Em possível ter responsabilidade social no combate à fome
O programa político eleito nas urnas em 2022 e que sustenta o governo do presidente Lula tinha o combate à fome no seu centro. Para o campo popular, o Novo Arcabouço Fiscal anunciado pelo governo, apesar de solucionar os problemas mais graves criados pelo Teto de Gasto, limita excessivamente o espaço de implementação do programa popular e de sua pauta mais importante, o combate à fome.
Em 2022, o Segundo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19 no Brasil apontou que 33,1 milhões de pessoas não têm garantido o que comer — o que representa 14 milhões de novos brasileiros em situação de fome em relação ao período pré-pandemia. Conforme o estudo, 58,7% da população brasileira convive com a insegurança alimentar em algum grau: leve, moderado ou grave.
Frente a isso, apresentamos uma proposta de emenda ao arcabouço que mantém as suas características fundamentais, mas garante que a necessidade mais urgente do povo brasileiro não sofrerá pressão por parte dos interesses financistas que rondam o governo.
A nossa proposta de emenda retira dos gastos sujeitos ao novo limite de crescimento três programas centrais para a política de combate à fome: o Programa Bolsa Família, o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). No orçamento de 2023, os três programas têm previsão de R$ 181,7 bilhões: o Bolsa Família é responsável pela maior parte desse valor, com R$ 175 bilhões; PAA e PNAE terão R$ 531,5 milhões e R$ 5,46 bilhões, respectivamente. Juntos, os três programas representam 8,9% da despesa primária líquida esperada pelo governo para 2023.
O direito à alimentação é um direito humano previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas. Também é considerado um direito social pela Constituição Federal. A nossa Constituição dá atenção particular ao direito das crianças à alimentação, especialmente em ambiente escolar: os capítulos sobre infância e educação apontam explicitamente para o papel da boa alimentação.
O Programa Bolsa Família é a base da política de combate à fome no Brasil. É ele que levanta a população da extrema pobreza e a coloca no caminho do mercado de trabalho. Assim se abre o espaço para que outras políticas voltadas para o emprego, como a valorização real do salário mínimo, tenham efeito.
O combate à fome vai além das transferências diretas: é necessário apoiar e promover os complexos produtivos que garantem concretamente o direito à alimentação. Por isso, a proposta de emenda também exclui o PAA e o PNAE do conjunto de gastos sujeitos ao novo limite de crescimento. Com orçamento enxuto, estes programas são fundamentais para o desenvolvimento de longo-prazo da agricultura familiar.
A obrigatoriedade de uso de 30% dos recursos do PNAE na aquisição de alimentos da agricultura familiar e o PAA garantem aos pequenos produtores agrícolas estabilidade e possibilidade de planejamento. Com a garantia de que o Estado fará compras significativas, a agricultura familiar pode se planejar melhor: a estabilidade das vendas permite, por exemplo, o planejamento de investimentos de longo-prazo a partir de programas como o Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf).
Atuando em conjunto, os três programas – Bolsa Família, PAA e PNAE – contribuem para a revitalização de economias locais: as pessoas em situação de pobreza e extrema pobreza ganham poder de consumo que pode ser atendido por uma agricultura familiar com capacidade de planejamento e investimento. Além disso, a permanência escolar, um dos condicionantes do Bolsa Família, garante que crianças e jovens da classe trabalhadora estarão presentes em escolas supridas com alimentos de qualidade adquiridos pelo PNAE.
A emenda também se propõe a aumentar o caráter anticíclico da política fiscal. Conforme nossa posição sobre o arcabouço, a lei complementar precisa de mais espaço para o protagonismo do investimento público a fim de ter um caráter anticíclico mais forte. O programa Bolsa Família pode atuar como um “estabilizador automático” por meio do crescimento esperado do número de novos beneficiários em períodos de crise. O valor dos benefícios também pode ser facilmente alterado de acordo com as variações de demanda agregada.
Além disso, todos os três programas possuem fortes multiplicadores fiscais. Transferências e compras direcionadas a populações de baixa renda em áreas com consumo reprimido se transformam em grandes expansões de demanda agregada. Segundo estudo dos pesquisadores Marcelo Neri, Fábio Monteiro Vaz e Pedro Herculano Souza, o Bolsa Família tem o maior multiplicador fiscal entre todos os programas de transferência de renda do governo federal. Isto significa que, em situações de crise econômica, o governo federal terá liberdade para utilizar-se dos melhores instrumentos de retomada da demanda agregada sem o constrangimento imposto pela regra de vinculação ao crescimento da receita.
Por fim, a proposta de emenda representa um avanço político para o campo popular. A garantia dos programas de compra de alimentos da agricultura familiar representará uma vitória da aliança campo-cidade na luta por soberania alimentar.
O fortalecimento dessa aliança é ainda mais importante no momento em que o centro de poder político e econômico do país se desloca para o agronegócio do interior do país. PNAE, PAA e Bolsa Família têm papel fundamental em garantir a autonomia da classe trabalhadora e camponesa e a força política e econômica do campo popular nas pequenas e médias cidades do interior do país. Com o fortalecimento desses programas, há maior possibilidade de resistir o poder destrutivo do agronegócio e do extrativismo mineral predatório que dominam esses territórios.
Edição: Rodrigo Durão Coelho
fonte: https://www.brasildefato.com.br/2023/05/12/ponto-de-vista-orcamento-popular-e-orcamento-sem-fome