessoas negras desde a infância. Nesse sentido, como fenômeno social, o racismo promove uma série de adoecimentos, defende o professor da UFRGS.

“O ódio ao pobre não seria tão eficiente se não passasse pelo racismo no Brasil. E o racismo não seria tão eficiente se não tivesse associado o negro à figura de anomalia”, reflete. “A lógica manicomial e genocida das políticas relacionados à saúde mental, transtorno mental, álcool e drogas, vai produzir efeitos sociais muito mais amplos e estruturais do que somente uma questão de tratamento.”

Ao mesmo tempo em que é preciso pensar o tratamento, Souza pondera ser necessário pensar as políticas de Estado que produzem os efeitos que depois a própria política pública tenta reverter. Para ele, não faz sentido só cuidar dos efeitos que as políticas de Estado produzem, é preciso mudá-las.

“É uma contradição que a gente vive, porque temos uma política de guerras às drogas que estigmatiza o usuário de droga, mas sobretudo estigmatiza duplamente o corpo da pessoa negra, seja das mães que veem os filhos mortos por essa política e o que produz de saúde mental para essas mulheres, como dos usuários em geral. É uma política de Estado que vai produzir efeitos sobre toda a sociedade e que depois temos que acolher num serviço de saúde mental. A gente precisa rever as políticas que estruturam isso”, explica.

‘Psiquiatriarização da miséria’

O fortalecimento das comunidades terapêuticas nos últimos anos é outro ponto fortemente criticado pelos integrantes da Frente Nacional de Negros e Negras da Saúde Mental.

O professor de Saúde Coletiva da UFRGS recorda que o Brasil passou pelo processo de reforma psiquiátrica, baseado no fechamento gradativo dos leitos psiquiátricos. O movimento ficou nacionalmente conhecido como “luta antimanicomial”, com a premissa de ressocialização das pessoas com transtorno mental que viviam em situação degradante nos manicômios, sofrendo uma série de violações de direitos humanos.

O surgimento do crack, todavia, mudou o curso dessa luta. O pânico social com a nova droga causou uma espécie de contra-reforma psiquiátrica. Para Tadeu de Paula Souza, o avanço do crack deu início ao processo de “psiquiatriarização da miséria”. Pessoas em situação de rua, sem emprego, sem moradia, sem direitos básicos garantidos, passaram a ser associadas ao uso do crack.

“Foi se colocando como se o crack fosse a causa disso, e as comunidades terapêuticas, que nunca deixaram de existir, se fortaleceram em torno desse discurso de higienismo e internação compulsória em massa. Esse higienismo colonial do início do século 20, que é estruturante, que nunca deixou de existir, mas que se fortalece com o movimento de contra-reforma psiquiátrica, numa associação com o fortalecimento da bancada religiosa”, afirma o professor da UFRGS.

Ele analisa as comunitárias terapêuticas como uma reedição dos antigos manicômios e usa a analogia de uma porta-giratória: por um lado se fecham os antigos manicômios; por outro se fortalece a indústria da internação via o fenômeno social do uso de drogas por populações em situação de rua.

Após o ato em Brasília, a Frente Nacional de Negros e Negras da Saúde Mental será lançada em junho, em Porto Alegre, e em agosto, em Salvador.

A frente é composta por uma série de entidades, como a Aliança Negra pela Saúde, a Iniciativa Negra por Outra Política de Drogas, o Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades, a Articulação Nacional de Psicólogas(os) Negras(os) e Pesquisadoras(es), a Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas, a Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde, e o Instituto AMMA Psiquê e Negritude.

Com a colaboração do repórter Luís Eduardo Gomes

fonte: https://sul21.com.br/noticias/saude/2023/05/o-odio-ao-pobre-nao-seria-tao-eficiente-se-nao-passasse-pelo-racismo-no-brasil/


Artigos do CFEMEA

Coloque seu email em nossa lista

lia zanotta4
CLIQUE E LEIA:

Lia Zanotta

A maternidade desejada é a única possibilidade de aquietar corações e mentes. A maternidade desejada depende de circunstâncias e momentos e se dá entre possibilidades e impossibilidades. Como num mundo onde se afirmam a igualdade de direitos de gênero e raça quer-se impor a maternidade obrigatória às mulheres?

ivone gebara religiosas pelos direitos

Nesses tempos de mares conturbados não há calmaria, não há possibilidade de se esconder dos conflitos, de não cair nos abismos das acusações e divisões sobretudo frente a certos problemas que a vida insiste em nos apresentar. O diálogo, a compreensão mútua, a solidariedade real, o amor ao próximo correm o risco de se tornarem palavras vazias sobretudo na boca dos que se julgam seus representantes.

Violência contra as mulheres em dados

Cfemea Perfil Parlamentar

Direitos Sexuais e Reprodutivos

logo ulf4

Logomarca NPNM

Cfemea Perfil Parlamentar

Informe sobre o monitoramento do Congresso Nacional maio-junho 2023

legalizar aborto

...