Desde o discutível impeachment da primeira presidenta mulher do Brasil, Dilma Rousseff, parece que ficou muito fácil demitir mulheres que ocupam cargos públicos.
Por Eva Alterman Blay, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP
Desde o discutível impeachment da primeira presidenta mulher do Brasil, Dilma Rousseff, parece que ficou muito fácil demitir mulheres que ocupam cargos públicos. O governo Lula trouxe uma enorme transformação com a indicação de 11 mulheres ministras, todas cientistas e profissionais com inequívoca produção autoral nas respectivas especialidades. No entanto, todos os dias acordamos sobressaltadas com a notícia de que o presidente precisa acomodar algum homem – cuja única característica parece ser física (entenderam?) – e se ameaça destituir uma mulher.
O presidente precisa de um cargo importante, imediatamente surge a possibilidade de substituir uma ministra. Nunca se vê sequer a possibilidade de substituir um ministro homem para dar espaço a outro. Jamais se cogita, por exemplo, tirar um homem para dar lugar a uma mulher. Por quê? Será que as mulheres ocupam os cargos por serem incompetentes? Por serem corruptas? Porque ocupam cargos para os quais não têm habilitação? Tais argumentos não são sequer sugeridos, pois desmoronariam antes de serem aventados.
Relembremos as ameaças às mulheres: primeiro tentaram substituir a ministra da Saúde, Nísia Trindade. Logo nos lembramos que, nesse cargo, houve um ocupante que deixou os doentes de Manaus morrerem asfixiados por falta de oxigênio. Foi substituído por outro ocupante que era contra as vacinas e deixou que quase 700 mil pessoas morressem por não serem imunizadas. Assim nós, mulheres, somadas à boa parte da comunidade médica, nos rebelamos e criou-se uma força social expressando forte apoio à permanência de uma ministra que além de tudo era defensora do SUS. E Nísia permaneceu.
Aí tentaram substituir Ana Moser, ministra do Esporte, jogadora que trouxe medalhas e emprestou seu brilho para impulsionar esporte e educação para as crianças e que mantém há 20 anos um instituto voltado para atividades esportivas e educacionais. Além disso, esse ministério não tem tanta verba para atrair algum candidato mais interessado no cargo do que no trabalho. Para alegria de todas nós e das mães das crianças, agradecemos e saudamos a manutenção de Ana.
Pisando em ovos, tentaram mexer com o cargo de Marina Silva. Logo veio a triste lembrança que o Ministério do Meio Ambiente foi gerido pelo incendiário destruidor de florestas contrabandeadas para os Estados Unidos e atual deputado federal. Mas, na verdade, quem ousaria mexer com Marina que, se não conservarmos no Brasil, é cobiçada para vários cargos internacionais. Então Marina é nossa.
Daí cobiçaram o cargo de Luciana Santos, ministra da Ciência e Tecnologia. Nós, das universidades brasileiras, temos a funesta lembrança da atuação dos ocupantes desse ministério que se manifestaram nos últimos anos contra a Ciência, contra as universidades, contra as pesquisas. Nunca esqueceremos daqueles que acusaram a Universidade de São Paulo, uma das 100 melhores universidades do mundo, de usar seu espaço para plantar maconha. E Luciana, com o respaldo de cientistas do Brasil, do exterior e das mulheres, permanece.
Incansáveis, mais recentemente, lembraram de Esther Dweck, que dirige com a maior transparência o sofisticado Ministério de Gestão e Inovação. Esse foi criado pelo governo Lula e tem o fundamental objetivo de tornar a máquina pública eficiente, digitalizada e, principalmente, fazer concursos para selecionar seus funcionários por eficiência, o que significa extinguir um segmento que se tornou anexo de militares, escolhidos sem nenhum critério, exceto vínculos de subordinação ao mandatário e aos seus ajudantes. A atuação de Esther, competente engenheira, trabalha para racionalizar o serviço público. Todo apoio à permanência de Esther.
Estranhamente, ainda não pleitearam o cargo de Cida Gonçalves, ministra da Mulher, que tem o apoio de todos os sindicatos e associações democráticas e da maioria das organizações de mulheres. No governo anterior, a primeira ação da sua titular foi reduzir o Ministério da Mulher a Ministério da Família, retirando dele exatamente sua essência: a mulher. Além disso, subordinou-o a outros Ministérios, como o da Justiça, suprimiu verbas, extinguiu conselhos que o articulavam à população e enfraqueceu até o 180 – telefone de emergência para mulheres e meninas em risco.
Agora tudo está mudando para muito melhor. Na semana passada, presenciamos a atuação da nova ministra Cida Gonçalves. Estava acompanhada de Eleonora Menicucci, ex-ministra da Mulher no governo Dilma. Foi um momento exuberante, que há anos não presenciávamos. O Sindicato dos Químicos cedeu seu auditório para uma plateia de umas mil pessoas, a maioria mulheres. Havia sindicalistas, trabalhadoras, políticos/as, feministas, professoras e pessoas simplesmente curiosas em ouvir uma ministra.
Foi um prazer ouvi-la falar uma língua que todas e todos entendemos e que almejamos para o Brasil: que as mulheres não sejam odiadas, violentadas, assassinadas. Cida disse mais, temos de reconstruir um país em que predomine o sentimento de respeito para com as mulheres; temos que ensinar, a todos e todas o que significa respeitar nosso corpo, seja no metrô, no ônibus, em casa; respeitar a professora na escola, ensinar a igualdade de direitos entre pessoas de todas as cores, classes sociais, gênero e idades. A ministra, numa linguagem simples, traduzia para o cotidiano o cumprimento das leis.
Construímos uma bela Constituição desde 1988, acrescentamos a ela várias outras leis, mas, para encurtar a distância entre o que está escrito e a ação, a ministra relembrava a bem-sucedida prática do movimento feminista: temos de falar muito, ensinar, discutir, traduzir em ações o que está na lei.
Mas, atenção: o novo governo, eleito pelo voto, tem apenas seis meses e já enfrentou uma tentativa de golpe. No momento, temos ainda cinco mulheres ministras cujos cargos continuam a ser cobiçados. Há que ficar alerta!
fonte: https://jornal.usp.br/articulistas/eva-alterman-blay/as-ministras-nao-sao-barbies/