Escritora francesa foi escolhida para o Nobel de Literatura no último dia 7. Ela é apenas a 17ª mulher a receber o prêmio
Texto: Duda Ventura
Arte: Guilherme Castro
“Coragem e acuidade clínica com que desvenda as raízes, os estranhamentos e os constrangimentos coletivos da memória pessoal.” Foi com essas palavras que a Academia de Artes Sueca justificou sua escolha para a ganhadora do Nobel de Literatura deste ano, divulgada no última dia 7. Desta vez, Estocolmo não chocou os puristas, como fez quando indicou Bob Dylan, nem colocou uma interrogação nos menos avisados, ao eleger nomes que fugiam do conhecimento geral. Há meio século Annie Ernaux vem pavimentando seu caminho literário com textos incisivos, de fortes matizes autobiográficos.
Responsável por títulos como Os Anos, O Lugar e O Acontecimento, publicados no Brasil pela editora estreante Fósforo, a francesa de 82 anos é conhecida por seus trabalhos baseados em sua própria vida. Nas palavras da autora, seus livros são “autossociobiografias”, ou seja, retratam histórias que ela viveu, contadas pela própria, mas abordando reflexões sobre o contexto social e histórico em que estão inseridas. Além do título de vencedora, ela leva para casa 10 milhões de coroas suecas, o que, na conversão atual, equivale a cerca de R$ 4,8 milhões.
Para o público brasileiro, há a chance de conhecê-la pessoalmente: Annie Ernaux é presença confirmada na Festa Literária Internacional de Paraty, que ocorrerá em novembro deste ano. Sua nova obra, O Filho, será lançada na FLIP.
Denúncias de abusos e assédios realizados pelo fotógrafo e diretor artístico francês Jean-Claude Arnault levaram ao adiamento do Prêmio Nobel de Literatura de 2018 em um contexto de pressão política do movimento #MeToo. As 18 mulheres anônimas que o denunciaram ao jornal sueco Dagens Nyheter alegaram que sofreram as agressões nas dependências da instituição que concede o prêmio.
Pelo vínculo que o artista condenado a dois anos de prisão por estupro tinha com a academia, a Fundação Nobel postergou a entrega do prêmio naquele ano. A premiação não era adiada desde 1949, e 2018 foi a 14ª vez em que o adiamento ou cancelamento da cerimônia ocorreu. Apenas em 2019 o Nobel de Literatura do ano anterior foi entregue a Olga Tokrczuk, juntamente com o de Peter Handke, vencedor daquele ano.
Annie Ernaux é a 17ª mulher a ganhar o Nobel de Literatura. Abrangendo todas as categorias do prêmio ― Química, Física, Economia, Medicina, Paz e Literatura ―, dos 947 vencedores, apenas 60 são mulheres.
Segundo a professora do Departamento de Letras Modernas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP
Temas considerados tabus, como a realização de abortos ilegais, a erotização e os relacionamentos entre mulheres mais velhas que seus parceiros, são abordados pela escritora de maneira pluralista e inovadora, afirma Claudia.
A autora iniciou sua carreira na literatura em 1974. Porém, foi apenas com seu quarto livro, O Lugar, que passou a ser reconhecida. “Em outros países, como na própria França, os chamados estudos de gênero são uma realidade nas universidades”, explica a professora da Universidade Federal Fluminense (UFF) Eurídice Figueiredo. “Isso justifica o interesse que muitos alunos têm por estudar autoras feministas, como Annie.”