Estudo de Engenharia da USP comparou diferentes cidades do Brasil e mediu acesso ao transporte público urbano em diferentes classes sociais; desigualdades se acentuam por gênero e raça
Além das cidades capitais brasileiras, Tainá analisou outras duas cidades de fora do País: Londres, no Reino Unido, e Nova York, nos EUA. Ao posicionar o Brasil no contexto internacional, a pesquisa mostra que a renda mais baixa em países de baixa e média renda, associada a tarifas caras de transporte público, onera desproporcionalmente as classes mais baixas e as populações negras.
“Este padrão é consistente entre todas as três classes sociais e todas as quatro cidades. Nas duas maiores cidades, a diferença entre as raças é ainda mais acentuada. Isto indica que as desigualdades raciais se combinam e se sobrepõem às desigualdades de classe e de cidade”, sugere a pesquisadora.
O estudo inova ao propor formas de cruzamento de dados de diferentes fontes censitárias, governamentais e colaborativas para ampliar a capacidade de análise do acesso a oportunidades urbanas pelos diferentes grupos sociais. De acordo com o estudo, dimensões de classe social, raça e gênero podem servir como uma ferramenta para o planejamento urbano e de transportes.
Comparação interna
Três artigos acadêmicos compõem a tese, baseados em três questões centrais do estudo: o primeiro procurou entender como a segregação residencial por classe social e raça se relaciona com a acessibilidade; o segundo investigou de que maneira as desigualdades de renda locais e globais afetam a acessibilidade em geral e a acessibilidade por classe social e raça. Por fim, o terceiro artigo identificou ferramentas para avaliar a acessibilidade de serviços públicos com capacidade limitada.
“Utilizamos técnicas de agrupamento, microssimulação espacial, imagens de satélite e mapeamento dasimétrico para refinar nossa análise socioespacial comparativa através de múltiplas unidades de área e tempo, tomando quatro grandes metrópoles brasileiras como evidência empírica”, informa a pesquisadora na tese.
Os casos analisados incluem as maiores e mais ricas cidades brasileiras: São Paulo e Rio de Janeiro, mas também altamente desiguais em renda. Segundo o estudo, os coeficientes de Gini – utilizados para medir concentração de renda – para São Paulo, Rio de Janeiro e Fortaleza são semelhantes, variando entre 0,62 e 0,63. No entanto, os níveis de renda são bem mais baixos em Fortaleza (US$ 170), enquanto São Paulo e Rio têm renda média de US$ 280 e US$ 250, respectivamente. Curitiba tem renda média um pouco maior, de US$ 285, e menor desigualdade (Gini de 0,53). Enquanto São Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba são todos mais ricos, Curitiba é menos desigual.
A pesquisadora pontua que em grandes cidades, as regiões com mais oportunidades costumam ser rodeadas por pessoas de renda mais alta. Ao delimitar os espaços periféricos para a classe baixa, é necessário que esta use mais o transporte público. Entretanto, ao não ser efetivo em conectar a população pobre às áreas centrais do mercado de trabalho, o transporte ajuda a perpetuar o desemprego e a baixa renda familiar entre pessoas periféricas. Além de tirar horas de lazer e produtividade desses indivíduos, o tempo gasto em deslocamentos pode diminuir o rendimento profissional do trabalhador, possivelmente minando suas oportunidades de crescimento profissional.
Gráfico: cedido pela pesquisadora
Questão racial
Além das questões raciais e de renda, o estudo também mostra que a falta de acessibilidade atinge mais as mulheres. O deslocamento feminino tende a ser maior devido à sobrecarga nas chamadas “mobilidades do cuidado”.
“Elas saem de casa para levar o filho na escola, aí vão para o trabalho, depois vão comprar alguma coisa para o jantar, porque elas são responsabilizadas por essas atividades. Então, esses diferentes papéis sociais que são atribuídos às mulheres influenciam nos deslocamentos. Além disso, elas têm menos tempo para se dedicar a atividades produtivas e de alta remuneração, estando mais representadas em trabalhos parciais ou mais precarizados”, explica.
A pesquisadora também relata que problemas sociais como desigualdade salarial podem modificar a forma como as mulheres se deslocam no cotidiano. “Elas, em geral, têm renda menor, logo menos recurso para pagar a tarifa do metrô e do ônibus. Além disso, quando você olha os usos do transporte, as mulheres usam muito mais o transporte público coletivo e até o caminhar, pois são mais baratos e porque se encaixam melhor nessa dinâmica”, afirma Tainá.
Para a pesquisadora, uma melhora na mobilidade urbana pode ser atingida com capacidade e planejamento. É necessário ter profissionais diversos e capacitados no planejamento do transporte público, agregando visões femininas, pretas e periféricas à discussão, além de medidas de infraestrutura como pontos bem iluminados.
“Acho que o primeiro ponto é que a gente ainda tem no Brasil uma falta de capacitação de gestores que cuidam da mobilidade pública a nível local. Pois essa discussão ainda é muito nova na Gestão Pública. Então, treinamento e capacitação pensando nacionalmente. Outra questão essencial é trazer pessoas diversas para o planejamento da mobilidade urbana, seja desenhando, fazendo os projetos, seja em participações em conselhos e conferências. Porque essas pessoas têm vivências e experiências que alguém branco de classe alta não tem. Então, você qualifica as políticas públicas com esses olhares diferentes. Um exemplo muito concreto é aumentar a oferta de transporte público nas periferias”, afirma.