Quase lá: Conselhos tutelares: eleições cresceram, mas presença conservadora ainda é desafio

Especialistas apontam urgência em equilibrar a influência conservadora e de extrema direita nos conselhos tutelares

Nara Lacerda
Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
 

 

Eleições para conselhos tutelares ocorreram no domingo (1º), em todo o Brasil - © Tânia Rêgo/Agência Brasil

 

Embora o balanço consolidado das eleições para conselho tutelar ainda não tenha sido finalizado, já é possível dizer que houve aumento na participação popular, mas ainda é preciso ir além para garantir mais aderência e combater a presença religiosa conservadora nesses espaços. 

Dados parciais, divulgados pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC), indicam que houve aumento de 25% no índice de comparecimento às urnas, em relação ao que foi registrado na última votação, em 2019. 

No entanto, especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato afirmam que o crescimento ainda não é suficiente e que a comunicação sobre o pleito precisa ser ampliada para incentivar a população a participar. O acompanhamento e a valorização do trabalho pós-eleições também são vistos como essenciais. 

:: Participação nas eleições para conselhos tutelares aumentou 25% nas capitais ::

O advogado Ariel de Castro Alves, especialista em direitos da infância e juventude afirma que o cenário favorece movimentos conservadores na votação.  

Ex-secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e ex-presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), ele aponta que a eleição deve ser tratada como prioridade pelo poder público para envolver toda a sociedade. 

“Como se trata de um processo eleitoral de voto facultativo e não obrigatório, os grupos que já são pré-organizados, como as igrejas, partidos políticos, associações de moradores e mandatos parlamentares têm mais força. Esses setores são os que participam mais e não propriamente o eleitor comum, até porque foi um processo bastante mal divulgado.” 

:: Conselho tutelar: balanço e desafios futuros ::

Segundo o MDHC, já é possível confirmar que pelo menos 1,6 milhão de pessoas foram às urnas nas capitais. O número deve aumentar com a consolidação das informações dos mais de 5 mil municípios brasileiros que tiveram eleições. 

O conselheiro Carlos Alberto de Souza Júnior, do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente da cidade de São Paulo, afirma que o aumento na participação é importante, mas ainda é muito pouco. 

“Eu sempre falo que eu gostaria que 10% da população participasse. Temos esse desafio ainda de divulgar. Perdemos ainda mais a participação da sociedade por dois elementos, precisamos melhorar os canais de comunicação para divulgar o processo de escolha, mas também precisamos criar um método de divulgação dos candidatos.” 

:: Novos conselheiros tutelares tomam posse em 10 de janeiro; resultado oficial será divulgado nesta terça (3) ::

A professora da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Míriam Kenzinger, afirma que o aumento da participação nas eleições sinaliza um engajamento mais profundo, mas destaca que ainda há desafios consistentes. Para ela é necessário padronizar nacionalmente todo o processo eleitoral, da inscrição ao voto, e investir em acompanhamento, pesquisa de perfis e formação dos conselheiros e conselheiras. 

“Apesar deste avanço, persistem desafios consideráveis. A predominância de candidaturas eleitas alinhadas a pautas conservadoras, mesmo com um aumento na representação do campo democrático progressista, indica que ainda há um trajeto a ser trilhado para alcançar uma representação que esteja em plena convergência com os preceitos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e nossa Constituição Federal.” 

Míriam Kenzinger também cita a necessidade de valorização de profissionais com a criação de um piso salarial mínimo, para atrair profissionais com qualificação, perfil laico e técnico. Além disso, a professora ressalta que é urgente a construção de condições para ampliar a atuação dos conselhos. 

Polarização 

Um mapa dos resultados das eleições na cidade de São Paulo, de autoria de Paulo César de Oliveira e publicado pelo Instituto de Cooperação Pública e Social é um espelho da presença do campo conservador nos conselhos tutelares. 

Entre 260 eleitos e eleitas, 58% têm alinhamento com o campo conservador e 35% defendem a pauta progressista e a aplicação efetiva do ECA. Ariel de Castro Alves enxerga a influência polarização política nacional nesse cenário. 

“Vários setores, principalmente aqueles que perderam o processo eleitoral nacional no ano passado, estiveram mais organizados, inclusive por meio de igrejas neopentecostais para uma participação. É uma espécie de revanche diante da eleição do ano passado e também em prol das pautas conservadoras que eles defendem.” 

:: Atuação do conselho tutelar tem que ser baseada na Constituição Federal e não na Bíblia ::

Carlos Alberto de Souza Junior afirma que superar a pauta conservadora dentro dos conselhos tutelares é o grande desafio.  

“O conservadorismo dentro de um órgão como o conselho tutelar prejudica totalmente o atendimento. Ele deixa de atender a partir dos aspectos legais, que defendem os direitos da integralidade, independentemente de quem é a criança ou o adolescente, de que composição familiar ela é. O conservadorismo exagerado protege direitos a partir de sua bolha.” 

Para Míriam Kenzinger, as eleições amplificaram os alertas da rede nacional de defesa da infância e da juventude sobre a influência de grupos religiosos conservadores e partidos de extrema direita nos conselhos.  

:: Conselho tutelar pode ser diferença entre vida e morte, diz Ministério ::

Ela observa, no entanto, sinais de resistência do campo progressista. A professora cita como exemplo a plataforma A Eleição do Ano, iniciativa que levou ao público informações sobre candidatos e candidatas com compromisso com o Estatuto da Criança e do Adolescente. Mais de 2,5 candidaturas foram compiladas no site.  

“No Rio de Janeiro, 26 dos 106 candidatos inscritos através da plataforma foram eleitos, sinalizando um movimento em direção a uma representação mais progressista (...) Essas iniciativas, juntamente com o aumento da participação popular, indicam o início de um esforço coletivo para contrabalançar a influência conservadora e reafirmar os princípios democráticos e progressistas nos conselhos tutelares. Mas há muito chão a percorrer”, conclui ela.  

Até o fim desta semana, o Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania pretende divulgar um balanço geral e consolidado das eleições para os conselhos tutelares. 
 

Edição: Rodrigo Durão Coelho

 

Universal distribuiu cola com número de candidatos aos conselhos tutelares ligados à igreja

Para especialista em Direito Eleitoral, ação pode 'caracterizar abuso de poder econômico ou abuso de poder político'

Igor Carvalho
Brasil de Fato | São Paulo (SP) |
 
Cola que fieis receberam na saída do culto da igreja Universal do Reino de Deus, nas unidades do Tremembé e Jaçanã - Foto: Divulgação

Após o culto das 9h do último domingo (1º), obreiros de duas sedes da Igreja Universal do Reino de Deus em São Paulo (SP) abordaram fiéis com colas eleitorais que indicavam o número dos candidatos aos conselhos tutelares ligados à igreja.

Brasil de Fato teve acesso a dois vídeos que mostram a ação dos obreiros da Universal nas unidade da rua Antonella de Messina, no Tremembé, e rua Benjamin Pereira, no Jaçanã, ambos na zona norte da capital paulista, orientando os fiéis sobre onde e em quem votar.

Uma das autoras dos vídeos, que prefere não se identificar e que será chamada de Edna Silva, estava na unidade do Tremembé. “Quando acabou o culto, uma obreira entregou na minha mão um envelope com cinco santinhos de candidatos e uma cola com o número e o nome deles”, relatou.

Silva, então, soube que a mesma ação ocorria ali perto, na unidade do Jaçanã, e seguiu para o local. “Lá, eles também distribuíam as colas e uma das obreiras, dentro da igreja mesmo, me explicou até sobre o local de votação, onde eu deveria comparecer para votar”, detalhou.

Ainda de acordo com Silva, durante o culto na igreja, os pastores falaram sobre a importância da eleição dos conselhos tutelares e pediram que os fiéis se comprometessem com os candidatos da igreja.

Veja os vídeos:

Para o advogado Alberto Rollo, professor de Direito Eleitoral da Escola Paulista de Direito, a Universal pode ter cometido crime. “Existe uma resolução do Conanda [Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente] que regula a propaganda eleitoral nas eleições de conselheiros tutelares, que não tem o rigor da eleição comum, mas tem regras. Por exemplo, não pode ter patrocínio ou ajuda de pessoa jurídica. A igreja não poderia ajudar”, explica.

Ao analisar as imagens e o depoimento de Edna Silva, Rollo afirmou que é possível “caracterizar abuso de poder econômico ou abuso de poder político” e, até mesmo, impugnar as candidaturas favorecidas pela igreja.

“Isso fica sujeito a uma representação no conselho, com provas e depoimentos. Se ficar comprovado que esses candidatos foram beneficiados por condutas ilegais, daria para cassar essas candidaturas”, encerra Rollo.

Outro lado

Procurada, a Igreja Universal não respondeu até o fechamento desta matéria. Caso o faça, este texto será atualizado.

Edição: Rodrigo Durão Coelho

 

Artigos do CFEMEA

Coloque seu email em nossa lista

lia zanotta4
CLIQUE E LEIA:

Lia Zanotta

A maternidade desejada é a única possibilidade de aquietar corações e mentes. A maternidade desejada depende de circunstâncias e momentos e se dá entre possibilidades e impossibilidades. Como num mundo onde se afirmam a igualdade de direitos de gênero e raça quer-se impor a maternidade obrigatória às mulheres?

ivone gebara religiosas pelos direitos

Nesses tempos de mares conturbados não há calmaria, não há possibilidade de se esconder dos conflitos, de não cair nos abismos das acusações e divisões sobretudo frente a certos problemas que a vida insiste em nos apresentar. O diálogo, a compreensão mútua, a solidariedade real, o amor ao próximo correm o risco de se tornarem palavras vazias sobretudo na boca dos que se julgam seus representantes.

Violência contra as mulheres em dados

Cfemea Perfil Parlamentar

Direitos Sexuais e Reprodutivos

logo ulf4

Logomarca NPNM

Cfemea Perfil Parlamentar

Informe sobre o monitoramento do Congresso Nacional maio-junho 2023

legalizar aborto

...