Um percurso rico de formação concebido pela Universidade Vanvitelli da Campânia com a associação Dire (Mulheres na rede contra a violência, em tradução livre), gerido pelo grupo Prodos
"Foi uma boa experiência para mim agir em uma situação com 'mais mulheres do que homens'. Acostumar-se a ser 'minoria' e reconhecer a autoridade das mulheres com quem trabalhamos pode ser um bom começo para superar a cultura machista. Que pesa sobre nós e alimenta também os desfechos violentos", escreve Alberto Leiss, jornalista italiano, em artigo publicado por Il Manifesto, 22-11-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Na próxima sexta-feira é o dia de combate à violência contra a mulher. Uma oportunidade para refletirmos melhor, principalmente nós homens, sobre o uso das palavras que pronunciamos, se as pronunciamos, quando abordamos esse tema. “Fala-se muito da violência contra as mulheres”, escrevem duas jornalistas do Il Sole 24 Ore, Chiara Di Cristofaro e Simona Rossitto, num livro que acaba de ser publicado com a seguinte manchete: Eu disse não. Como sair da violência de gênero.
Enumerando TV, conferências, livros “e, mais recentemente, também campanhas as eleitorais. A atenção política e mediática tem sido alta já há alguns anos”. No mundo - segundo as estatísticas - cerca de um terço da população feminina sofre violência, e na Itália a cada três dias uma mulher é vítima de feminicídio: “...apesar do aumento da sensibilidade, os números não melhoram”.
Para pensar no porquê e como reagir, recomendo a leitura do livro, cujos capítulos partem de histórias reais de violência para focar os aspectos comportamentais, as normas e sua aplicação, a linguagem nos contextos privados e públicos, os dados disponíveis e, por fim, o papel e as escolhas dos perpetradores da violência, nós homens.
Limito-me a alguns aspectos.
O primeiro é o fenômeno da "vitimização secundária", tratei disso com outros amigos da rede Maschile Plurale no projeto europeu "Never Again".
Um percurso rico de formação concebido pela Universidade Vanvitelli da Campânia com a associação Dire (Mulheres na rede contra a violência, em tradução livre), gerido pelo grupo Prodos, com a parceria também de il Sole 24 ore e do grupo de teatro MASC (Movimento Artístico Socio Culturale), direcionado para magistrados, advogados, forças policiais e jornalistas.
No centro está o uso das palavras. As pronunciadas por um magistrado ("Por que resolveu denunciar só agora?"), por um policial ("Mas você tem certeza que quer arranjar problemas para o pai de seus filhos?"), por um jornalista ("Ele matou por excesso de amor"). As palavras da lei, a serem interpretadas, e das sentenças, que muitas vezes repetem estereótipos e preconceitos que fazem da vítima uma cúmplice.
Esse uso de palavras produz nova violência sobre quem já a sofreu e contribui para desmotivar as mulheres a reagir. Nos dois dias de discussão que encerraram o projeto de bienal que mencionei, escutei Nunzia Brancati, da Polícia de Estado, falar sobre "estratificações culturais atávicas" que fazem da família o palco dessas violências, e a advogada da rede Dire Elena Biagioni lembrar que apenas 30 por cento da violência aparece porque a mulher encontra coragem para denunciar.
As professoras universitárias Teresa Bene e Roberta Catalano fizeram um balanço do projeto diante de uma sala lotada de estudantes de Direito. Cerca de mil pessoas alcançadas pela formação online, em numerosos seminários presenciais, e novamente online, algumas dezenas de estudos de caso aprofundados, uma representação teatral sobre os estereótipos da "vitimização secundária" de grande efeito (interpretada por Silvia Vallerani, Martina Zuccarello e David Mastinu sobre um texto de Giulia Corradi). Um site cheio de informações e ferramentas a serem utilizadas (disponível aqui). Vi, participando de um webinar voltado para o jornalismo, que a presença masculina era mais numerosa do que em outras ocasiões semelhantes. Algo está começando a mudar?
Foi uma boa experiência para mim agir em uma situação com “mais mulheres do que homens”. Acostumar-se a ser "minoria" e reconhecer a autoridade das mulheres com quem trabalhamos pode ser um bom começo para superar a cultura machista. Que pesa sobre nós e alimenta também os desfechos violentos.
Leia mais
- Francisco: a violência contra a mulher “é um problema quase satânico, é humilhante”
- “A violência contra as mulheres é quase satanismo. Irritar-se com Deus também é um modo de rezar”, afirma o papa
- Oxfam: violência contra mulheres cresceu 111% durante a Covid
- Violência contra as mulheres, uma forma bárbara de pobreza. A mensagem de Francisco para o 5º Dia Mundial dos Pobres
- Violência contra as mulheres
- Violência contra a mulher: Brasil tem leis progressistas, mas ainda enfrenta barreiras culturais
- Descrédito e exigência de prova física: obstáculos das vítimas de violência
- Emergência dentro da emergência. Mulheres vítimas de abuso, caem as denúncias. “Presas, não podem pedir ajuda”
- Para 54% dos brasileiros, mulher que denuncia violência sexual não é levada a sério
- Feminicídio, um crime que reflete as dores do mundo e de nosso tempo
- Sem debate franco sobre gênero, mulheres estão fadadas à violência doméstica. Entrevista especial com Fernanda de Vasconcellos
- Ausência de políticas públicas e desigualdade de gênero estão no centro do aumento dos casos de feminicídio. Entrevista especial com Fernanda Vasconcellos
- Na pandemia, três mulheres foram vítimas de feminicídios por dia
- A macabra estatística de feminicídios no Brasil
- Sinais do aumento de feminicídios. Por que elas são mortas?
fonte: https://www.ihu.unisinos.br/624185-quando-a-violencia-masculina-duplica