Quase lá: 'Temos a possibilidade real de eleger uma mulher prefeita', diz presidenta do PT em Porto Alegre

Primeira mulher negra a presidir o partido na capital gaúcha acredita que a cidade está cansada da agenda neoliberal

Brasil de Fato | Porto Alegre |
"As maiores figuras da esquerda de Porto Alegre, depois do Olívio e do Tarso, são mulheres", afirma a deputada estadual Laura Sito - Foto: Thanise Melo

Porto Alegre nunca elegeu uma prefeita. Para a deputada estadual e presidenta do PT municipal, Laura Sito, isto pode estar perto de mudar.

A proposta de chapa para enfrentar a forte coalizão bolsonarista formada em torno do atual prefeito Sebastião Melo (MDB) traz dois ineditismos. O primeiro é que PT e PSOL estarão juntos já no primeiro turno da disputa. O segundo é que, como candidatas à prefeita e vice, figuram duas mulheres: a deputada federal Maria do Rosário pelo PT e a funcionária pública Tamyres Filgueira, pelo PSOL.

A primeira, branca e deputada federal, terá como parceira uma sindicalista e militante do Movimento Negro. Outra particularidade é que outras duas mulheres, também uma negra e outra branca, a própria Laura Sito e a presidenta estadual do PSOL, deputada estadual Luciana Genro, envolveram-se profundamente na arquitetura das pré-candidaturas e do acordo entre as siglas. Tudo a ver com o mês de março, que marca as lutas das mulheres por mais protagonismo político. É parte do que Brasil de Fato Rio Grande do Sul trata aqui nesta conversa com Laura Sito.

 

Brasil de Fato RS: Nunca é fácil encontrar mulheres em postos de poder no Brasil. No caso das mulheres negras, é ainda mais raro. Você é a primeira mulher negra a presidir o PT em Porto Alegre. Como foi construir essa candidatura?

Laura Sito: A gente vem há muito tempo fazendo a reflexão sobre a importância de também construirmos a transição geracional dos nossos quadros partidários, sobre empoderar e formar novos agentes políticos.

Eu participei da direção nacional do PT em 2013. Foi a primeira direção com cotas geracionais e raciais. Desde lá, o PT vem trabalhando não só na sua mudança burocrática para instituir as cotas como também para formar quadros que pudessem assumir as primeiras posições e tarefas maiores do partido.

Vários diretórios do PT são presididos por mulheres negras em regiões onde há poucas pessoas negras.

É muito interessante porque vamos andando pelo Rio Grande do Sul hoje e temos vários diretórios presididos por mulheres negras em regiões onde têm poucas pessoas negras. Na semana passada, por exemplo, estava em Bom Retiro do Sul onde a presidenta é uma mulher, jovem, advogada.

Fui eleita aqui em Porto Alegre por unanimidade pelo nosso partido. Acredito que esse momento vem da compreensão de que precisamos fortalecer essa agenda e essa representatividade, não só pensando no agora, mas também no futuro.  

Duas mulheres — você e Luciana Genro, presidenta estadual do PSOL — dirigem partidos de esquerda no estado. Ambas foram responsáveis por escolher outras duas mulheres — Maria do Rosário e Tamyres Filgueira — para integrar uma inovadora proposta de chapa na próxima eleição para a prefeitura de Porto Alegre. Como foi essa decisão?

As maiores figuras da esquerda de Porto Alegre, depois do Olívio e do Tarso, são mulheres, né? Então tu pegas a Manuela D’Ávila, a Luciana Genro, a Maria do Rosário, a Fernanda Melchionna, a Bancada Negra composta pela Bruna Rodrigues, a Karen Santos, a Daiana, a Reginete, eu e consegues enxergar a agenda das mulheres identificadas no nosso campo político ideológico.


Luciana Genro, Tamyres Filgueira e Maria do Rosário durante evento na Lomba do Pinheiro em janeiro / Foto: Pitta Klein

É uma agenda muito forte e que tem um processo de debate político que é muito natural, o que se reflete nas nossas cidades. Esse movimento também acontece no país. Entre os nomes postos na mesa neste ano, majoritariamente eram nomes femininos e isso também nos dá uma perspectiva, a médio prazo, de uma maior participação e protagonismo das mulheres, inclusive em outros processos daqui para frente. Não tenho dúvida disso. Hoje temos tudo para consolidar uma virada de chave histórica

Porto Alegre nunca teve uma prefeita. O eleitorado sempre preferiu homens. Por que você acha que isso pode mudar agora?

Já faz algumas eleições que pode mudar, já poderia ter mudado. Nem sempre tivemos a unidade para construir isso, mas acredito que hoje temos tudo para consolidar essa virada de chave histórica.

Ainda que não tenhamos candidaturas femininas eleitas, tivemos um ótimo desempenho durante as campanhas. A própria Rosário em 2008, a Manuela em 2020. Então, vamos para mais uma eleição onde a gente tem a possibilidade real de eleger uma mulher como prefeita de Porto Alegre.

Nas eleições de 2022, uma mulher, Fernanda Melchionna, do PSOL, obteve a maior votação para a Câmara dos Deputados em Porto Alegre. E dos seis candidatos mais votados para a Câmara na época, quatro foram mulheres (as demais foram Maria do Rosário, do PT, Daiana Santos, do PCdoB, e Any Ortiz, do Cidadania). Isto diz algo para você? 

Não tenho nenhuma dúvida de que o resultado dos quadros da esquerda, e também da direita em Porto Alegre, demonstram que a questão da presença feminina, do voto em mulheres é muito forte na cidade. Especialmente no campo progressista. A questão do voto em mulheres é muito forte na cidade.

E isso indica que temos todas as condições de constituir uma unidade como estamos consolidando e termos uma candidatura viável de uma mulher para prefeita. Eu acredito que tem tudo para ser a Maria do Rosário.

Também em 2022 e após 20 anos, o PT voltou a vencer uma eleição na capital gaúcha. Aqui, Lula conseguiu 49,83% dos votos para a presidência (412.553 votos), estabelecendo uma vantagem de mais de 10% sobre Bolsonaro no 1º turno. Edegar Pretto também bateu o bolsonarista Onyx Lorenzoni, enquanto Olívio Dutra livrou 13% de vantagem sobre Hamilton Mourão. Qual vai ser o argumento para repetir este desempenho agora em 2024 perante o prefeito bolsonarista Sebastião Melo?

Realmente, em 2022 tivemos um resultado espetacular da esquerda. Não só do Lula, mas do Edegar Pretto, da recepção ao Olívio. Isso nos faz acreditar que Porto Alegre está cansada dessa agenda liberal, privatista, conservadora, de um prefeito que entregou a chave da cidade para a especulação imobiliária. Acreditamos que a capital deu um sinal e nós vamos fazer de tudo para consolidar esse processo nas eleições municipais.

Para vencer e governar, as mulheres têm que ganhar o voto das mulheres. Mas ainda existem mulheres que preferem votar em homens. Qual o argumento para convencê-las?

Sou meio contra essa ideia de que mulher vota em homem. Na verdade, quem vota só em homem mesmo são os próprios homens. Depois que me tornei vereadora e deputada, de estar nas ruas pedindo voto, vou te dizer que eu tenho certeza disso. As mulheres, na verdade, votam muito em mulheres. Querem se ver representadas nesses espaços.

O que precisamos fazer é sensibilizar a sociedade de que a ampliação da representatividade é melhor para todos. Uma cidade com maior representatividade é uma cidade melhor para as mulheres morarem com mais acessos e direitos garantidos para as crianças, para os nossos filhos também. Acho que, nessa eleição, o segredo não está nas mulheres votarem nas mulheres e, sim, no entendimento de que os homens também podem votar nas mulheres. 


"Uma cidade com maior representatividade é uma cidade melhor para as mulheres morarem com mais acessos e direitos garantidos para os nossos filhos também" / Foto: Thanise Melo

Além do machismo, do assédio, as mulheres na política têm que lidar com a violência de gênero. É possível transformar a política sem encarar essa questão?

É impossível mudar a política sem as instituições terem respostas sérias sobre a violência política de gênero. Não é um expediente novo, mas com a ampliação da participação feminina na política institucional isso se amplia. Afinal, vivemos em uma sociedade extremamente violenta com as mulheres.

Para que possamos alterar a condição de violência que vivem as mulheres em geral é fundamental que possamos fortalecer o combate à violência política de gênero com mais mulheres nos espaços de poder e decisão. Assim, também vamos fortalecer políticas públicas capazes de transformar a realidade de um país violento como é o nosso.

Eu tenho participado junto ao Instituto Marielle Franco de uma série de ações de combate à violência política de gênero. No ano retrasado, nos reunimos com o Tribunal Superior Eleitoral. Acreditamos que as instituições estão aquém das respostas que precisam dar à sociedade sobre o tema.

BdFRS - Desde o início do genocídio na Palestina levantaste tua voz para denunciar. As mulheres e crianças são as principais vítimas desse conflito. O que mais é preciso ser feito para o cessar-fogo?

Laura -
Precisamos de um cessar-fogo imediato na Palestina. Derrotar a força de comunicação sionista é o nosso maior desafio porque é um debate distante da maior parte da população que não conhece a história daquele território, nem os elementos que atravessam o conflito.


Cerimônia proposta pela Laura Sito (PT) homenageou a Federação Árabe Palestina do Brasil / Foto: Thanise Melo

É por isso que levantei a minha voz, por isso levanto essa bandeira todo o tempo. Precisamos criar uma massa crítica dentro da sociedade capaz de pressionar, principalmente os Estados Unidos, a recuar [do apoio] da política genocida do Estado de Israel.

70% das mortes lá são de mulheres e crianças. É inadmissível que a opinião pública, majoritariamente, apesar de condenar a guerra, ainda acredite que há justificativa [para o massacre] por conta das ações do Hamas. Não há justificativa alguma para uma política genocida de um Estado contra um povo.

Nesta sexta-feira tivemos o 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, uma data que o capitalismo tenta a todo custo banalizar como uma data festiva. Qual a tua mensagem para as mulheres para marcar este dia?

O 8 de Março é uma data essencialmente de denúncia, apesar do capitalismo tentar transformar em uma data de contemplação, de celebração do ser mulher. Na verdade, é uma data que surge das denúncias do que as mulheres sofrem. Para mim, este 8 de Março reforça ainda mais a necessidade de alterarmos a realidade violenta a que somos submetidas diariamente, especialmente no Brasil.

Neste país, onde ainda temos uma cultura forte de estupro, uma realidade de disparidade salarial entre homens e mulheres, um agravante gigantesco nos casos de feminícidio. É essa realidade que precisamos alterar!

Nesse 8 de Março fica a denúncia e um chamado para a mobilização da sociedade: só vamos enfrentar o machismo estrutural quando nos levantarmos contra uma sociedade que condena as mulheres ao martírio da violência.

Fonte: BdF Rio Grande do Sul
Edição: Ayrton Centeno
 

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