Quase lá: O orçamento da Saúde sob novos riscos

Há dois dias, o SUS esteve prestes a perder uma fatia significativa de seus já escassos recursos. Um “jabuti” inserido em um PL pelo senador Davi Alcolumbre e a pedido da Fazenda foi retirado horas depois. Mas movimentos precisam preparar-se para próximos ataques

 

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Na última quarta-feira (14/8), o Ministério da Fazenda movimentou-se novamente na direção de retirar recursos da Saúde, em nome da manutenção de seu Arcabouço Fiscal. Desta vez, a tentativa se deu por meio do senador Davi Alcolumbre (União Brasil/AP). A pedido e com auxílio da equipe de Fernando Haddad, ele incluiu um “jabuti” em um projeto de lei para a renegociação da dívida dos estados, do qual foi relator. Esse dispositivo serviria para mudar o cálculo da Receita Corrente Líquida (RCL), que é usada para calcular o piso constitucional da saúde. Na prática, para reduzi-lo.

Algumas horas depois, Alcolumbre voltou atrás, também a pedido do Executivo. Retirou o dispositivo que excluiria da RCL receitas eventuais, começando em 2028 e reduzindo gradualmente até 2040. O economista Francisco Funcia, presidente da Associação Brasileira de Economia da Saúde (ABrES), calculou de quanto seria a perda. Em entrevista ao Outra Saúde, ele projetou algo equivalente a R$ 1,6 bilhão por ano. Essa quantia corresponde, comparativamente, ao que é gasto no SUS com a aquisição e distribuição de medicamentos para o tratamento de HIV/aids. O projeto foi retirado de pauta, contudo, é preciso ter clareza do que ele poderia significar.

Desde a aprovação do Arcabouço Fiscal, seus críticos têm reiterado que esse novo teto de gastos não se sustenta sem prejudicar os investimentos sociais. Desde então, são várias as tentativas de ajambrar as contas sem mexer no pagamento de juros da dívida pública, pagos essencialmente ao 0,1% mais ricos sem qualquer limitação legal. Há exatos dois meses, Haddad falava em limitar o crescimento real das despesas sociais. Sua equipe comprometeu-se a não desvincular o piso da Saúde – mas insiste em buscar outros subterfúgios para reduzir o orçamento. 

“Era aquilo que discutimos das outras vezes: a ameaça de redução do piso da saúde não seria resolvida só com uma declaração de manter a vinculação com a RLC”, alerta Funcia. O economista lamenta: “A gente já fala que o SUS é subfinanciado. Durante a gestão passada, entre 2018 e 2022, perdeu 70 bilhões de reais. Tínhamos que estar discutindo a sua recomposição. Mas, de repente, aparece uma medida que vai retirar mais recursos do SUS”.

Funcia alerta para a necessidade de desconstruir algumas ideias marteladas pela mídia. Uma delas é a meta de superávit primário: “Superávit primário é um nome técnico que se dá para tirar dinheiro da saúde, da educação, de outras áreas de atendimento da população – para pagar juros da dívida. No senso comum, as pessoas acreditam que é preciso ter superávit, que o Estado não pode gastar mais do que arrecada”. Mas é preciso fazer os questionamentos corretos: “Pergunte para esse mesmo conjunto de pessoas se elas concordariam com tirar dinheiro da saúde, educação, assistência social, infraestrutura, políticas públicas em geral… para pagar juros da dívida?”

O economista acredita que o importante, agora, é que essa ideia de mudança de cálculo da RCL não vingou – embora o risco de ser aprovada a toque de caixa, caso tivesse permanecido, seria bastante grande. Os movimentos da saúde continuam atentos para que a ideia não avance. Durante sua Plenária Nacional, no último dia 5, a Frente pela Vida elegeu a manutenção do orçamento do SUS como principal frente de batalha. A rede “intensificou sua mobilização em defesa dos valores atuais que são repassados ao setor, assim como propõe o gasto prioritário em serviços de referência territorial como a Atenção Básica em Saúde e Cuidados Intermediários”, escreveu Túlio Franco em sua última coluna.

Funcia faz questão de lembrar: “Ainda temos uma pessoa, alguém que tem poder. Que explicitamente, desde o início, sempre veio a público e se posicionou contra essas discussões de corte e redução do piso da saúde e da educação. Essa pessoa é o presidente da República, Lula, o que nos dá uma certa garantia”. Para além dele, defende o economista, caberá aos movimentos sociais continuar na luta pela defesa do mínimo constitucional para o SUS. “Temos que ficar atentos”, alerta. Mesmo com a volta atrás de Alcolumbre, as investidas não vão cessar já.

 

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